Novos atos de violência fora das quatro linhas
Como os recentes casos de violência no futebol estão trazendo uma luz a uma problemática recorrente
Por: Leonardo Medeiros
Torcedora do Palmeiras Gabriela Anelli, de 23 anos – Foto: Reprodução/Redes sociais
Nos primeiros sete meses do ano, sete torcedores já foram mortos, vítimas da violência no futebol brasileiro, uma média de um morto por mês. No dia 8 de julho uma torcedora foi morta após uma briga entre as torcidas do Palmeiras e do Flamengo. Gabriela Anelli, de 23 anos, morreu em decorrência de ferimentos causados por estilhaços de uma garrafa de vidro, a jovem foi a sétima vítima deste ano e ainda faltam 5 meses para o ano acabar. O primeiro caso de 2023 foi no começo do ano, no jogo do Campeonato Carioca Vasco x Flamengo, quando dois torcedores saíram feridos em estado grave e um deles morreu após duas semanas no hospital. Um mês depois um policial foi preso após matar um homem e ferir outro em um bar no entorno do Maracanã, por causa de rivalidade entre os times e por diferentes posicionamentos políticos.
Esses casos de violência não se limitam a apenas um indivíduo enfurecido causando problemas, mas também a muitos incidentes relacionados a brigas de torcidas organizadas, que começam a se atacar antes, durante e após os jogos. Os membros de torcidas organizadas buscam violência não só com outros rivais de outras torcidas organizadas, mas também torcedores rivais, apenas pelo motivo de torcerem para um clube que é rival do seu time. Ainda no ano de 2023, no estado do Ceará um torcedor foi morto por um grupo rival quando estava indo para o estádio.
Outro exemplo sobre a violência praticada por torcidas organizadas foi o caso do jogador Luan, do Corinthians, que vinha sendo criticado da torcida corinthiana pelo seu baixo desempenho e alto custo para o clube. Luan foi perseguido em um motel no começo do mês pela torcida organizada Gaviões da Fiel, que descobriu a sua localização e foi lá para agredi-lo. Além de agredir e ameaçar de morte o jogador, os funcionários do motel também foram ameaçados por homens armados a darem informações sobre qual quarto Luan se encontrava.
O histórico nos revela que essa é uma prática recorrente, pois no ano passado um suspeito foi preso por ameaçar o então jogador do Corinthians William, enquanto o atacante ainda estava no time, as ameaças incluíam a integridade física do atleta e ameaças aos seus familiares. William disse um tempo depois que essas ameaças foram um motivo pra ele desistir do futebol brasileiro e voltar novamente ao futebol europeu. Vale ressaltar que William também sofreu ameaças quando ingressou no Arsenal, rival do seu antigo clube, Chelsea. Atualmente o jogador joga no Fulham, um time bem menor e com muito menos pressão da torcida se comparado com os anteriores.
Um outro dado revela que as mortes causadas pela violência no futebol são registradas desde outubro de 1988, data do primeiro registro oficial, e de lá pra cá já somam 384 casos. Esse acompanhamento é realizado há mais de duas décadas pelo jornalista Rodrigo Vessoni. Um outro ponto alarmante é que das 384 mortes, 373 foram ocasionadas fora dos estádios e não dentro das arenas esportivas, e 272 dessas foram realizadas por armas de fogo.
Foto: GABRIEL MACHADO/AGIF – AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO
Recentemente vimos esse tema da violência no futebol sendo debatido de forma bem assídua, depois do caso de racismo sofrido pelo jogador Vinicius Jr., jogador do Real Madrid, estourar no mundo inteiro. Vinicius sofreu insultos racistas durantes jogos da La Liga (Liga Espanhola de Futebol) e também foi ameaçado de morte por torcedores das torcidas rivais do maior time de Madrid. O caso ganhou repercussão mundial e levantou a questão racial para os espectadores e entidades responsáveis, mas também acendeu mais um alerta sobre a violência no futebol. Como torcedores rivais podem se sentir no direito de proferir ataques racistas a um jogador e ameaçá-lo de morte só por conta da rivalidade? Essa tendência de agir com violência devido ao fanatismo pelo esporte cria um ambiente muito hostil para todos que vibram pelo futebol, dentro e fora dos estádios, e pelos casos que são noticiados, esse é um problema de diversas ligas de futebol do mundo.
É importante salientar que o futebol é o esporte mais popular do mundo, com cerca de 4 bilhões de fãs ao redor do mundo. Segundo pesquisa do banco de dados Statistics & Data. Essa modalidade esportiva é geralmente a porta de entrada de muitos jovens quando se trata do interesse de praticar uma atividade física, pois vai além da sua popularidade e do desejo em se tornar um grande jogador, mas também pelo fato de que é um esporte coletivo, que estimula a interação entre os colegas e que não exige nenhum equipamento para ser praticado, apenas uma bola.
Além de uma modalidade esportiva, é também objeto de desejo de milhões de torcedores e uma forma muito lucrativa de entretenimento. Quanto maior a popularidade de um clube ou de algum jogador, maior fica a paixão dos torcedores e também, infelizmente aumenta o número de fanáticos que destilam o seu ódio, caso algum evento que lhes desagradem aconteça, como uma derrota dentro de campo, a má administração do seu clube, um jogador que está em baixa ou que é polêmico, entre outros problemas.
Estudiosos do tema não preveem uma melhora nessa situação. A autora do livro “Futebol e violência”, professora titular da Unicamp e pesquisadora do Grupo de Estudos do Futebol (Gef), Heloisa Reis, faz uma relação entre a motivação das brigas entre os ódios dos torcedores e a sensação de impunidade. Ela ressalta que o acesso facilitado a armas intensifica o número de casos e que, no caso do Brasil, estamos distantes de uma sociedade mais civilizada e também com menos impunidade.