De repente, mães: o choque da gravidez silenciosa
Histórias de mulheres surpreendidas pela gestação, e alguns fatores que ajudam a compreender o quadro
Por Maria Eduarda
A designer de interiores Lana Rafaela Muack, 28, nunca imaginou que, numa simples ida ao banheiro, sairia com um filho nos braços. Ela nem mesmo sabia que estava grávida. “Eu comentei com a minha família que estava com cólica, minha tia me preparou um chá e me deu um remédio. Em determinado momento, fui ao banheiro, e a dor começou a ficar mais forte. Tive a sensação de que meus rins estavam saindo do meu corpo. E então, eu desmaiei.” Era Arthur que estava chegando.
O relato da designer parece inacreditável para outras mães e para a própria Rafaela, que já era mãe de duas crianças antes do nascimento de Artur. “Nas duas primeiras vezes em que estive grávida, senti todos os sintomas: barriga, seio, ânsias de vômitos. Mas na terceira, eu não senti nada e menstruava normalmente.”
Depois de desmaiar no banheiro, acordar coberta por sangue grosso e coagulado, percebeu o bebê no chão próximo ao seu corpo. Rafaela conta que mesmo confusa sobre o que estava acontecendo, reagiu: “Eu tenho curso de primeiros socorros, então eu sabia que precisava fazer massagem nas costinhas para ele regurgitar o líquido amniótico. Depois disso, eu nem levantei, fui me arrastando para o box, liguei o chuveiro e tomei um banho com ele no colo.” Rafaela ligou para a prima pedindo ajuda e pediu que chamassem o SAMU.
No caminho do hospital, até os socorristas estavam achando inconcebível seu relato. “Eu tive que explicar mil vezes a mesma coisa. Tudo isso que eu te contei, eu tive que repetir dez vezes, sendo que nem eu mesma estava conseguindo entender o que havia acabado de acontecer.”
Aconteceu mais ou menos o mesmo com a assessora parlamentar e estudante de Gestão Pública da UFRJ Rayanne Soares, 26. Em novembro de 2023, Rayanne contou sua história ao podcast Rádio Novelo Apresenta. A assessora tinha 17 anos e ainda estava no último ano do ensino médio quando foi totalmente surpreendida pelo nascimento de Miguel. Ela não fazia ideia de que estava gerando uma criança até o momento do trabalho de parto. Diferentemente de Rafaela, Rayanne sentia desconfortos estomacais e enjoos e chegou a ir ao posto de saúde alguns dias antes do nascimento do filho, mas não desconfiaram que poderia ser uma gravidez . “Eu tinha um histórico de gastrite e estomatite. No posto, recebi um encaminhamento para fazer uma endoscopia no dia 23 de março, que seria uma segunda-feira. Mas o Miguel nasceu antes disso, em 20 de março.”
Na entrevista ao podcast, Rayanne contou à entrevistadora Branca Viana que, no dia 19 de março, saiu do trabalho mais cedo porque estava sentindo muita dor e que passou horas em casa se contorcendo. “Mãe, vai no quarto que a Rayanne tá morrendo”, seu irmão disse ao vê-la na madrugada do dia 20. Com uma carona do vizinho que saía para trabalhar, as duas foram para o hospital.
Chegaram por volta das seis da manhã, e a primeira coisa que o maqueiro perguntou foi: “Você está grávida?”. Rayanne obviamente negou. Enquanto a mãe resolvia a documentação, Rayanne foi para uma sala ser examinada. Então, veio o choque: “Você não está grávida não, você está entrando em trabalho de parto.” Às 6h43 nasceu Miguel.
“Todo mundo tomou um susto e ficou bem desesperado, mas como o Miguel ficou um mês internado antes de vir para casa, eu tive um certo tempo para me adaptar e conversar com a família.” Rayanne conta que foi muito bem acolhida pela mãe, mas que não foi todo mundo que reagiu de forma positiva: “Eu tive uma rejeição da minha avó. Quando ela chegou ao hospital para a visita, eu pedi benção e ela não me abençoou, o que foi meio traumático.”
No dia do parto, ela não recebeu explicação para o que aconteceu. Disse até que foii tratada com certa negligência por parte dos médicos: “Mas nasceu? Está vivo? Qual é o sexo?” – só quando ela mesma perguntou que conseguiu saber sobre o bebê. Um tempo depois, a pediatra que acompanhava o bebê explicou a Rayanne que uma possível explicação seria uma incompatibilidade sanguínea que fazia com que o corpo dela entendesse o feto como um elemento estranho, o que fazia com que ela sangrasse. Rayanne pensava que o sangramento era a menstruação vindo normalmente e nunca desconfiou que estava grávida.
Fernanda Ghelman, médica residente de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), afirma que, apesar de serem extremamente raras, situações como as de Rafaela e a de Rayanne acontecem. Em geral, as pacientes têm o útero um pouco aumentado de volume e por isso acabam não percebendo o crescimento do bebê. Sentem movimentações fetais, mas acham que são gases ou, por determinados motivos, têm sangramentos durante a gestação e pensam estar menstruando, como foi o caso de Rayanne.
Além de questões que envolvem a fisiologia do corpo, a médica diz que pode haver também questões psicológicas envolvendo a gravidez silenciosa: “Às vezes, há um contexto familiar em que a gravidez não é bem-vinda, fazendo com ela não seja notada”, afirma.
Apesar das explicações médicas, Lana Rafaela e Rayanne dizem que muitas vezes são questionadas sobre a gravidez silenciosa. “Isso é muito pouco falado, mas muito criticado. Nós, mulheres, já somos muito atacadas por 1001 coisas e também por uma gravidez que não conhecíamos. Dizem que fui mentirosa, falsa, que eu que inventei”, desabafa Rafaela.