Marcelo Resende é jornalista formado pela FCS/UERJ. Apaixonado por futebol, o tema foi um passo natural para o seu trabalho de conclusão de curso. A monografia, defendida em 2021, rendeu frutos. Consolidou sua jornada pelos corredores acadêmicos, onde tornou-se mestre e atualmente é doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCom) da FCS, e levou seu nome às páginas abertas pela Editora Corner. Acaba de ser lançado “7 a 1 nos jornais do Brasil”, que traz o relato científico construído na monografia sobre aquela que é considerada por diversas vozes da imprensa esportiva como “a maior vergonha da seleção brasileira”, ocorrida há 10 anos. Em entrevista ao site da FCS, ele fala sobre memórias pessoais e coletivas que têm no jornalismo um extenso campo para reflexão e pesquisa sobre o esporte.
Faculdade de Comunicação Social – Por que você decidiu pesquisar narrativas jornalísticas sobre a derrota do Brasil para a Alemanha, na Copa do Mundo de 2014? A escolha de um tema não costuma ser por acaso e espelha inquietações e anseios do próprio pesquisador…
Marcelo Resende – Em primeiro lugar, é importante mencionar que o livro é fruto da minha pesquisa de monografia na Graduação. O trabalho acabou sendo volumoso, com 120 páginas, um ponto fora da curva para esse estágio acadêmico. Eu fiz uma oferta à editora Corner que, de início, não mostrou interesse. Com a aproximação dos 10 anos da derrota na Copa de 2014, o diálogo foi retomado.
O tema, de fato, não foi por acaso. Sou apaixonado por futebol desde muito pequeno, um frequentador nato de estádios. Minhas primeiras memórias são do pentacampeonato, conquistado em 2002, que me deixou a impressão de que o Brasil seria sempre campeão.
FCS – A impressão não se materializou, não é? Como esse elemento da memória influenciou a condução da pesquisa?
MR – Sim, a impressão não se concretizou. A questão da memória foi determinante, porque eu busquei situar a análise da goleada para Alemanha diante de outras derrotas também marcantes na história da seleção. O Maracanazo de 1950, com o vice-campeonato para o Uruguai, e a tragédia do Sarriá, que decretou a eliminação da seleção de 1982, são resgates que fiz para contextualizar e narrar o 7 a 1.
FCS – Sua pesquisa analisa as narrativas dos jornais O Globo e Folha de São Paulo. E como o 7 a 1 está situado nesse rastro histórico? Que elementos você destacaria?
MR – O 7 a 1 é descrito como a maior derrota da seleção. Estamos falando de dois dos principais jornais do país, portanto há um peso social e cultural na produção de imaginário e representações. Eu analisei a cobertura do mês em que o torneio aconteceu. No início, havia uma confiança muito grande na experiência do Felipão [Luiz Felipe Scolari foi o técnico em 2014]. A derrota para os alemães arrasou com as expectativas. As reações passaram pelas ideias de “vergonha”, “vexame” e “humilhação”.
FCS – Para além dessa abordagem da vergonha, há algo que te surpreendeu nas narrativas pesquisadas?
MR – O olhar histórico é um aspecto central da pesquisa. Os próprios jornais se encarregaram de fazer as comparações. Um dado muito interessante foi o fato de alguns periódicos terem “perdoado” e “parabenizado” os jogadores de 1950 – o goleiro Barbosa, em especial, que durante décadas foi considerado o principal culpado pela derrota para os uruguaios. A relação com a seleção de 1950 é marcante nas narrativas imediatas ao 7 a 1. Por mais que comparações sejam comuns no futebol, a dramaticidade empregada foi acentuada. A narrativa de que os atletas do maracanazo estariam libertos do trauma 1950 me impactou muito.
FCS – Você consegue avaliar os legados do 7 a 1 para o imaginário futebolístico do país? Que mudanças é possível ver na forma como a imprensa encara a seleção?
MR – O primeiro e imediato impacto foi o Felipão sendo tratado como vilão, mesmo tendo sido campeão em 2002 [e continua na condição de último treinador campeão mundial com a seleção, que caminha para um jejum de 24 anos sem a taça]. Outro legado, e que ganhou novos sentidos, veio com o Tite, que assumiu em 2016 e construiu uma equipe competitiva, pelo menos na América do Sul. A imprensa deu bastante notoriedade ao Tite, projetando nele um profissional capaz de levar a seleção ao hexacampeonato. A imprensa confiou muito nele, tanto que ele foi mantido no comando mesmo após a eliminação na Copa de 2018.
Para além desse aspecto individual em algumas figuras de liderança, já temos pesquisas, como as do professor Ronaldo Helal (FCS/UERJ), que apontam que o Brasil deixou de ser a “pátria de chuteiras”. Isso é curioso porque, após o 7 a 1, a própria Folha de São Paulo publicou editorial com o título “Pátria sem chuteiras”. Uma ideia que também começa a ser percebida pela imprensa, além da academia. Cabe à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) agir para resgatar o prestígio e devolver a seleção ao pódio das principais competições internacionais. A seleção precisa ser aproximada da população.