“Rompendo Barreiras” corre risco de acabar, segundo coordenadora
Programa que busca igualdade e inclusão para estudantes com deficiência da Uerj enfrenta o desafio de preservar sua memória e legado
Por Samira Santos
Um dos mais importantes programas de inclusão de pessoas com deficiência da Uerj está enfrentando uma dura realidade: o Rompendo Barreiras, criado há 36 anos, está sob ameaça de desmonte, segundo Valeria de Oliveira, coordenadora do programa.
“A PR4 quer acabar com o projeto. Porque ela não vê a gente como um departamento de ajuda. O Rompendo Barreiras não tem 36 dias. Eu digo, tem 36 anos. Querem apagar essa história”, relata Flávio Gomes, estudante de Direito e colaborador do programa.
Uma Jornada de Superação
Flávio Gomes da Silva, 54 anos, é uma das figuras marcantes do Rompendo Barreiras. Ele perdeu a visão aos 33 anos, mas isso não o impediu de continuar perseguindo seus sonhos. Estudante de Direito na Uerj, ele é um exemplo vivo de como o Rompendo Barreiras faz a diferença na vida de pessoas com deficiência, Flávio fez o pré-vestibular com o apoio do PRB-UERJ “Perdi a visão, mas não me abalei. A vida não terminou por aí”, compartilha Flávio.
Frequentador do programa há mais de 16 anos, ele conta que o Rompendo Barreiras foi essencial para seu ingresso e permanência na Universidade. O programa oferece apoio acadêmico e tecnológico a estudantes com deficiência visual, como a leitura de textos, a aplicação de provas e a navegação por sites inacessíveis. “O programa auxilia não só deficientes visuais, mas também surdos, pessoas com deficiência motora, mental e intelectual”, explica.
Flávio conta que o Programa foi fundado pela professora de Faculdade de Educação Maria da Glória Schaper dos Santos, conhecida como Glorinha. Cadeirante, Glorinha viu a necessidade de melhorar a acessibilidade na Universidade e, com isso, criou o programa, em 1988, com um grupo de colaboradoresa maioria pessoas com deficiência.
Ele também lembra com carinho o tempo em que o programa funcionava em uma pequena sala de 3×3 metros, no 12º andar da Uerj. Mesmo com espaço reduzido, chegavam a atender até 60 pessoas por dia. “Era um espaço pequeno, mas cheio de vida. Não só alunos da Uerj, mas também a comunidade externa nos procurava para resolver problemas, como imprimir contas ou acessar serviços online”,diz.
A luta de Flávio para manter o Rompendo Barreiras vivo não é só pessoal, mas coletiva. Ele acredita que o programa é essencial para que pessoas com deficiência possam estudar, se formar e se profissionalizar. “Eu sou um voluntário aqui. Mesmo durante as férias, eu venho para garantir que o espaço continue aberto. Não podemos deixar que feche”, afirma.
Desafios e Retrocessos
Segundo a professora Valeria de Oliveira, coordenadora do Rompendo Barreiras há mais de 20 anos, o principal objetivo do programa é garantir a acessibilidade e a inclusão de estudantes com deficiência e neurodivergencias, promovendo sua permanência e conclusão dos cursos.
Desde a sua criação, o PRB-UERJ oferece uma ampla gama de serviços, desde a leitura de textos para pessoas com deficiências visuais até o uso de tecnologias assistivas para pessoas em diferentes condições. “Auxiliamos na organização das disciplinas para estudantes neurodivergentes, transcrevemos áudios para alunos surdos e formatamos trabalhos acadêmicos para quem tem dificuldade em operar programas de edição”, explica Valeria. Além disso, o Programa representa a UERJ no Conselho Estadual de Políticas Públicas para a Pessoa com Deficiência (CEPDE-RJ) e no Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência do Rio de Janeiro (COMDef-Rio), onde, inclusive, na época das Conferências, propõe avanços nas legislações de acessibilidade.
Contudo, Valeria está preocupada com as recentes mudanças impostas pela administração da Uerj. Segundo ela, “a PR4 (Pró-Reitoria de Políticas e Assistência Estudantil) começou a desmantelar o PRB-UERJ em 2024, ao extinguir a Coordenadoria (AEDA 048/Reitoria/2024) e tentar fazer com que o Programa seja, apenas, um projeto”. “Estão tentando deixar o PRB-UERJ sem a estrutura conquistada depois de muitas reivindicações. Desde o início de 2024, quando perdemos cinco bolsistas, estamos sentindo o abalo das nossas estruturas. Em junho, perdemos três servidores (uma Pedagoga, uma Psicóloga e uma Técnica Administrativa) e um contrato administrativo. Até perdas patrimoniais fazem parte desse processo. No momento, não sabemos se ou até quando permitirão que permaneçamos na sala construída para o Programa. É um retrocesso enorme para a inclusão na UERJ”, lamenta.
Para Valeria, a decisão de extinguir a coordenadoria do Rompendo Barreiras e substituí-la pela coordenadoria de atenção psicossocial (AEDA 048/Reitoria/2024) é uma questão de escolha da gestão, sua luta e reivindicar pela permanência do PRB-UERJ que espera ser transferido para o Centro de Educação e Humanidades (CEH). “A PR4 está virando as costas para um programa que vem acolhendo e orientando milhares de estudantes ao longo de quase quatro décadas. Eles estão priorizando um modelo elitista, onde pessoas com deficiência e cotistas são marginalizados”, afirma a coordenadora.
Ela também destaca o papel crucial que o PRB-UERJ desempenhou em tornar a Uerj mais acessível. “Existem documentos que registram a participação do Rompendo Barreiras nas construções das rampas externas da UERJ e a rampa localizada na saída da Rua São Francisco Xavier que leva o nome da Professora Glorinha, os banheiros adaptados há anos, também foi uma das articulações do PRB-UERJ com a prefeitura, tudo isso foi conquistado com a nossa participação ativa”, lembra Valeria.
Futuro do Rompendo Barreiras
Para Flávio e Valeria, o Rompendo Barreiras não é apenas um programa de assistência, mas um espaço institucional de garantia de direitos segundo a Lei Brasileira de Inclusão. “Eu conheci o projeto em 2007, através de um amigo. Desde então, o Rompendo Barreiras se tornou o meu lugar”, conta Flávio.
Apesar das dificuldades, tanto Flávio quanto Valeria estão empenhados em fazer com que o Programa Rompendo Barreiras continue garantindo a acessibilidade e a inclusão de estudantes com deficiência e neurodivergentes na Uerj. “Nós, que temos deficiência aparente, lutamos pelos nossos direitos. Mas, como eu sempre digo, todos têm uma deficiência. Alguns apenas não a enxergam. E é por isso que precisamos lutar juntos”, conclui Flávio.
Procurada, a PR4 não quis se pronunciar sobre o assunto até a publicação da matéria. Segundo a Professora Valeria, ela foi informada pela assessora da PR4 que foram procurados, mas que indicaram seu nome para essa matéria.