Exposição “Amamentamos Esse País” chega à Uerj
Um grito da maternidade preta em forma de arte.
Por: Gabriela Martin
Fotografia da exposição “Amamentamos esse país”. Foto: Gabriela Martin
O Laboratório de Fotografia da Faculdade de Comunicação Social da Uerj inaugurou, na quinta-feira (24), a exposição “Amamentamos Esse País”, da artista visual Marina S. Alves. A instalação de fotografias e vídeo funcionará até dezembro, de segunda a sexta, das 9h às 19h, na sala 10.018, no 10° andar da Uerj.
Com a curadoria de Leandro Pimentel, o trabalho é o resultado do encontro de quatro mulheres que perderam seus filhos vítimas da violência do Estado. A artista visual reuniu Bruna, Mônica, Nadia e Nívia, que compartilharam memórias e documentos pessoais dos seus filhos.
Contrapondo-se ao discurso hegemônico, Marina busca, por meio de suas obras, humanizar os relatos dessas mães a partir da afetividade e das memórias em vida dos jovens. “Ele amava essa bermuda de bolinha que eu comprei lá em Madureira. Quando abriu atrás, ele mesmo costurou”, rememora Nadia, em vídeo produzido pela artista.
Roda de Conversa. Nivia, Marina, Mônica e Nadia. Foto: Gabriela Martin
Roda de Conversa. Foto: Lívia Maria Oliveira
Por meio das fotografias e vídeo, essas mulheres buscam denunciar o racismo entranhado na sociedade, evidenciando a impunidade e a justiça seletiva do país. “Amamentamos Esse País” é fruto da união e da corrente de apoio entre essas mães. “Você perde um filho e aí a quem você recorre? Quando você é uma mulher preta, periférica, o que você faz? Você se junta. Você se aquilomba. Esse projeto é um aquilombamento de mulheres pretas, com uma rede de apoio poderosa”, reflete a artista durante roda de conversa que inaugurou o evento.
A ressignificação de justiça em forma de afeto e arte é um conforto a essas mulheres, que sofrem todos os dias com o abandono e a violência causada pelo Estado. Sobre isso, Nívia cria um conceito chamado de “justiça afetiva”, e explica: “Por isso eu criei esse conceito de ‘justiça afetiva’, nós acreditamos muito mais nessa justiça, a que nós produzimos, do que nessa justiça criada de branco para branco”.
Sobre o processo artístico
Marina S. Alves, que, além de artista visual, é cientista social e angoleira, contou ainda na roda de conversa que inaugurou o evento um pouco do processo criativo e das técnicas utilizadas. A escolha de fotografar documentos como carteira de trabalho, boletim escolar e identidade tem um valor simbólico que materializa a existência daqueles jovens, além do viés de resistência, já que houve a tentativa do Estado de apagá-los ou destruí-los.
Fotografia da exposição “Amamentamos Esse País”. Foto: Gabriela Martin
Uma de suas obras é a fotografia da carteira de trabalho nunca assinada de uma das vítimas. Marina fala o quanto essa foto é significativa no contexto social brasileiro. “Pra mim, ela é um resumo do que é o Brasil estruturalmente. Os meninos nunca tiveram carteira assinada. E isso significa muita coisa. E não é porque eles não tentaram”.
Quanto à estética, a artista diz que o projeto foi separado em duas partes, a primeira feita em uma luz fria e direta, no porão de sua casa. Já a segunda foi fotografada ao ar livre, na natureza. Marina explica que utilizou um vidro que foi colocado na grama e, em cima dele, ela posicionou os documentos, fazendo uma conversa do céu, a partir do reflexo do vidro, com a terra.