Sem clima para notícias falsas

Sem clima para notícias falsas

Propagação de desinformação sobre o clima no Brasil foi tema no último dia do CRIA G20; especialistas discutiram o negacionismo climático, os riscos de  disseminar notícias falsas sobre eventos extremos e por que isso atrapalha o socorro às vítimas 

Por Everton Victor e Julia Lima

Apresentação do Instituto Democracia em Xeque durante oficina do CRIA G20. Foto: Maria Eduarda Galdino

Você já ouviu dizer que a Madonna trouxe chuva para o Rio de Janeiro? Ou que as antenas HAARP são responsáveis pelas enchentes no Rio Grande do Sul no início deste ano? As duas são notícias falsas sobre o clima, e, assim como elas, muitos outros tipos de desinformação a respeito do assunto circulam diariamente nas redes sociais. Para discutir a gravidade dessa divulgação, o CRIA G20 realizou neste sábado (16) a oficina “Mapeando a desinformação sobre clima no Brasil”, com participação de pesquisadores da UniRio, da UFRJ e Conscious Advertising Network (CAN), organização britânica que estuda o tema.

Para Giulia Tucci, doutora em ciência da informação pela UFRJ, quem propaga desinformação sobre o clima costuma ter dois principais objetivos: negar os efeitos das mudanças climáticas e descredibilizar instituições e atores ambientais que alertam para os riscos do negacionismo. 

Segundo o Instituto Democracia em Xeque, presente no evento, o maior alvo de desinformação climática é a Amazônia, especialmente no que diz respeito ao trabalho das ONGs que atuam na região. A CPI das ONGs, instalada no Senado Federal em junho de 2023, foi apontada como um dos instrumentos utilizados para a propagação de notícias falsas sobre a região. E elas não vêm somente em formato de matérias jornalísticas; podem ser teorias da conspiração, manipulação de dados de pesquisas científicas, vídeos e áudios.

A propagação de desinformação durante as enchentes do Rio Grande do Sul também foi pauta do encontro. De acordo com o Democracia em Xeque, esse fenômeno interferiu e dificultou as ações de busca, salvamento, doação e direcionamento da população a abrigos; o episódio se repetiu na cidade de Valência, na Espanha, que está sendo atingida por fortes chuvas.

“Mad men fuelling the madness” (Homens loucos alimentando a loucura): frase de António Guterres, secretário-geral da ONU, se tornou um apelo contra a desinformação – Foto: Letícia Santana

Para Jake Dubbins, especialista britânico no tema do clima, o processo de desinformação ocorre de forma coordenada – e não é, como se costuma pensar, algo aleatório restrito a uma ou outra pessoa. Assim, aquele “Tio do Zap” pode até ser uma pessoa real e que você conhece – mas ele consome e compartilha informação falsa porque a “notícia” é manipulada para prender sua atenção.

Essas informações falsas ou distorcidas, além de gerar desinformação, são monetizadas e estão presentes em discursos políticos. A dinâmica das redes, com a busca de cliques e o uso de “cortes rápidos” para exibir apenas trechos dos discursos, muitas vezes descontextualiza o que é fato. Tribunais Eleitorais, veículos de comunicação e plataformas do mundo todo discutem hoje como regulamentar as redes e impedir que discursos como estes impactem a democracia.

Dubbins alertou especialmente para o risco da desinformação em regiões que não têm veículos de checagem nem de jornalismo local. E afirmou que os desertos de notícias são um elemento relevante no processo de desinformação, pois a população não tem como conferir os conteúdos que circulam nas redes. Esta realidade não está distante do Brasil: segundo levantamento do Atlas da Notícia, 26,7 milhões de pessoas vivem em desertos de notícias no país. Os dados, referentes ao ano de 2023, indicam que há 2.712 cidades brasileiras nessa situação. A desinformação não está restrita a estes territórios, quase 90% dos brasileiros admitem ter acreditado em informações falsas, de acordo com o levantamento do Instituto Locomotiva para a Agência Brasil.

“Jesus de camarão”, imagem gerada por inteligência artificial que se tornou exemplo de informação manipulada e difundida nas redes – Foto: Letícia Santana

A oficina realizada no último dia da Cúpula G20 Social faz parte dos debates do Fórum sobre como regulamentar as redes e como enfrentar a desinformação. O tema esteve presente em diferentes reuniões de diferentes dos Grupos de Trabalho do G20. A expectativa é que a desinformação e seus danos à democracia marquem também os debates das principais economias do mundo durante a Cúpula do G20 nos dias 18 e 19 de novembro, no Rio.

Sem clima para notícias falsas

You May Also Like