Taxação de super-ricos, fim das guerras e metas ambientais urgentes: conheça a Declaração dos Líderes do G20

Taxação de super-ricos, fim das guerras e metas ambientais urgentes: conheça a Declaração dos Líderes do G20

Texto final foi aprovado pelos líderes das maiores economias do mundo ainda durante o primeiro dia da Cúpula; documento reforça acordos já previstos e se compromete com prazos para implementar medidas

Por Everton Victor e Julia Lima

Rio de Janeiro(RJ), 18/11/2024 – Fotografia oficial Aliança global contra a fome e a pobreza G20 Brasil. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Com o compromisso de taxar os super-ricos, unir esforços pelo fim das guerras, combater as desigualdades e enfrentar as mudanças climáticas, a Declaração dos Líderes do G20 expressa preocupações com um mundo em transformação. O texto final foi divulgado na segunda-feira (18). 

Todas as decisões do texto foram definidas em consenso entre os países, já que essa é uma determinação da Cúpula.  A promoção da igualdade de gênero, alvo de críticas do presidente argentino, Javier Milei, também foi aprovada.

Os dois últimos encontros, na Indonésia e na Índia, não tiveram um documento oficial por não haver concordância entre os países. 

A seguir, alguns tópicos da declaração do G20:

  • Fim de conflitos armados

Os membros do grupo afirmaram que todos devem evitar ameaças e uso de forças para tomar território e soberania de outro Estado. O documento cita nominalmente a guerra na Ucrânia e seus efeitos negativos para todas as nações envolvidas. Também ressalta que todos os esforços para evitar o sofrimento humano são bem-vindos.

As nações integrantes do G20 também declararam a confiança na convivência pacífica entre o Estado da Palestina e o Estado de Israel, unanimemente, e se comprometeram novamente em avançar no esforço pelo fim das armas nucleares.

  • Taxação de super-ricos

Alvo de impasse com Javier Milei, a taxação dos super-ricos foi aceita pelos membros. Os países cooperarão compartilhando experiências positivas em seus países, promovendo debates sobre o tema e criando políticas contra a evasão de divisas. 

Os líderes mundiais concordaram em continuar debatendo a criação de uma Convenção-Quadro na ONU para cooperação tributária entre os países. Além disso, a tributação progressiva – quem tem mais dinheiro paga mais tributos -, recomendada pela Declaração Ministerial do G20 do Rio de Janeiro, foi endossada pelos líderes.

  • Mudanças climáticas

Para o enfrentamento às mudanças climáticas, as nações propuseram ações  urgentes e reforçaram acordos já existentes. A respeito do Acordo de Paris, o documento reforça o compromisso de limitar o aumento da temperatura média global para menos de 2°C. E, apesar de não garantirem, as nações sinalizam um esforço para uma outra meta, ainda mais ousada, de limitar o aumento a 1,5°C – o que, segundo o documento, teria efeitos “significativamente melhores”. 

O Consenso também abrangeu as emissões líquidas dos gases do efeito estufa. A expectativa do grupo é que até 2050 esse poluente não seja mais usado pelos países integrantes do G20. Também foi apresentada uma meta para o fim da poluição plástica até o final deste ano.

Para o financiamento, o grupo se comprometeu em promover e incentivar investimentos públicos e privados para Soluções Baseadas em Natureza. O presidente Lula conclamou os países a fazerem mais ações concretas. “Todos podem fazer mais”, afirmou o presidente.

O documento também endossou propostas das COPs (sigla de quê) 29 e 30. O presidente Lula afirmou que esta será a última chance para ações efetivas capazes de diminuir os efeitos das mudanças climáticas. “Conto com todos para fazer a COP de Belém ser a COP da Virada”, declarou o presidente.

  • Combate à fome e à pobreza e inclusão social

O principal projeto nesta área é a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada na segunda (18). Vão participar 82 países, 2 blocos continentais, 24 organizações internacionais, 9 instituições financeiras e 31 organizações filantrópicas e não governamentais, que se comprometeram a fazer ações locais e contribuir para ações em outros lugares do mundo com financiamento ou experiências. Destacou-se que os países que estão em situação mais grave devem ser os que receberão maior ajuda, garantindo que “ninguém seja deixado para trás”.

As desigualdades foram reconhecidas pelos países-membros do G20 como um problema “intergeracional”,  que vai muito além de uma pessoa, mas afeta todo o seu conjunto familiar e suas próximas gerações. 

  • Saúde universal

A declaração firma um compromisso pelo avanço da abordagem “One Health”, que compreende as conexões entre as saúdes do meio ambiente e da humanidade e reconhece o potencial medicinal de práticas dos povos tradicionais. A erradicação de epidemias também está presente como prioridade dos países.

Ainda sobre Saúde, o grupo reiterou a legitimidade e a relevância da Organização Mundial da Saúde de coordenar uma “arquitetura global de Saúde” para a promoção de uma cobertura universal. O texto também reconhece a necessidade de se discutir a resistência antimicrobiana, que tem potencial de evoluir para novas pandemias.

  • Igualdade de gênero

Este ponto foi alvo de desacordo com o presidente argentino, Javier Milei, mas foi aprovado por unanimidade entre os líderes.

Além de destacar a criação do Grupo de Trabalho de Empoderamento Feminino, os líderes se comprometeram a indicar e apoiar mais mulheres em posições de poder, inclusive no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral da ONU.

  • Reforma da governança global

Os líderes destacaram que o modelo atual de governança não representa o mundo do século XXI, e que é necessária uma reforma para torná-la mais significativa, representativa, transparente e efetiva.

Foi proposta a reforma do Conselho de Segurança e do secretariado da ONU, a fim de incluir mais mulheres e países da Ásia, África, América Latina e Caribe. Também foi sugerida a criação da 25º cadeira no Fundo Monetário Internacional para que haja representação da África Sub-Saariana

  • Tecnologia

A necessidade de transparência e responsabilização das grandes plataformas também foi tema da Declaração. Segundo os líderes, haverá um trabalho conjunto com essas empresas para que sejam elaboradas políticas e estruturas legais capazes de suprir esse vácuo de legislação. 

A Inteligência Artificial foi reconhecida como um instrumento que pode ajudar a população, mas que tem o potencial de ser um risco para os empregos. A proposta dos países é uma regulamentação que possibilite que os usuários usufruam de todo o potencial da IA, mas que sejam protegidos dos riscos que ela pode oferecer.

Declaração do G20 Social  cobra taxação dos super-ricos e proteção dos mais pobres

Declaração do G20 Social cobra taxação dos super-ricos e proteção dos mais pobres

Documento resultou do trabalho de 13 grupos de engajamento e da colaboração de movimentos sociais, sindicatos e organizações da sociedade civil; entre os temas principais estão combate à fome e à pobreza, sustentabilidade e transição energética justa

Por Leticia Santana e Maria Eduarda Galdino

Márcio Macedo durante entrevista coletiva. Foto: Leticia Santana

A declaração final do G20 Social,  entregue neste sábado ao presidente Lula, defendeu a taxação dos super-ricos e cobrou dos governos compromisso com o enfrentamento às mudanças climáticas – além de ações concretas para proteger as populações mais vulneráveis dos eventos extremos. O documento reúne as propostas de entidades da sociedade civil e será levado à cúpula de líderes mundiais, que acontece nos dias 18 e 19 de novembro.

“Nada disso seria possível sem a contribuição de todos vocês que estão aqui hoje. A presidência brasileira não teria avançado nas prioridades que escolheu se não fosse a participação decisiva das organizações e dos movimentos do G20 social”, afirmou Lula ao receber o documento. 

As propostas resultam das discussões realizadas nos grupos de trabalho durante todo o ano. Os temas incluíram combate à fome, pobreza e desigualdade, sustentabilidade, mudanças climáticas, transição justa e a reforma da governança global.  O G20 Social aconteceu nos dias 14, 15 e 16 de novembro, na praça Mauá, centro do Rio de Janeiro. Hoje, no encerramento do evento, o ministro Márcio Macedo, que coordenou o G20 Social, fez a entrega do documento ao presidente Lula.

A declaração foi escrita por movimentos sociais, sindicais e organizações da sociedade civil, com o intuito de promover a participação da população de forma efetiva. A ideia é que os grupos realmente afetados pelas decisões dos líderes possam ter parte no consenso. Uma das pautas mais debatidas foi a construção de uma agenda coletiva e a adesão de todos os países à iniciativa construída pela presidência brasileira: a Aliança Global contra Fome e a Pobreza.

Ana Tojal, participante do G20 social e membro da Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social, acompanhou os debates nos grupos e a produção do  documento. Moradora de Maceió, lembrou o que tem acontecido na capital alagoana e cobrou providências. “Cinco bairros foram afundados, por causa do caso da Braskem, hoje conhecido como a maior tragédia urbana ambiental do país. As pessoas que lá viviam tiveram que fazer deslocamentos, e não é só uma perda material, mas também é uma perda emocional, das suas relações comunitárias e dos seus afetos.” 

Ana Tojal, assistente social, integrante do Fenasps. (foto: Maria Eduarda Galdino)

Outro destaque foi a reforma das governanças globais, para que as políticas públicas possam se conectar melhor com a realidade contemporânea e permitir a inclusão do Sul Global nas tomadas de decisão. 

No G20 Social, os movimentos realizaram as chamadas atividades autogestionadas, com o intuito de fomentar debates e propostas para serem apresentados ao governo federal. Regina Jeronimo, comunicadora do MTD (Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores Por Direitos), esteve na atividade com o seu movimento para poder pensar alternativas para combater as crises climáticas com uma liderança de mulheres. 

Regina Jeronimo, comunicadora do MTD. (foto: Letícia Santana)

Participante do MTD do Rio Grande do Sul, Regina apresentou a proposta dos ‘pontos populares de trabalho’, coletivos que trabalham em prol da construção e limpeza de casas, com o funcionamento de cozinhas solidárias para as famílias que foram afetadas pelas enchentes. Esse projeto do MTD foi aprovado por lei no Rio Grande do Sul. “O nosso objetivo aqui é abrir os olhos do governo para essa alternativa tão importante, uma alternativa popular. E também buscar um respaldo para essas nossas atividades, fazer a defesa desse nosso trabalho como importante”, disse ela.

Sem clima para notícias falsas

Sem clima para notícias falsas

Propagação de desinformação sobre o clima no Brasil foi tema no último dia do CRIA G20; especialistas discutiram o negacionismo climático, os riscos de  disseminar notícias falsas sobre eventos extremos e por que isso atrapalha o socorro às vítimas 

Por Everton Victor e Julia Lima

Apresentação do Instituto Democracia em Xeque durante oficina do CRIA G20. Foto: Maria Eduarda Galdino

Você já ouviu dizer que a Madonna trouxe chuva para o Rio de Janeiro? Ou que as antenas HAARP são responsáveis pelas enchentes no Rio Grande do Sul no início deste ano? As duas são notícias falsas sobre o clima, e, assim como elas, muitos outros tipos de desinformação a respeito do assunto circulam diariamente nas redes sociais. Para discutir a gravidade dessa divulgação, o CRIA G20 realizou neste sábado (16) a oficina “Mapeando a desinformação sobre clima no Brasil”, com participação de pesquisadores da UniRio, da UFRJ e Conscious Advertising Network (CAN), organização britânica que estuda o tema.

Para Giulia Tucci, doutora em ciência da informação pela UFRJ, quem propaga desinformação sobre o clima costuma ter dois principais objetivos: negar os efeitos das mudanças climáticas e descredibilizar instituições e atores ambientais que alertam para os riscos do negacionismo. 

Segundo o Instituto Democracia em Xeque, presente no evento, o maior alvo de desinformação climática é a Amazônia, especialmente no que diz respeito ao trabalho das ONGs que atuam na região. A CPI das ONGs, instalada no Senado Federal em junho de 2023, foi apontada como um dos instrumentos utilizados para a propagação de notícias falsas sobre a região. E elas não vêm somente em formato de matérias jornalísticas; podem ser teorias da conspiração, manipulação de dados de pesquisas científicas, vídeos e áudios.

A propagação de desinformação durante as enchentes do Rio Grande do Sul também foi pauta do encontro. De acordo com o Democracia em Xeque, esse fenômeno interferiu e dificultou as ações de busca, salvamento, doação e direcionamento da população a abrigos; o episódio se repetiu na cidade de Valência, na Espanha, que está sendo atingida por fortes chuvas.

“Mad men fuelling the madness” (Homens loucos alimentando a loucura): frase de António Guterres, secretário-geral da ONU, se tornou um apelo contra a desinformação – Foto: Letícia Santana

Para Jake Dubbins, especialista britânico no tema do clima, o processo de desinformação ocorre de forma coordenada – e não é, como se costuma pensar, algo aleatório restrito a uma ou outra pessoa. Assim, aquele “Tio do Zap” pode até ser uma pessoa real e que você conhece – mas ele consome e compartilha informação falsa porque a “notícia” é manipulada para prender sua atenção.

Essas informações falsas ou distorcidas, além de gerar desinformação, são monetizadas e estão presentes em discursos políticos. A dinâmica das redes, com a busca de cliques e o uso de “cortes rápidos” para exibir apenas trechos dos discursos, muitas vezes descontextualiza o que é fato. Tribunais Eleitorais, veículos de comunicação e plataformas do mundo todo discutem hoje como regulamentar as redes e impedir que discursos como estes impactem a democracia.

Dubbins alertou especialmente para o risco da desinformação em regiões que não têm veículos de checagem nem de jornalismo local. E afirmou que os desertos de notícias são um elemento relevante no processo de desinformação, pois a população não tem como conferir os conteúdos que circulam nas redes. Esta realidade não está distante do Brasil: segundo levantamento do Atlas da Notícia, 26,7 milhões de pessoas vivem em desertos de notícias no país. Os dados, referentes ao ano de 2023, indicam que há 2.712 cidades brasileiras nessa situação. A desinformação não está restrita a estes territórios, quase 90% dos brasileiros admitem ter acreditado em informações falsas, de acordo com o levantamento do Instituto Locomotiva para a Agência Brasil.

“Jesus de camarão”, imagem gerada por inteligência artificial que se tornou exemplo de informação manipulada e difundida nas redes – Foto: Letícia Santana

A oficina realizada no último dia da Cúpula G20 Social faz parte dos debates do Fórum sobre como regulamentar as redes e como enfrentar a desinformação. O tema esteve presente em diferentes reuniões de diferentes dos Grupos de Trabalho do G20. A expectativa é que a desinformação e seus danos à democracia marquem também os debates das principais economias do mundo durante a Cúpula do G20 nos dias 18 e 19 de novembro, no Rio.

O que educação tem a ver com as mudanças climáticas

O que a educação tem a ver com as mudanças climáticas

Relatório do Banco Mundial mostra que cada ano a mais de estudo aumenta em 8,6% a conscientização  sobre questões ambientais

Por Vinicius Rodrigues

Soldados do Exército fazem limpeza na Escola Municipal de Ensino Fundamental Thiago Wurth, em Canoas (RS), que foi atingida pelas enchentes. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Um novo relatório do Banco Mundial detalha como a crise no clima impacta estudantes em todo mundo e coloca a educação como um dos pontos principais para que as pessoas tomem consciência do problema. A pesquisa ressalta que pessoas com maior nível educacional são mais propensas a ver as mudanças climáticas como grande ameaça se comparadas com as que têm menor nível educacional. E põe o Brasil no mapa: segundo o documento, 84% dos brasileiros com ensino médio ou superior estão mais atentos à gravidade das mudanças climáticas, enquanto, entre os que têm nível educacional mais baixo, a taxa é de apenas 62%.

“Cada ano de educação está associado a um aumento de 8,6% na conscientização sobre as mudanças climáticas. Também vemos que a relação entre educação e conscientização é mais forte para países com sistemas educacionais de maior qualidade. Isso sugere que as características do aprendizado escolar contribuem para o aumento da conscientização”, diz a economista Marla Spivack, uma das autoras do relatório, em entrevista à Agenc.

Além dela, o relatório “Choosing Our Future: Education for Climate Action (Escolhendo Nosso Futuro: Educação para Ação Climática)” tem como autores Shwetlena Sabarwal, Sergio Venegas Marin e Diego Ambasz.

Alunos pobres são os mais atingidos pelas mudanças climáticas

O documento mostra que os estudantes das regiões brasileiras mais pobres são os mais atingidos pelas mudanças climáticas: cerca de 1% da aprendizagem é perdida devido ao aumento da exposição ao calor durante o período escolar, pois há escolas com péssimas condições estruturais, que não têm salas ou ambientes climatizados para os alunos assistirem às aulas em épocas de altas temperaturas.

Um aluno que está entre os 50% mais pobres pode perder até 0,5 ano de aprendizagem devido às mudanças climáticas, aponta o relatório.

No primeiro semestre do ano de 2024, o estado do Rio Grande do Sul sofreu com as grandes enchentes que perduraram por mais de um mês na região, deixando mortos e desabrigados. Mais de 500 escolas foram afetadas, deixando mais de 200 mil alunos matriculados sem aulas, segundo relatório feito pelo governo do estado. Pelo menos 80 escolas foram utilizadas como ponto de abrigo para os desabrigados.

Eventos climáticos extremos, como os que atingiram o Rio Grande do Sul, exigem preparação dos governos, afirma Carolina Maciel, bióloga e analista do Instituto Alana, uma ONG voltada para a defesa dos direitos das crianças. 

Segundo Carolina, mesmo que o mundo parasse com as emissões de gases do efeito estufa hoje, ainda sofreria com eventos climáticos extremos resultantes dos anos anteriores. O Instituto tem trabalhado com o estímulo às chamadas boas práticas, que criam rotinas positivas para prevenir eventos extremos e reduzir seu impacto.

“A primeira boa prática é conhecer as particularidades dos nossos territórios. As ações e soluções não podem ser simples incorporações do que acontece em outros países, principalmente do Norte Global. Precisam ser soluções que façam sentido para as comunidades, para a estrutura da cidade e para o próprio meio ambiente daquele local”, afirma.

É importante que o governo e a população se envolvam. “Isso aumenta nosso senso de pertencimento com o bioma onde nossa cidade está inserida e passamos a ter, inconscientemente, escolhas mais responsáveis. A gente não cuida do que não conhece. Então explorar e conhecer é o primeiro passo dessa jornada”.

E a segunda boa prática seria não só utilizar as escolas como espaços para desabrigados em eventos climáticos extremos, mas educar os estudantes para fortalecerem a relação com a natureza. Isso inclui medidas como:

  • adaptar os espaços escolares, contribuindo com a mitigação das mudanças climáticas e com o seu funcionamento durante eventos extremos;
  • adotar estratégias de educação que fomentem o acesso e o fortalecimento do vínculo da comunidade escolar com a natureza;
  • desenvolver conhecimento crítico, habilidades e competências sobre o enfrentamento à emergência climática, valorizando o protagonismo dos estudantes na resolução de problemas em seus territórios.

Para os governos, algumas medidas recomendadas são:

  • aumentar o conforto térmico das cidades, principalmente das escolas, incorporando e ampliando ambientes azuis e verdes;
  • apoiar a naturalização de espaços, principalmente escolas;
  • trabalhar em planos de adaptação para suas cidades;
  • trabalhar em planos relacionados à qualidade do ar; 
  • investir em sistemas de monitoramento climático (inclusive com instituições científicas);
  • priorizar a proteção de áreas naturais e a recuperação de ecossistemas degradados, como matas ciliares e encostas de rios.

Com ajuda da IA, pesquisadores criam plataforma que reúne programas de governo dos candidatos a prefeito de todo o país

Com ajuda da IA, pesquisadores criam plataforma que reúne programas de governo dos candidatos a prefeito de todo o país

Vota Aí! permite que eleitores consultem gratuitamente mais de 60.000 planos de governo desde 2012

Por Everton Victor e Julia Lima

 

Reprodução: Site Vota Aí!

De olho nas eleições municipais no dia 6 de outubro, pesquisadores da Uerj e da Unicamp lançaram a plataforma Vota Aí!, com os planos de governo dos candidatos a prefeito em todo o país. A plataforma, criada com ajuda da IA, também permite comparar os planos dos candidatos. O projeto é uma criação do Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública (Doxa) Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Iesp-Uerj) e do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp (Cesop-Unicamp) 

O Vota Aí, que tem acesso livre e gratuito,  foi criado pela cientista política Nara Salles durante as eleições de 2020. Salles inicialmente era pesquisadora da Uerj, mas agora está no Cesop, o que possibilitou a parceria. A plataforma usa o banco de dados do TSE para obter os programas de governo. Com ajuda de IA, faz a raspagem dos dados e possibilita as comparações entre candidatos e períodos eleitorais. 

Segundo Flávia Bozza, uma das pesquisadoras do Vota Aí! no Rio de Janeiro, o objetivo é que a plataforma seja utilizada fora do ambiente acadêmico, por eleitores comuns, que não teriam tempo de buscar nem ler os programas no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A pesquisadora diz que, embora haja algumas limitações na ferramenta, o grande auxílio da IA foi ler os documentos dos mais de 5000 municípios brasileiros. 

Além de agregar os documentos com as propostas, o site conta com algumas ferramentas para ajudar o eleitor:

  • Temas presentes: com ajuda da Inteligência Artificial, a plataforma mostra os temas presentes em cada plano de governo.
  • Nuvem de palavras: mostra as palavras que mais aparecem no programa. Quanto maior a palavra, maior a recorrência dela.
  • Palavras frequentes: ao invés de medir a frequência pelo tamanho da palavra, é feito um gráfico em barras.
  • Análise de contexto: ao buscar uma palavra, é mostrado o que vem antes e depois dela para que o contexto possa ser compreendido.
  • Rede de palavras: mostra quais são as palavras mais relacionadas com a que foi buscada. Exemplo: Busca-se “educação”. Junto dela aparecem mais “pública”, “privada”, etc.

O Vota Aí! não faz nenhum tipo de análise de dados para servir ao eleitor, nem mesmo sobre a possível presença de fake news nos projetos. 

Reprodução: Site Vota Aí!

Flávia ressaltou o papel da plataforma de aliar tecnologia com o trabalho dos pesquisadores. O Quiz “De quem é essa proposta?” traz diferentes projetos e logo em seguida sugere nomes de candidatos que apresentam aquela declaração em seu programa de governo. As temáticas são variadas e os nomes dos candidatos também.  Ao fim das perguntas, o eleitor sabe de quem realmente é cada proposta. 

Esta ferramenta específica do Quiz por enquanto está disponível para 21 capitais, incluindo a cidade do Rio, e em breve será estendida para as demais. Para a pesquisadora, todos esses mecanismos têm, sobretudo, o foco de levar  a informação ao eleitor por meio da pesquisa científica realizada na universidade. “Uma ferramenta de informação para o eleitorado, para que ele possa fazer ao final uma escolha mais informada”.

Vota Ai! como detentor de dados históricos e meio de fiscalização

Reprodução: Vota Aí!

No site estão disponíveis mais de 60 mil documentos de planos de governo desde o ano de 2012. Segundo Flávia, isso permite que o eleitor possa fazer comparações de longo prazo e até comparar mudanças dentro das propostas de um mesmo candidato nesse intervalo.

Já para além do período eleitoral, Bozza afirma que o banco de dados é um bom meio de pesquisa para a mídia e para pesquisadores da área, já que há uma grande compilação de dados. Diz que o site é um bom meio de o eleitor mais interessado fiscalizar o cumprimento das propostas do mandatário eleito durante os 4 anos seguintes – e cobrar caso elas não estejam sendo cumpridas adequadamente.

Clique para conhecer o Vota Aí

Como mandar sua proposta para os líderes do G20

Como mandar sua proposta para os líderes do G20

Plataforma oferece espaço para comentários, votações e até inscrição de atividades que poderão acontecer na Cúpula do G20 Social

Por Everton Victor e Julia Lima

  • Evento de lançamento do G20 Social Participativo. Foto: Leticia Santana

Sabia que você também pode mandar sugestões para o G20, o encontro de líderes mundiais que vai acontecer no Rio em novembro?

A plataforma G20 Social Participativo permite que qualquer cidadão do mundo participe de Consultas Públicas sobre o evento, envie e avalie propostas, além de inscrever atividades temáticas a serem realizadas durante a Cúpula do G20 Social, que vai de 14 a 16 de novembro. Um documento vai reunir as propostas enviadas pela população e será entregue ao presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.

O lançamento da Plataforma G20 Social teve a participação de movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), a Coalizão Negra por Direitos e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Estiveram presentes os ministros Marina Silva (Meio Ambiente), Márcio Macêdo (Secretaria-Geral da Presidência) e Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome).

Ministro Márcio Macêdo durante o evento. Foto: Maria Eduarda Galdino

Renato Simões, secretário nacional de Participação Popular da Presidência da República, afirmou que a criação do G20 Social foi um pedido do presidente Lula para trazer as discussões que afetam a população e são esquecidas pelos líderes dos países para o centro do debate. Segundo Simões, os principais temas são “o combate à fome, a sustentabilidade ambiental e a reforma da governança global”, alinhadas com os eixos definidos pela presidência brasileira no G20. 

O governo não tem uma expectativa exata, mas espera que “dezenas de milhares” de pessoas participem das discussões na plataforma. Houve uma adaptação no site – que nesta área está disponível em português, inglês e espanhol -, e qualquer cidadão estrangeiro poderá se cadastrar apresentando seu passaporte e uma foto, enquanto os brasileiros devem apresentar CPF. O G20 Social Participativo está dentro do Brasil Participativo, que já reúne discussões da população brasileira sobre políticas públicas no país. 

Para facilitar o público, a área irá reunir os Communiqués dos 13 grupos de engajamento que compõem o G20. A ideia é com isso facilitar o acesso da população a informações sobre o que foi discutido nos comunicados finais dos grupos temáticos das 20 maiores do mundo. 

Para Maria Fernanda Marcelino, representante da Marcha Mundial das Mulheres, o aumento da sociedade civil representa na prática uma participação efetiva de reivindicações que existem há séculos. “A gente fala há muito tempo, é necessário vontade política para acabar com a miséria, sub-representação, desigualdade”. O desafio para ela é essa participação ser a regra e não apenas uma exceção. “Indica um desejo e talvez uma demanda reprimida de ampliar o debate sobre as desigualdades no Brasil, na América Latina e no mundo”, explica.

Como acessar a plataforma G20 Social Participativo

  • Acesse o site https://brasilparticipativo.presidencia.gov.br/processes/G20/ e clique em “entrar” no canto superior direito da página.Página inicial do G20 Social Participativo. Foto: Gov.br
  • Brasileiros deverão entrar com a conta do gov.br, enquanto estrangeiros devem entrar com o login feito a partir do número do passaporte.
    Página de login. Foto: Gov.br

Com o login realizado, o participante poderá votar em enquetes, enviar propostas dentro dos eixos temáticos do grupo e propor atividades geridas pela própria sociedade para a cúpula final.

 

Uma das perguntas da enquete disponível no site do G20 Social Participativo. Foto: Gov.
Página de envio de propostas. Foto: Gov.br.
Página de envio de atividades geridas pela sociedade civil. Foto: Gov.br

As participações públicas serão recolhidas até 9 de setembro para organizar tanto a síntese da contribuição popular, além da análise de quais atividades autogestionadas inscritas na plataforma irão acontecer. O G20 Social ocorrerá na região da Praça Mauá, no Rio de Janeiro, entre os dias 14 e 16 do mês. 

O primeiro dia será dedicado às atividades sugeridas pela população, para que vozes de todo o mundo sejam ouvidas. O dia 15 contará com plenárias variadas. No último dia da Cúpula será apresentado o documento final, com as principais ideias vindas da sociedade, e que será entregue para os líderes das 20 maiores economias do mundo durante a Cúpula Final do G20, nos dias 18 e 19 de novembro.

Em encontro do Y20, jovens cobram educação universal e redução das desigualdades

Em encontro do Y20, jovens cobram educação universal e redução das desigualdades

Juventudes de todo o globo se reuniram no Rio de Janeiro para definir propostas a serem levadas aos líderes mundiais no G20 em novembro

Por Everton Victor e Julia Lima

Cerimônia de encerramento da Cúpula do Y20 2024 no Galpão da Cidadania, Centro do Rio. Foto: Julia Lima

Jovens de todo o mundo se reuniram entre os dias 10 a 17 de agosto na Cúpula do Youth20 (Y20), no Rio de Janeiro, para discutir temas como reforma do sistema financeiro global, desigualdades, enfrentamento à pobreza e à fome, além das mudanças climáticas. A cidade do Rio abrigou o evento das Juventudes do G20, do qual participaram delegações das 19 maiores economias do mundo, da União Africana e da União Europeia, além de países convidados. Jovens de escolas públicas e projetos sociais puderam acompanhar algumas das reuniões durante a semana do Y20.

Com o Brasil na presidência do G20, o ponto central para a delegação brasileira foi apresentar necessidades e diferentes contextos das juventudes ao redor do mundo. Philippe Silva, chefe da delegação brasileira no Y20, detalhou para a Agenc algumas dessas propostas. Entre elas, a garantia de uma educação de qualidade universal, garantia de direitos para jovens que têm seus direitos violados, remodelagem da taxação de riquezas, pautas ambientais e um reconhecimento do território da favela como uma experiência de coletividade que pode ser levada para outros países. “As soluções para resolver os conflitos no mundo já existem, estão dentro das comunidades, das aldeias indígenas e dos quilombos. A sociedade civil é onde as políticas acontecem”.

O grupo de juventudes já existia no G7, que reúne as sete maiores economias do mundo, e a partir de 2010 tornou-se um dos grupos de engajamento do G20 Social com sociedade civil. Esses grupos se reúnem, discutem diferentes temas no contexto mundial e geram um Communiqué, um documento com as recomendações decididas em consenso e que será apresentado na reunião de líderes do G20.

Inclusão de jovens periféricos no debate

As desigualdades entre os jovens foram um tema recorrente no encontro do Rio. Embora a participação da juventude esteja crescendo nos debates públicos, como é o caso do Y20, parte da juventude continua sem participar de discussões em seu próprio país. Adolescentes e jovens somam hoje 1,8 bilhão de pessoas na faixa etária de 10 a 24 anos – um quarto da população mundial, de acordo com Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Maria Nascimento e Adriana Araújo, alunas do primeiro ano do ensino médio em escola pública são um exemplo disso. Elas contam que a experiência de estar em um espaço de discussão e participação dos jovens na elaboração de propostas e reflexões de tornar o mundo melhor é oportunidade que nunca tiveram antes.

Maria Nascimento e Adriana Araújo (da esquerda para a direita) estudantes de ensino médio em escola pública durante Y20. Foto: Letícia Santana

“É uma experiência nova, porque a gente nunca chegou a participar desse tipo de coisa. Não chega muita oportunidade assim para a gente, que é de escola pública”, afirma Adriana. A oportunidade, ou mesmo a falta dela, é um fator decisivo na participação do jovem na própria sociedade, apontou a OIT (Organização Internacional do Trabalho) em seu relatório divulgado este mês. Em 2023, segundo a OIT, 20,4% dos jovens em todo o mundo não estudam e nem trabalham. A perspectiva da OIT é diminuir esse percentual nos próximos anos, atingindo aproximadamente 12,8% em 2024 e 2025. O levantamento ressalta que a desigualdade no acesso à educação é uma das que mais dificultam o exercício efetivo da cidadania.

Encontro dos delegados nacionais e internacionais durante o último dia do Y20 Brasil. Foto: Julia Lima

Legado da delegação brasileira no Y20 para as demais delegações 

Shinan Yuanshinan, integrante da delegação chinesa no Y20, disse à Agenc que os debates explicitam a diversidade de ideias e países, que podem juntos influenciar decisões globais. Apesar de nenhum grupo de engajamento do G20 ter o poder de implementar ações, eles podem pressionar e contribuir para as recomendações se tornarem políticas públicas em seus países e em todo o globo. Yuanshinan também destacou a diversidade cultural do Brasil e a receptividade do povo brasileiro, no acolhimento dele e dos demais jovens.

Curtleigh Alaat, chefe da delegação sul africana no Y20 Brasil. Foto: Everton Victor

Curtleigh Alaat, representante da delegação sul-africana, afirmou que a principal experiência que ele levará da reunião brasileira para a de seu país, ano que vem, é a habilidade dos brasileiros de sempre procurar fazer o melhor para si mesmos e para quem é recebido no país. Para ele, isso cria a vontade de visitar o país como turista, e não só como delegação. Alaat disse que no evento do G20 no ano que vem, a ser realizado na África do Sul, onde vive, gostaria de replicar tanto a receptividade que a delegação brasileira teve presidindo o grupo.

O Y20 ainda não divulgou seu Communiqué. O que se espera é que as propostas dos jovens sejam entregues à Trilha de Sherpas (lideranças do G20) e de Finanças para pressionar a incorporação delas à Declaração dos Líderes dos países integrantes do G20. 

As propostas, além de incorporar outras temáticas, estarão alinhadas aos três eixos propostos pela presidência brasileira no G20. São eles o combate à fome, pobreza e desigualdade; o desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável e também a reforma da governança internacional. 

Para Ronald Sorriso, secretário nacional de Juventude, o legado do Brasil na presidência do G20 é a participação social direta com jovens de escolas públicas, movimentos sociais e outros que estiveram presentes durante a Cúpula do Y20. O grupo também realizou 30 diálogos regionais em todo o Brasil para trazer as demandas e reunir os anseios das múltiplas juventudes brasileiras. “Quando o jovem coloca a sua opinião, ele não está pensando na riqueza que vai ser aferida para ele e para seu país amanhã, ele quer saber se essa riqueza será sustentável ao longo do tempo”.

De acordo com Sorriso, a marca que o Brasil quer deixar no G20 vai muito além deste ano. “Nós queremos que no ano que vem, na África do Sul, e nos anos seguintes, nós tenhamos a permanência do G20 Social (criado pelo Brasil). Esse é o grande legado que o país quis passar”, afirma.

Ciência e Tecnologia no centro das eleições 2024

Ciência e Tecnologia no centro das eleições 2024

Tentativas de regulamentar o ambiente digital, vacinas e inteligência artificial serão temas em discussão nas disputas deste ano

Por Everton Victor

Urna Eletrônica. Divulgação: TSE

A três meses do primeiro turno das eleições municipais, os desafios digitais marcam os debates entre os candidatos a prefeito e vereador. Temas como o uso de reconhecimento facial nas ruas, a implementação de câmeras nas fardas policiais, o acesso à internet nas escolas e a digitalização dos serviços públicos estão no centro das discussões. São temas da cultura digital e que impactam de modo decisivo o dia a dia dos brasileiros.

A pesquisa “Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil” de 2023, realizada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), junto com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), mostra que 60% declaram se interessar pelas áreas de ciência e tecnologia. Por outro lado, quando perguntado se conhece alguma instituição de pesquisa científica, menos de 83% citaram alguma, já sobre conhecer algum cientista brasileiro apenas 9,6% citaram um nome.

Pela primeira vez, a eleição brasileira vai contar com a atuação do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE), criado em março deste ano pelo TSE. O órgão vai funcionar como uma estrutura auxiliar do TSE e dos Tribunais Regionais Eleitorais no combate às deepfakes (imagens ou sons humanos feita por IA), além de ser uma ferramenta educacional contra a desinformação. Em resolução publicada em fevereiro deste ano, o TSE endureceu o combate a fake news nas redes, responsabilizando também as big techs que não retirarem do ar posts de teor preconceituoso e/ou com informações falsas.

Outro tema de debate na campanha – as vacinas – também sofre o efeito do negacionismo científico. Recentemente, a Secretária Municipal da Saúde Rio emitiu um alerta sobre a baixa adesão à vacina da gripe na cidade. Ataques às instituições de pesquisas também ganharam força nas redes e no debate público. Em 2021 foi proposto na Assembleia Legislativa do Estado do Rio projeto Lei n°4.671/21, que pedia a extinção da Uerj. Após repercussão, o PL foi derrubado e considerado “inconstitucional”, nas palavras de André Ceciliano, então presidente da Casa. 

Semana da Ciência e Tecnologia. Foto: Agência Brasil

O professor Gerson Pech, diretor do Instituto de Física da Uerj, afirma que existe um longo trabalho para a uma cultura digitalizada plena, mas existe um caminho: aproximar o tema dos cidadãos. A cultura digital é a introdução, em menor ou maior grau, da tecnologia na sociedade e no cotidiano das pessoas. Na prática, ver em um aplicativo a hora que o ônibus passar, fazer uma transferência por Pix, documentos e exames digitalizados, tudo isso está inserido nessa cultura digital.

Na avaliação dele, é preciso explicitar que a cultura digital mexe diretamente com o cotidiano das pessoas. É central para a população reivindicar mais investimentos e ações no campo tecnológico e científico, de acordo com o professor.  Por isso, investir nestas áreas pode facilitar o cotidiano dos brasileiros e trazer uma maior eficiência para os serviços públicos. 

O linguajar difícil, a divulgação das produções de pesquisa restrita às revistas científicas, a pouca comunicação entre a academia e a população, tudo isso contribui para afastar a população da ciência. Para o professor da Uerj, é fundamental mostrar à população os avanços no campo da ciência e da tecnologia e o impacto deles na realidade. Tudo isso ajuda a  combater movimentos antivacina e a anticiência.

Para Pech, esses movimentos se enfraquecem quando são confrontados com o debate público, a sociedade compreende como  funciona a vacina e qual o papel da pesquisa e da universidade nesse contexto. “É preciso mostrar o papel da universidade e da ciência para, por meio da educação, desconstruir a intolerância”, afirma.

PL da regulação de inteligência artificial discute discriminação no ambiente digital 

PL da regulação de inteligência artificial discute discriminação no ambiente digital

Especialistas veem avanços com o projeto de lei, mas identificam um longo caminho para a fiscalização dos sistemas de inteligência artificial 

Por Everton Victor e Manoela Oliveira

 
Racismo algorítmico e os desafios da inteligência artificial / Imagem: Fractal Pictures (Shutterstock)

Racismo algorítmico é uma expressão nova para nomear como uma prática antiga, a discriminação, se reproduz no ambiente digital. É o que acontece, por exemplo, quando o aplicativo do banco não reconhece um rosto negro, buscas de pesquisas relacionam pessoas negras a pessoas feias ou imagens clareiam automaticamente a pele negra. Debates assim, que envolvem os vieses dos dados, a autorregulamentação por grandes empresas e a falta de segurança no ambiente digital, estão em curso hoje no mundo. No Brasil, a discussão passa pelo Projeto de Lei 2338/23, que institui um marco legal com mecanismos e orientações para regulamentar a inteligência artificial no Brasil. A votação do PL 2338/23 foi adiada três vezes e, até o momento, não foi definida uma nova data. 

O PL 2338/23 é de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e tem relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO). O texto preliminar que deu origem ao projeto foi sugerido por uma comissão de especialistas no tema, coordenada por Ricardo Villas Bôas, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). As propostas apresentadas neste projeto agregam sugestões de outros nove PLs sobre regulamentação do ambiente digital.

Reunião da Comissão Temporária Interna do Senado que analisa o PL 2.338/2023 Foto: Lula Marques / Agência Brasil

O pesquisador Pablo Nunes, doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-Uerj), diz que o projeto chega num momento decisivo, porque não existe uma neutralidade nos dados. Eles  partem de um contexto e de um histórico ligados à realidade. “Esses bancos de dados nada mais são do que a história da sociedade humana materializada em números”, afirma. E isso tudo permite falar em racismo algorítmico, o que é, segundo o pesquisador, “a forma atualizada e repaginada do racismo se expressar, permitindo que o racismo estrutural consiga sobreviver neste mundo digital e tecnológico”.

Apesar do termo racismo algorítmico não aparecer na proposta inicial do PL, o projeto discorre sobre discriminação de raça, cor, etnia, gênero e origem geográfica. O documento reforça o combate a preconceitos como um dos fundamentos da implementação de inteligência artificial. Estudar racismo algorítmico permitiria não é só descobrir e analisar os impactos, mas também fornecer sugestões de políticas públicas para os danos serem mitigados, afirma Tarcízio Silva, doutorando em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC (UFABC) e autor do livro Racismo Algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais.

Os efeitos do racismo algorítmico são sentidos, por exemplo, no tratamento de saúde de pessoas negras. Um estudo realizado em Boston, nos Estados Unidos, examinou cerca de 57 mil pacientes com doença crônica renal em centros médicos acadêmicos e clínicas comunitárias. E mostrou que, entre 2.255 pacientes negros, 743 seriam hipoteticamente realocados para o estágio de doença grave se fosse utilizado o mesmo algoritmo de pacientes brancos. 

Ao não serem classificados como pessoas que precisam de atendimento hospitalar emergencial, eles não têm prioridade no encaminhamento para transplantes e no acesso à diálise, procedimento de recuperação da função renal. Na avaliação de Pablo Nunes, esse caso é um exemplo de racismo algorítmico, que explicita os prejuízos sofridos pela população negra em comparação com outros grupos. 

Para o pesquisador, o desafio é equilibrar a utilização desses mecanismos, tendo em vista os bancos de dados já terem todos esses vieses. “As tecnologias, por serem frutos da história humana, não vão romper com o racismo, muito pelo contrário, elas vão procurar reproduzir”. Outro exemplo citado por ele vem da Bahia, onde a Polícia Militar utiliza uma ferramenta de inteligência artificial visando reconhecer pessoas com mandados de prisão decretados. Mas os casos de erro não são raros. Em 2023, um trabalhador foi identificado pela ferramenta e preso erroneamente por 26 dias em 2023. Sobre o caso, a Secretária de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) argumentou que as câmeras constataram 95% de similaridade entre ele e o verdadeiro infrator. “A gente tá falando de vidas humanas que são destroçadas”, reforça Pablo Nunes.

Para Tarcízio Silva, há uma divergência entre o que os legisladores consideram ser o desejo dos brasileiros com a inteligência artificial e a perspectiva real da população. Na análise do professor da XXX, a maioria dos brasileiros desconfia desses sistemas, especialmente no campo da segurança pública, área com grande utilização  de IA pelo governo. Uma pesquisa do Instituto IDEA com a colaboração do Brazil Forum UK conta que 73% de 1.073 entrevistados apoiam a criação de regras para o uso de IA no Brasil.

 
Gráfico interativo: Quem ou qual órgão os brasileiros acreditam que deveria regularizar a IA
Fonte: Reprodução de Manoela Oliveira, com dados do Instituto IDEA

O projeto de lei 2338/2023 prevê a supervisão e a fiscalização das inteligências artificiais pelo Poder Executivo, com base em critérios como a gravidade da infração, a condição socioeconômica e a cooperação do infrator. Caso uma empresa ou uma pessoa física não obedeça aos fundamentos de igualdade, não descriminação, proteção ao meio ambiente e privacidade no desenvolvimento de uma IA.

Até hoje (13), a Consulta Pública sobre o PL realizada pelo Senado acumulava mais de 66 mil votos, sendo 47,1% contra o projeto. Os debates de como regular o ambiente do tema não estão restritos apenas ao Brasil. Nos grupos de engajamento do G20, foi recomendado para os líderes das 20 maiores economias do mundo a criação de um grupo de governança global para dados, o Data20 (D20). Países da União Europeia, o Canadá e outras nações que participam do bloco já regulamentaram ou estudam como regulamentar.

Do Arco do Desmatamento ao Arco da Restauração

Do Arco do Desmatamento ao Arco da Restauração

Dividido em duas fases, o projeto estima capturar, até 2030, 1,65 bilhão de toneladas de carbono da atmosfera

Por Everton Victor e Julia Lima

Tereza Campello, diretora socioambiental do BNDES, detalhando o Arco da Restauração durante o States of the Future, evento paralelo do G20. Foto: Everton Victor
 
 

Imagine, em 30 anos, reflorestar uma área de 24 milhões de hectares – equivalente ao estado de São Paulo. É esse o objetivo do projeto “Arco da restauração”, apresentado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social do Brasil (BNDES) durante o States of the Future, evento paralelo do G20 realizado no Rio no mês de julho. O desafio é reflorestar a parte da Amazônia conhecida hoje como “Arco do Desmatamento”, região que passa pelo Leste e Sul do Pará e também por Mato Grosso, Rondônia e Acre. É nesta região que estão os maiores índices de desmatamento da Amazônia.

A ideia é replantar a floresta destruída e, com isso, capturar carbono da atmosfera a partir do processo de fotossíntese – produção de energia – das árvores, devolvendo oxigênio ao ambiente. De acordo com o BNDES, seria possível remover 1,65 bilhão de toneladas de carbono da atmosfera em 30 anos.  Ao todo, mais de 50 municípios serão impactados. 

Investimento necessário

Segundo Tereza Campello, diretora Socioambiental do BNDES, serão necessários cerca de 204 bilhões de reais para o projeto. O trabalho seria dividido em duas fases: a primeira, que vai até 2030, envolve a restauração de áreas prioritárias, cerca de 6 milhões de hectares. Essa etapa necessitaria de investimento de 51 bilhões de reais. A segunda fase vai de 2030 a 2050, com mais 18 milhões de hectares restaurados, e a utilização de mais 153 bilhões de reais.

O Brasil já investiu 1 bilhão de reais na iniciativa por meio de dois fundos: o Fundo Amazônia, que capta recursos de governos, instituições públicas e privadas, sob gestão do BNDES; e financiamento do Fundo Clima, do próprio banco. Este repasse é considerado o primeiro passo do recém lançado Arco da Restauração. 

Como funcionará a fiscalização do projeto

O Banco também já estrutura como será a fiscalização do que está sendo gasto e como a quantidade de carbono armazenado será medida, segundo Campello. “Nós pretendemos organizar uma plataforma, pois estamos falando de médio e longo prazo, portanto aprender com esse processo também vai ser muito importante”.

Recentemente o banco, junto com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática do Brasil (MMA), lançou o edital Restaura Amazônia, primeira licitação do Arco da Restauração. Os estados foram divididos em três macro regiões, abrangendo todos os estados do Arco do Desmatamento e também Amazonas e Tocantins. As instituições vencedoras desta chamada já foram anunciadas

Impacto do Arco da Restauração

Explicação de como funciona o financiamento do “Arco da restauração”. Reprodução: BNDES

A diretora afirma que o motivo da área escolhida para este reflorestamento, além de ajudar a conter o desmatamento na área, também é estratégico do ponto de vista científico. “Não é plantar um monte de árvores. Primeiro porque não teria escala, segundo, do ponto de vista biológico, você ter uma floresta nativa [caso da região do Arco] ou ter uma floresta de pinus [reflorestamento em áreas que não existia uma floresta] tem impactos completamente diferentes”.

Florestas tropicais, como a Amazônia, apenas por existirem, já reduzem em 1°C da temperatura no mundo, apontou pesquisa da cientista Deborah Lawrence, da Universidade da Virgínia (EUA). O relatório foi publicado na revista Frontiers in Forests and Global Change (Fronteiras em Florestas e Mudança Global). Apesar desta redução parecer pequena, esse esfriamento em torno de 1°C representa metade do que o Acordo de Paris prevê como o aumento médio de temperatura até o final do século, que é abaixo de 2°C.

Imagem disponibilizada pelo projeto da área que o Arco da Restauração abrange. Reprodução: BNDES

Com o reflorestamento em uma área de floresta nativa, a própria natureza também se regenera sozinha. Isso pode acontecer com um isolamento daquela área sem o  desmatamento e com a preservação da biodiversidade no local, aliado a ações de reflorestamento, preservação e controle do entorno.  “Se a gente conseguir colocar em curso o processo de restauração, vai ser mais fácil regenerar, como a floresta está do lado, ela vai alimentar o processo de restauro, é mais estratégico, porque vai ser mais rápido lá do que qualquer outro lugar”, explicou a diretora.

No States of The Future, Campello reforçou que a iniciativa do BNDES não é uma substituição a outras formas de mitigação dos problemas climáticos, mas sim um aliado inovador. “Não existe nenhuma tecnologia hoje instalada no mundo em escala para capturar carbono para realizar essa tarefa”, explica. Ela detalha que o  projeto é um exemplo para o globo, e sintetiza como o banco quer ser visto. “Nós nos colocamos aqui como promotores do desenvolvimento e do direito”.

Leandro de Deus, professor do departamento de Geografia Física da Uerj, afirma que a iniciativa do banco é extremamente válida para o combate às mudanças climáticas – principalmente se aliada a outras ações -, mas que quaisquer intervenções no espaço devem ser feitas consultando a sociedade. Ele salienta que a importância dessa participação é ainda maior se levadas em contas as áreas indígenas e quilombolas que podem ser afetadas pela restauração da vegetação.

Campello, do BNDES, diz que o projeto também pode ajudar na proteção e preservação de áreas indígenas e quilombolas. “Temos hoje áreas mais sensíveis como são as terras indígenas, as terras quilombolas e as unidades de conservação, muitas delas em risco hoje de grilagem, então tudo que a gente puder usar para garantir que tenha desmatamento zero e restaure esses territórios, para nós é fundamental”, detalha.