Como mandar sua proposta para os líderes do G20

Como mandar sua proposta para os líderes do G20

Plataforma oferece espaço para comentários, votações e até inscrição de atividades que poderão acontecer na Cúpula do G20 Social

Por Everton Victor e Julia Lima

  • Evento de lançamento do G20 Social Participativo. Foto: Leticia Santana

Sabia que você também pode mandar sugestões para o G20, o encontro de líderes mundiais que vai acontecer no Rio em novembro?

A plataforma G20 Social Participativo permite que qualquer cidadão do mundo participe de Consultas Públicas sobre o evento, envie e avalie propostas, além de inscrever atividades temáticas a serem realizadas durante a Cúpula do G20 Social, que vai de 14 a 16 de novembro. Um documento vai reunir as propostas enviadas pela população e será entregue ao presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.

O lançamento da Plataforma G20 Social teve a participação de movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), a Coalizão Negra por Direitos e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Estiveram presentes os ministros Marina Silva (Meio Ambiente), Márcio Macêdo (Secretaria-Geral da Presidência) e Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome).

Ministro Márcio Macêdo durante o evento. Foto: Maria Eduarda Galdino

Renato Simões, secretário nacional de Participação Popular da Presidência da República, afirmou que a criação do G20 Social foi um pedido do presidente Lula para trazer as discussões que afetam a população e são esquecidas pelos líderes dos países para o centro do debate. Segundo Simões, os principais temas são “o combate à fome, a sustentabilidade ambiental e a reforma da governança global”, alinhadas com os eixos definidos pela presidência brasileira no G20. 

O governo não tem uma expectativa exata, mas espera que “dezenas de milhares” de pessoas participem das discussões na plataforma. Houve uma adaptação no site – que nesta área está disponível em português, inglês e espanhol -, e qualquer cidadão estrangeiro poderá se cadastrar apresentando seu passaporte e uma foto, enquanto os brasileiros devem apresentar CPF. O G20 Social Participativo está dentro do Brasil Participativo, que já reúne discussões da população brasileira sobre políticas públicas no país. 

Para facilitar o público, a área irá reunir os Communiqués dos 13 grupos de engajamento que compõem o G20. A ideia é com isso facilitar o acesso da população a informações sobre o que foi discutido nos comunicados finais dos grupos temáticos das 20 maiores do mundo. 

Para Maria Fernanda Marcelino, representante da Marcha Mundial das Mulheres, o aumento da sociedade civil representa na prática uma participação efetiva de reivindicações que existem há séculos. “A gente fala há muito tempo, é necessário vontade política para acabar com a miséria, sub-representação, desigualdade”. O desafio para ela é essa participação ser a regra e não apenas uma exceção. “Indica um desejo e talvez uma demanda reprimida de ampliar o debate sobre as desigualdades no Brasil, na América Latina e no mundo”, explica.

Como acessar a plataforma G20 Social Participativo

  • Acesse o site https://brasilparticipativo.presidencia.gov.br/processes/G20/ e clique em “entrar” no canto superior direito da página.Página inicial do G20 Social Participativo. Foto: Gov.br
  • Brasileiros deverão entrar com a conta do gov.br, enquanto estrangeiros devem entrar com o login feito a partir do número do passaporte.
    Página de login. Foto: Gov.br

Com o login realizado, o participante poderá votar em enquetes, enviar propostas dentro dos eixos temáticos do grupo e propor atividades geridas pela própria sociedade para a cúpula final.

 

Uma das perguntas da enquete disponível no site do G20 Social Participativo. Foto: Gov.
Página de envio de propostas. Foto: Gov.br.
Página de envio de atividades geridas pela sociedade civil. Foto: Gov.br

As participações públicas serão recolhidas até 9 de setembro para organizar tanto a síntese da contribuição popular, além da análise de quais atividades autogestionadas inscritas na plataforma irão acontecer. O G20 Social ocorrerá na região da Praça Mauá, no Rio de Janeiro, entre os dias 14 e 16 do mês. 

O primeiro dia será dedicado às atividades sugeridas pela população, para que vozes de todo o mundo sejam ouvidas. O dia 15 contará com plenárias variadas. No último dia da Cúpula será apresentado o documento final, com as principais ideias vindas da sociedade, e que será entregue para os líderes das 20 maiores economias do mundo durante a Cúpula Final do G20, nos dias 18 e 19 de novembro.

Em encontro do Y20, jovens cobram educação universal e redução das desigualdades

Em encontro do Y20, jovens cobram educação universal e redução das desigualdades

Juventudes de todo o globo se reuniram no Rio de Janeiro para definir propostas a serem levadas aos líderes mundiais no G20 em novembro

Por Everton Victor e Julia Lima

Cerimônia de encerramento da Cúpula do Y20 2024 no Galpão da Cidadania, Centro do Rio. Foto: Julia Lima

Jovens de todo o mundo se reuniram entre os dias 10 a 17 de agosto na Cúpula do Youth20 (Y20), no Rio de Janeiro, para discutir temas como reforma do sistema financeiro global, desigualdades, enfrentamento à pobreza e à fome, além das mudanças climáticas. A cidade do Rio abrigou o evento das Juventudes do G20, do qual participaram delegações das 19 maiores economias do mundo, da União Africana e da União Europeia, além de países convidados. Jovens de escolas públicas e projetos sociais puderam acompanhar algumas das reuniões durante a semana do Y20.

Com o Brasil na presidência do G20, o ponto central para a delegação brasileira foi apresentar necessidades e diferentes contextos das juventudes ao redor do mundo. Philippe Silva, chefe da delegação brasileira no Y20, detalhou para a Agenc algumas dessas propostas. Entre elas, a garantia de uma educação de qualidade universal, garantia de direitos para jovens que têm seus direitos violados, remodelagem da taxação de riquezas, pautas ambientais e um reconhecimento do território da favela como uma experiência de coletividade que pode ser levada para outros países. “As soluções para resolver os conflitos no mundo já existem, estão dentro das comunidades, das aldeias indígenas e dos quilombos. A sociedade civil é onde as políticas acontecem”.

O grupo de juventudes já existia no G7, que reúne as sete maiores economias do mundo, e a partir de 2010 tornou-se um dos grupos de engajamento do G20 Social com sociedade civil. Esses grupos se reúnem, discutem diferentes temas no contexto mundial e geram um Communiqué, um documento com as recomendações decididas em consenso e que será apresentado na reunião de líderes do G20.

Inclusão de jovens periféricos no debate

As desigualdades entre os jovens foram um tema recorrente no encontro do Rio. Embora a participação da juventude esteja crescendo nos debates públicos, como é o caso do Y20, parte da juventude continua sem participar de discussões em seu próprio país. Adolescentes e jovens somam hoje 1,8 bilhão de pessoas na faixa etária de 10 a 24 anos – um quarto da população mundial, de acordo com Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Maria Nascimento e Adriana Araújo, alunas do primeiro ano do ensino médio em escola pública são um exemplo disso. Elas contam que a experiência de estar em um espaço de discussão e participação dos jovens na elaboração de propostas e reflexões de tornar o mundo melhor é oportunidade que nunca tiveram antes.

Maria Nascimento e Adriana Araújo (da esquerda para a direita) estudantes de ensino médio em escola pública durante Y20. Foto: Letícia Santana

“É uma experiência nova, porque a gente nunca chegou a participar desse tipo de coisa. Não chega muita oportunidade assim para a gente, que é de escola pública”, afirma Adriana. A oportunidade, ou mesmo a falta dela, é um fator decisivo na participação do jovem na própria sociedade, apontou a OIT (Organização Internacional do Trabalho) em seu relatório divulgado este mês. Em 2023, segundo a OIT, 20,4% dos jovens em todo o mundo não estudam e nem trabalham. A perspectiva da OIT é diminuir esse percentual nos próximos anos, atingindo aproximadamente 12,8% em 2024 e 2025. O levantamento ressalta que a desigualdade no acesso à educação é uma das que mais dificultam o exercício efetivo da cidadania.

Encontro dos delegados nacionais e internacionais durante o último dia do Y20 Brasil. Foto: Julia Lima

Legado da delegação brasileira no Y20 para as demais delegações 

Shinan Yuanshinan, integrante da delegação chinesa no Y20, disse à Agenc que os debates explicitam a diversidade de ideias e países, que podem juntos influenciar decisões globais. Apesar de nenhum grupo de engajamento do G20 ter o poder de implementar ações, eles podem pressionar e contribuir para as recomendações se tornarem políticas públicas em seus países e em todo o globo. Yuanshinan também destacou a diversidade cultural do Brasil e a receptividade do povo brasileiro, no acolhimento dele e dos demais jovens.

Curtleigh Alaat, chefe da delegação sul africana no Y20 Brasil. Foto: Everton Victor

Curtleigh Alaat, representante da delegação sul-africana, afirmou que a principal experiência que ele levará da reunião brasileira para a de seu país, ano que vem, é a habilidade dos brasileiros de sempre procurar fazer o melhor para si mesmos e para quem é recebido no país. Para ele, isso cria a vontade de visitar o país como turista, e não só como delegação. Alaat disse que no evento do G20 no ano que vem, a ser realizado na África do Sul, onde vive, gostaria de replicar tanto a receptividade que a delegação brasileira teve presidindo o grupo.

O Y20 ainda não divulgou seu Communiqué. O que se espera é que as propostas dos jovens sejam entregues à Trilha de Sherpas (lideranças do G20) e de Finanças para pressionar a incorporação delas à Declaração dos Líderes dos países integrantes do G20. 

As propostas, além de incorporar outras temáticas, estarão alinhadas aos três eixos propostos pela presidência brasileira no G20. São eles o combate à fome, pobreza e desigualdade; o desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável e também a reforma da governança internacional. 

Para Ronald Sorriso, secretário nacional de Juventude, o legado do Brasil na presidência do G20 é a participação social direta com jovens de escolas públicas, movimentos sociais e outros que estiveram presentes durante a Cúpula do Y20. O grupo também realizou 30 diálogos regionais em todo o Brasil para trazer as demandas e reunir os anseios das múltiplas juventudes brasileiras. “Quando o jovem coloca a sua opinião, ele não está pensando na riqueza que vai ser aferida para ele e para seu país amanhã, ele quer saber se essa riqueza será sustentável ao longo do tempo”.

De acordo com Sorriso, a marca que o Brasil quer deixar no G20 vai muito além deste ano. “Nós queremos que no ano que vem, na África do Sul, e nos anos seguintes, nós tenhamos a permanência do G20 Social (criado pelo Brasil). Esse é o grande legado que o país quis passar”, afirma.

Ciência e Tecnologia no centro das eleições 2024

Ciência e Tecnologia no centro das eleições 2024

Tentativas de regulamentar o ambiente digital, vacinas e inteligência artificial serão temas em discussão nas disputas deste ano

Por Everton Victor

Urna Eletrônica. Divulgação: TSE

A três meses do primeiro turno das eleições municipais, os desafios digitais marcam os debates entre os candidatos a prefeito e vereador. Temas como o uso de reconhecimento facial nas ruas, a implementação de câmeras nas fardas policiais, o acesso à internet nas escolas e a digitalização dos serviços públicos estão no centro das discussões. São temas da cultura digital e que impactam de modo decisivo o dia a dia dos brasileiros.

A pesquisa “Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil” de 2023, realizada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), junto com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), mostra que 60% declaram se interessar pelas áreas de ciência e tecnologia. Por outro lado, quando perguntado se conhece alguma instituição de pesquisa científica, menos de 83% citaram alguma, já sobre conhecer algum cientista brasileiro apenas 9,6% citaram um nome.

Pela primeira vez, a eleição brasileira vai contar com a atuação do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE), criado em março deste ano pelo TSE. O órgão vai funcionar como uma estrutura auxiliar do TSE e dos Tribunais Regionais Eleitorais no combate às deepfakes (imagens ou sons humanos feita por IA), além de ser uma ferramenta educacional contra a desinformação. Em resolução publicada em fevereiro deste ano, o TSE endureceu o combate a fake news nas redes, responsabilizando também as big techs que não retirarem do ar posts de teor preconceituoso e/ou com informações falsas.

Outro tema de debate na campanha – as vacinas – também sofre o efeito do negacionismo científico. Recentemente, a Secretária Municipal da Saúde Rio emitiu um alerta sobre a baixa adesão à vacina da gripe na cidade. Ataques às instituições de pesquisas também ganharam força nas redes e no debate público. Em 2021 foi proposto na Assembleia Legislativa do Estado do Rio projeto Lei n°4.671/21, que pedia a extinção da Uerj. Após repercussão, o PL foi derrubado e considerado “inconstitucional”, nas palavras de André Ceciliano, então presidente da Casa. 

Semana da Ciência e Tecnologia. Foto: Agência Brasil

O professor Gerson Pech, diretor do Instituto de Física da Uerj, afirma que existe um longo trabalho para a uma cultura digitalizada plena, mas existe um caminho: aproximar o tema dos cidadãos. A cultura digital é a introdução, em menor ou maior grau, da tecnologia na sociedade e no cotidiano das pessoas. Na prática, ver em um aplicativo a hora que o ônibus passar, fazer uma transferência por Pix, documentos e exames digitalizados, tudo isso está inserido nessa cultura digital.

Na avaliação dele, é preciso explicitar que a cultura digital mexe diretamente com o cotidiano das pessoas. É central para a população reivindicar mais investimentos e ações no campo tecnológico e científico, de acordo com o professor.  Por isso, investir nestas áreas pode facilitar o cotidiano dos brasileiros e trazer uma maior eficiência para os serviços públicos. 

O linguajar difícil, a divulgação das produções de pesquisa restrita às revistas científicas, a pouca comunicação entre a academia e a população, tudo isso contribui para afastar a população da ciência. Para o professor da Uerj, é fundamental mostrar à população os avanços no campo da ciência e da tecnologia e o impacto deles na realidade. Tudo isso ajuda a  combater movimentos antivacina e a anticiência.

Para Pech, esses movimentos se enfraquecem quando são confrontados com o debate público, a sociedade compreende como  funciona a vacina e qual o papel da pesquisa e da universidade nesse contexto. “É preciso mostrar o papel da universidade e da ciência para, por meio da educação, desconstruir a intolerância”, afirma.

PL da regulação de inteligência artificial discute discriminação no ambiente digital 

PL da regulação de inteligência artificial discute discriminação no ambiente digital

Especialistas veem avanços com o projeto de lei, mas identificam um longo caminho para a fiscalização dos sistemas de inteligência artificial 

Por Everton Victor e Manoela Oliveira

 
Racismo algorítmico e os desafios da inteligência artificial / Imagem: Fractal Pictures (Shutterstock)

Racismo algorítmico é uma expressão nova para nomear como uma prática antiga, a discriminação, se reproduz no ambiente digital. É o que acontece, por exemplo, quando o aplicativo do banco não reconhece um rosto negro, buscas de pesquisas relacionam pessoas negras a pessoas feias ou imagens clareiam automaticamente a pele negra. Debates assim, que envolvem os vieses dos dados, a autorregulamentação por grandes empresas e a falta de segurança no ambiente digital, estão em curso hoje no mundo. No Brasil, a discussão passa pelo Projeto de Lei 2338/23, que institui um marco legal com mecanismos e orientações para regulamentar a inteligência artificial no Brasil. A votação do PL 2338/23 foi adiada três vezes e, até o momento, não foi definida uma nova data. 

O PL 2338/23 é de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e tem relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO). O texto preliminar que deu origem ao projeto foi sugerido por uma comissão de especialistas no tema, coordenada por Ricardo Villas Bôas, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). As propostas apresentadas neste projeto agregam sugestões de outros nove PLs sobre regulamentação do ambiente digital.

Reunião da Comissão Temporária Interna do Senado que analisa o PL 2.338/2023 Foto: Lula Marques / Agência Brasil

O pesquisador Pablo Nunes, doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-Uerj), diz que o projeto chega num momento decisivo, porque não existe uma neutralidade nos dados. Eles  partem de um contexto e de um histórico ligados à realidade. “Esses bancos de dados nada mais são do que a história da sociedade humana materializada em números”, afirma. E isso tudo permite falar em racismo algorítmico, o que é, segundo o pesquisador, “a forma atualizada e repaginada do racismo se expressar, permitindo que o racismo estrutural consiga sobreviver neste mundo digital e tecnológico”.

Apesar do termo racismo algorítmico não aparecer na proposta inicial do PL, o projeto discorre sobre discriminação de raça, cor, etnia, gênero e origem geográfica. O documento reforça o combate a preconceitos como um dos fundamentos da implementação de inteligência artificial. Estudar racismo algorítmico permitiria não é só descobrir e analisar os impactos, mas também fornecer sugestões de políticas públicas para os danos serem mitigados, afirma Tarcízio Silva, doutorando em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC (UFABC) e autor do livro Racismo Algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais.

Os efeitos do racismo algorítmico são sentidos, por exemplo, no tratamento de saúde de pessoas negras. Um estudo realizado em Boston, nos Estados Unidos, examinou cerca de 57 mil pacientes com doença crônica renal em centros médicos acadêmicos e clínicas comunitárias. E mostrou que, entre 2.255 pacientes negros, 743 seriam hipoteticamente realocados para o estágio de doença grave se fosse utilizado o mesmo algoritmo de pacientes brancos. 

Ao não serem classificados como pessoas que precisam de atendimento hospitalar emergencial, eles não têm prioridade no encaminhamento para transplantes e no acesso à diálise, procedimento de recuperação da função renal. Na avaliação de Pablo Nunes, esse caso é um exemplo de racismo algorítmico, que explicita os prejuízos sofridos pela população negra em comparação com outros grupos. 

Para o pesquisador, o desafio é equilibrar a utilização desses mecanismos, tendo em vista os bancos de dados já terem todos esses vieses. “As tecnologias, por serem frutos da história humana, não vão romper com o racismo, muito pelo contrário, elas vão procurar reproduzir”. Outro exemplo citado por ele vem da Bahia, onde a Polícia Militar utiliza uma ferramenta de inteligência artificial visando reconhecer pessoas com mandados de prisão decretados. Mas os casos de erro não são raros. Em 2023, um trabalhador foi identificado pela ferramenta e preso erroneamente por 26 dias em 2023. Sobre o caso, a Secretária de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) argumentou que as câmeras constataram 95% de similaridade entre ele e o verdadeiro infrator. “A gente tá falando de vidas humanas que são destroçadas”, reforça Pablo Nunes.

Para Tarcízio Silva, há uma divergência entre o que os legisladores consideram ser o desejo dos brasileiros com a inteligência artificial e a perspectiva real da população. Na análise do professor da XXX, a maioria dos brasileiros desconfia desses sistemas, especialmente no campo da segurança pública, área com grande utilização  de IA pelo governo. Uma pesquisa do Instituto IDEA com a colaboração do Brazil Forum UK conta que 73% de 1.073 entrevistados apoiam a criação de regras para o uso de IA no Brasil.

 
Gráfico interativo: Quem ou qual órgão os brasileiros acreditam que deveria regularizar a IA
Fonte: Reprodução de Manoela Oliveira, com dados do Instituto IDEA

O projeto de lei 2338/2023 prevê a supervisão e a fiscalização das inteligências artificiais pelo Poder Executivo, com base em critérios como a gravidade da infração, a condição socioeconômica e a cooperação do infrator. Caso uma empresa ou uma pessoa física não obedeça aos fundamentos de igualdade, não descriminação, proteção ao meio ambiente e privacidade no desenvolvimento de uma IA.

Até hoje (13), a Consulta Pública sobre o PL realizada pelo Senado acumulava mais de 66 mil votos, sendo 47,1% contra o projeto. Os debates de como regular o ambiente do tema não estão restritos apenas ao Brasil. Nos grupos de engajamento do G20, foi recomendado para os líderes das 20 maiores economias do mundo a criação de um grupo de governança global para dados, o Data20 (D20). Países da União Europeia, o Canadá e outras nações que participam do bloco já regulamentaram ou estudam como regulamentar.

Do Arco do Desmatamento ao Arco da Restauração

Do Arco do Desmatamento ao Arco da Restauração

Dividido em duas fases, o projeto estima capturar, até 2030, 1,65 bilhão de toneladas de carbono da atmosfera

Por Everton Victor e Julia Lima

Tereza Campello, diretora socioambiental do BNDES, detalhando o Arco da Restauração durante o States of the Future, evento paralelo do G20. Foto: Everton Victor
 
 

Imagine, em 30 anos, reflorestar uma área de 24 milhões de hectares – equivalente ao estado de São Paulo. É esse o objetivo do projeto “Arco da restauração”, apresentado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social do Brasil (BNDES) durante o States of the Future, evento paralelo do G20 realizado no Rio no mês de julho. O desafio é reflorestar a parte da Amazônia conhecida hoje como “Arco do Desmatamento”, região que passa pelo Leste e Sul do Pará e também por Mato Grosso, Rondônia e Acre. É nesta região que estão os maiores índices de desmatamento da Amazônia.

A ideia é replantar a floresta destruída e, com isso, capturar carbono da atmosfera a partir do processo de fotossíntese – produção de energia – das árvores, devolvendo oxigênio ao ambiente. De acordo com o BNDES, seria possível remover 1,65 bilhão de toneladas de carbono da atmosfera em 30 anos.  Ao todo, mais de 50 municípios serão impactados. 

Investimento necessário

Segundo Tereza Campello, diretora Socioambiental do BNDES, serão necessários cerca de 204 bilhões de reais para o projeto. O trabalho seria dividido em duas fases: a primeira, que vai até 2030, envolve a restauração de áreas prioritárias, cerca de 6 milhões de hectares. Essa etapa necessitaria de investimento de 51 bilhões de reais. A segunda fase vai de 2030 a 2050, com mais 18 milhões de hectares restaurados, e a utilização de mais 153 bilhões de reais.

O Brasil já investiu 1 bilhão de reais na iniciativa por meio de dois fundos: o Fundo Amazônia, que capta recursos de governos, instituições públicas e privadas, sob gestão do BNDES; e financiamento do Fundo Clima, do próprio banco. Este repasse é considerado o primeiro passo do recém lançado Arco da Restauração. 

Como funcionará a fiscalização do projeto

O Banco também já estrutura como será a fiscalização do que está sendo gasto e como a quantidade de carbono armazenado será medida, segundo Campello. “Nós pretendemos organizar uma plataforma, pois estamos falando de médio e longo prazo, portanto aprender com esse processo também vai ser muito importante”.

Recentemente o banco, junto com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática do Brasil (MMA), lançou o edital Restaura Amazônia, primeira licitação do Arco da Restauração. Os estados foram divididos em três macro regiões, abrangendo todos os estados do Arco do Desmatamento e também Amazonas e Tocantins. As instituições vencedoras desta chamada já foram anunciadas

Impacto do Arco da Restauração

Explicação de como funciona o financiamento do “Arco da restauração”. Reprodução: BNDES

A diretora afirma que o motivo da área escolhida para este reflorestamento, além de ajudar a conter o desmatamento na área, também é estratégico do ponto de vista científico. “Não é plantar um monte de árvores. Primeiro porque não teria escala, segundo, do ponto de vista biológico, você ter uma floresta nativa [caso da região do Arco] ou ter uma floresta de pinus [reflorestamento em áreas que não existia uma floresta] tem impactos completamente diferentes”.

Florestas tropicais, como a Amazônia, apenas por existirem, já reduzem em 1°C da temperatura no mundo, apontou pesquisa da cientista Deborah Lawrence, da Universidade da Virgínia (EUA). O relatório foi publicado na revista Frontiers in Forests and Global Change (Fronteiras em Florestas e Mudança Global). Apesar desta redução parecer pequena, esse esfriamento em torno de 1°C representa metade do que o Acordo de Paris prevê como o aumento médio de temperatura até o final do século, que é abaixo de 2°C.

Imagem disponibilizada pelo projeto da área que o Arco da Restauração abrange. Reprodução: BNDES

Com o reflorestamento em uma área de floresta nativa, a própria natureza também se regenera sozinha. Isso pode acontecer com um isolamento daquela área sem o  desmatamento e com a preservação da biodiversidade no local, aliado a ações de reflorestamento, preservação e controle do entorno.  “Se a gente conseguir colocar em curso o processo de restauração, vai ser mais fácil regenerar, como a floresta está do lado, ela vai alimentar o processo de restauro, é mais estratégico, porque vai ser mais rápido lá do que qualquer outro lugar”, explicou a diretora.

No States of The Future, Campello reforçou que a iniciativa do BNDES não é uma substituição a outras formas de mitigação dos problemas climáticos, mas sim um aliado inovador. “Não existe nenhuma tecnologia hoje instalada no mundo em escala para capturar carbono para realizar essa tarefa”, explica. Ela detalha que o  projeto é um exemplo para o globo, e sintetiza como o banco quer ser visto. “Nós nos colocamos aqui como promotores do desenvolvimento e do direito”.

Leandro de Deus, professor do departamento de Geografia Física da Uerj, afirma que a iniciativa do banco é extremamente válida para o combate às mudanças climáticas – principalmente se aliada a outras ações -, mas que quaisquer intervenções no espaço devem ser feitas consultando a sociedade. Ele salienta que a importância dessa participação é ainda maior se levadas em contas as áreas indígenas e quilombolas que podem ser afetadas pela restauração da vegetação.

Campello, do BNDES, diz que o projeto também pode ajudar na proteção e preservação de áreas indígenas e quilombolas. “Temos hoje áreas mais sensíveis como são as terras indígenas, as terras quilombolas e as unidades de conservação, muitas delas em risco hoje de grilagem, então tudo que a gente puder usar para garantir que tenha desmatamento zero e restaure esses territórios, para nós é fundamental”, detalha.

Pesquisadores recomendam ao G20 criação de grupo de governança global para dados

Pesquisadores recomendam ao G20 criação de grupo de governança global para dados

Proposta é que Data 20 ajude no esforço global para regulamentar mundo digital 

Por Everton Victor e Julia Lima

Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

O T20, equipe de trabalho do G20 com pesquisadores e think tanks, sugeriu em seu documento final a criação de um grupo para tratar de cooperação e segurança de dados. O Data20 (D20) trataria de temas como regulação e trabalho com dados, Inteligência Artificial e justiça climática, armazenando os dados das nações, e daria suporte para os outros grupos de trabalho.  

Proposta de criação do D20. (Reprodução: Communiqué do T20)

Num momento de apagões cibernéticos, vazamento de dados e avanço da Inteligência Artificial, a ideia da criação do grupo surgiu dos recentes desafios com a regulação de uso de dados pelas plataformas em âmbito brasileiro e mundial. Debates sobre o limite do uso da Inteligência Artificial e os impactos de algoritmos discriminatórios permeiam as discussões de como os governos devem intervir. Por isso, o grupo também teria o papel de promover discussões que reduzam os danos causados por essas tecnologias, imponham limites a elas e promovam penas para quem os desrespeitasse.

A criação do D20 foi uma das propostas surgidas nos encontros dos pesquisadores do T20, que aconteceram ao longo do ano, e levaram a criação do Communiqué, documento final com as 10 principais sugestões para as 20 maiores economias do mundo. O documento foi apresentado ao público nos dias 2 e 3 de julho durante o The T20 Brasil Midterm Conference.

O D20 também seria responsável por fiscalizar a implicação de cada política e dado criados pelos grupos de engajamento que compõem o G20. Denise Direito, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), afirma que ainda não há definição de como essa atividade aconteceria, já que o Communiqué apresenta apenas sugestões. O funcionamento seria definido de acordo com a evolução dos trabalhos do grupo.

Para Luciana Mendes, presidente do Ipea, a criação de uma força global sobre dados pode ser um aliado no debate de como os países devem lidar com a Inteligência Artificial. Ela destaca que a criação deste mecanismo pode trazer o debate da importância e um esforço de como regular as redes para todo o globo, aliado a outras frentes que o D20 possibilitaria. “Aprimora a cooperação de dados sobre temas transversais”, afirma.

No Brasil, o debate sobre a regulamentação da Inteligência Artificial (IA) está em tramitação no Senado Federal. O Projeto de Lei (PL) 2338/23 reúne uma série de propostas de como regulamentar a IA no Brasil. Países da União Europeia, a Argentina e outras nações integrantes do G20 já regulamentaram ou estudam regulamentar a internet. Denise destaca que a criação do D20 pode ajudar os países do bloco a definirem consensos mínimos de qual seria a base de regulação sobre o tema.

Sobre o T20

O Ipea, junto com a Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e o Centro Brasileiro de Relações Internacionais, compõem o comitê organizador do T20.  Apesar da predominância brasileira no grupo, Luciana reforça a diversidade de nos debates, reuniões e elaboração do grupo de engajamento. Ao todo 170 think tanks nacionais e internacionais com representantes de 33 países participam do T20.

Presidente do Ipea na abertura da reunião do T20. (Reprodução: Julia Lima)

A gestão brasileira segue na presidência do G20 até novembro. No caso do  grupo de engajamento, após a entrega do Communiqué, o foco é “avançar em estratégias de implementação das recomendações”, de acordo com a presidente do Ipea. Os líderes das 20 maiores economias do mundo devem se reunir nos dias 18 e 19 de novembro no Rio de Janeiro, capital do G20 nesta edição.

Projeto do Cap-Uerj emancipa saberes

Projeto do CAp-Uerj emancipa saberes e enegrece currículos

Iniciativa retrata para estudantes do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira a negritude para além do período escravocrata

Por Everton Victor

Oficina do projeto na semana da Consciência Negra em 2022. / Foto: Arquivo Pessoal
 
 
 Com a missão de uma educação antirracista, o projeto de ensino Por uma Didática Racial, coordenado pelo professor Luís Paulo Borges, apresenta intelectuais negros para os estudantes da educação básica do CAp-Uerj. O projeto se realiza por meio de um resgate da história afro-brasileira, que, apesar de leis garantirem a obrigatoriedade, não estão presentes nos currículos escolares.
 
Por Uma Didática Racial surgiu em 2016 e foi implementado em 2017, no âmbito do projeto de extensão Circularidades da escola, que é composto por diversos sub-projetos, que abordam raça, classe e gênero. Para o professor Luís Paulo Borges, a importância do projeto está no seu intuito emancipatório, insurgente e de resgate a uma história por vezes apagada. “A escravidão é um fato histórico, mas a nossa história não começa na escravidão, a gente não pode reforçar isso nos currículos”, afirma.
 
Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Ricardo Nogueira, Azoilda Trindade, Renato Nogueira entre tantos outros intelectuais negros, estruturam o conteúdo bibliográfico do projeto, enquanto a  abordagem varia de acordo com a ano da turma, abrangendo alunos do fundamental I e II, em parceria com a professora Larissa Costard de História. Os bolsistas e o coordenador estruturam o ensino por meio de pesquisa e leitura de intelectuais negros e suas contribuições, junto com o convívio semanal nas salas de aulas do Instituto de Aplicação da Uerj.
 

Esse reconhecimento que vai além da sala de aula, sendo convidados para participar de eventos acadêmicos e congressos em Brasília, João Pessoa e na cidade do Rio. Visitar outros ambientes acadêmicos está no papel da Uerj e do próprio projeto de coletivizar o conhecimento, de acordo com o professor.. “A gente é de uma instituição pública, temos o compromisso político de uma educação pública, e, no nosso caso, uma educação pública antiracista”, reforça.

 

“A gente está falando do exercício da prática de uma lei que é obrigatória no Brasil”, explica Borges. A lei n°10.639, de 2003, a que o professor se refere, instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira e indígena nas escolas em todo o território nacional. Cinco anos depois, a lei n° 11.645, de 2008, reforçou a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena no ambiente escolar, obrigações que não se concretizaram integralmente. 

 

A primeira vez que a justiça decidiu apurar o cumprimento da lei foi em 2018, em decisão da 4 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A iniciativa foi tomada após o pedido do Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-brasileiros (Ipeafro) e do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) ser impetrado na Corte.

 
Trabalho do projeto com crianças do 1° ano do Ensino Fundamental sobre racismo em 2023. / Foto: Arquivo Pessoal
 

 

 
 
Para Erivelton Zidane, estudante de história na Uerj e bolsista do projeto, o efeito do Por Uma Didática Racial vai além da sala de aula, na construção individual de empoderamento desses alunos, pois “a educação é um campo que emancipa saberes e sobretudo o indivíduo”. Ele atribui a presença de pautas como essas no ambiente acadêmico à maior participação de pessoas negras, indígenas e da periferia em espaços de intelectualidade. “São negros que estão produzindo seja na academia, seja em espaços de educação não formativos, como quilombos e aldeias,também lugares de saberes”, conclui
 
 
Guilherme Simões, também integrante do projeto e aluno de educação física na Uerj, vê o impacto da do projeto na sua própria vida: “Sinto que hoje sou uma pessoa racializada”. O bolsista relata uma de suas experiências no projeto no ano passado “Foi feito um trabalho com os alunos do sétimo ano do ensino fundamental em parceria com a professora de história Larissa Costard (…) foi uma experiência muito rica, pude absorver como era possível pavimentar o caminho para que cheguem esses outros saberes”.
 
O projeto também desconstrói a ideia de que o ato de escrever e a literatura que forma a sociedade brasileira não é só europeia, mas também negra e indígena, e leva essas discussões para suas redes sociais. No instagram, o Por Uma Didática Racial traz diversas pesquisas sobre a cultura africana e indígena, a história de intelectuais negros, além de dicas literárias e indicações de filmes. Ao todo, a rede conta com mais de 1200 seguidores, o que Guilherme atribui ao “movimento de enegrecer nosso pensamento e transmitir através das redes sociais para outras pessoas”.

Letra Jovem: projeto da Uerj defende o direito à educação de pessoas em situação de vulnerabilidade social

Letra Jovem: projeto da Uerj defende o direito à educação de pessoas em situação de vulnerabilidade social

Coordenadora do Letra Jovem explica como funciona o programa

  

Por: Manoela Oliveira

                                   Projeto Letra Jovem / Reprodução: Márcia Lisbôa

O Letra Jovem atua em duas localidades: no Tribunal de Justiça, localizado no Centro do Rio de Janeiro, e no Centro Integrado de Educação Pública (Ciep), em São Gonçalo. O programa atende três grupos no TJRJ, o primeiro é o “Justiça pelos Jovens”. De acordo com Lisbôa, o grupo ajuda pessoas de 16 a 24 anos que tiveram algum conflito com a lei quando eram menores de idade. “Os jovens podem já ter cumprido a medida ou estar cumprindo essa medida”, completa.

O segundo grupo é o “Começar de Novo”, que atende pessoas que passaram pelo sistema carcerário e estão buscando uma oportunidade de ressocialização na sociedade. Segundo Cauã Bandeira, bolsista do Letra Jovem, o grupo alvo costuma ser composto por pessoas mais velhas, com idades próximas de 40 anos. O terceiro é o “Inclusão Legal”, que oferece aulas para pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social. “A gente trabalha com mulheres que sofreram algum tipo de violência ou pessoas da comunidade LGBTQIA+”, explica a coordenadora.

Para Cauã, a existência de diferentes grupos em uma mesma sala de aula possibilita a aparição de pontos de vista distintos, porque os alunos “têm opiniões que divergem bastante”. Nivea Santos, bolsista do Letra Jovem, afirma que: “os mais velhos compartilham experiência com os mais novos”.

O Ciep permite que crianças do primeiro ao quinto ano participem de oficinas de alfabetização duas vezes por semana. A colaboração entre a escola e o projeto Letra Jovem iniciou em 2016, contribuindo no letramento de jovens com a ajuda de uma equipe de professores e de bolsistas da Uerj.

Etapas do Letra Jovem

                                    Bolsistas do Letra Jovem / Reprodução: Márcia Lisbôa

Cauã contou sobre a metodologia de três etapas usada no Letra Jovem e a importância da participação dos alunos, pois o tema de cada aula é escolhido por meio de uma votação. A primeira etapa é o “Mergulho no tema”, quando essa eleição ocorre e o gênero literário é selecionado. O tema deste ano é preconceito e a contribuição dos alunos é essencial, porque “existe gente de diferentes competências linguísticas”, de acordo com Lisbôa. Nesse primeiro momento, são usados vídeos, imagens, textos curtos e poemas para facilitar o aprendizado de todos.

A segunda etapa é o “Aprofundamento do gênero”, na qual ocorre o ensino de um gênero literário e da estruturação de um texto. Cauã compartilhou que, neste ano, os estudantes escolheram aprender redação. Por último, a “Emergência de ideias” é a etapa na qual os alunos escrevem o texto e recebem as correções e as sinalizações dos bolsistas. Segundo Cauã, o Letra Jovem pretende “fugir do modelo tradicional de aprendizagem”, promovendo o pensamento crítico e a reflexão entre os estudantes.

Importância do projeto

Para Lisbôa, o Letra Jovem é “um ativismo em defesa do direito à educação de pessoas em situação de vulnerabilidade extrema. Porque, os alunos aprendem a respeitar a opinião do outro e a expor seus argumentos”, afirma a coordenadora. De acordo com ela, a metodologia do projeto foi pensada com base nas ideias de Paulo Freire, mas foi somente participando do programa que ela aprendeu a ser uma “freireana de verdade”. Camila Ferreira, bolsista do Letra Jovem, disse que o projeto ajuda os estudantes a desenvolverem o senso crítico e, consequentemente, o conhecimento.

Uma pesquisa do Ministério da Justiça comprova que cerca de 80% dos presos voltam a cometer crimes quando são liberados. Porém, a taxa de não reincidência entre as pessoas que passaram pelo Letra Jovem é próxima de 100%, revela a coordenadora. Após terminarem as aulas, os alunos ainda são acompanhados pelo TJRJ.

Segundo Camila, sua maior dificuldade é aplicar o conteúdo para os alunos de maneira dinâmica durante o tempo curto das aulas. Cauã concorda que caso aumentasse o tempo das oficinas de redação e de português, seria possível proporcionar uma educação mais aprofundada aos alunos. Para Nivea, o TJRJ deveria ser flexível com as faltas dos estudantes, porque muitas pessoas moram em áreas distantes do Centro, onde fica localizado o Tribunal de Justiça. Apesar disso, de acordo com ela, os alunos querem participar das oficinas, pois “a educação é algo que ninguém pode tirar”

Quatro em cada cinco jovens brasileiros enxergam o futuro como assustador devido às condições climáticas

Quatro em cada cinco jovens brasileiros enxergam o futuro como assustador devido às condições climáticas

Vice-diretora do Instituto de Psicologia da Uerj explica os efeitos da ansiedade climática

Por: Manoela Oliveira

Foto: Adobe Stock

Um levantamento global da Universidade de Bath publicado na revista The Lancet Planetary Health revelou que 85% dos jovens brasileiros consideram o futuro assustador em razão das mudanças ambientais. O estudo teve a participação de 10 mil pessoas entre os 16 e os 25 anos, em 10 países (Austrália, Brasil, Finlândia, França, Índia, Nigéria, Filipinas, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos).

De acordo com a pesquisa, as mudanças climáticas provocam consequências para o futuro e a saúde dos jovens e das crianças, sendo esse grupo vulnerável à ansiedade climática. Esse termo, segundo a Associação Brasileira de Letras (ABL), se refere ao “estado de inquietação e angústia desencadeado pela expectativa de graves consequências das mudanças climáticas e pela percepção de impotência diante dos danos irreversíveis ao meio ambiente”.

Para Laura Quadros, vice-diretora e professora do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a ecoansiedade ou ansiedade climática impacta a sociedade como um todo. Ela explica que: “Temos que entender essa noção como algo coletivo, não como uma questão que acomete um indivíduo ou uma categoria de indivíduos”. Cerca de 50% dos brasileiros possuem sua rotina afetada devido às mudanças climáticas, de acordo com o The Lancet Planetary Health.

 

Foto: Reprodução própria, com o uso dos dados do The Lancet Planetary Health
 
 
 
 
 

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas comprovou que a atual crise climática é sem precedentes e as tragédias ambientais extremas podem se tornar cada vez mais frequentes. Segundo Laura, a desesperança é uma das consequências da ecoansiedade.“Quem tem hoje 15 ou 20 anos não vai ver certas melhoras no planeta”, conclui a professora. Porém, a ansiedade climática pode servir como um mecanismo de mobilização popular, especialmente entre os jovens. 

Laura destacou que a ecoansiedade estimula os jovens a desenvolverem um senso de compromisso maior com o planeta. “Não temos mais uma responsabilidade romântica, mas sim uma noção de sustentabilidade”, complementa. Um estudo da Escola de Comunicação, Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC – RS) revelou que cerca de 70% dos jovens brasileiros praticam alguma atitude sustentável.

Beatriz Evaristo, estudante de 19 anos de farmácia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), possui uma visão pessimista sobre o futuro por causa das tragédias climáticas. Para ela, sua maior preocupação é a incerteza do que acontecerá nos próximos anos. Essa é a tendência da maioria dos brasileiros, de acordo com o estudo da Universidade de Bath. Os brasileiros alegaram estar ansiosos (62,5%), tristes (69%), nervosos (64%) e com medo do futuro (72,5%). 

Maria Eduarda Galdino, jovem de 19 anos e aluna de jornalismo da Uerj, comenta que o governo não está fazendo ações eficazes para mitigar as crises climáticas.  Maria Eduarda está entre os cerca de 79% dos brasileiros que acreditam que as autoridades estão falhando em conter as mudanças ambientais, segundo The Lancet Planetary Health. O Brasil foi o país com o maior número de pessoas que relataram se sentirem traídas pelos governadores, com 77% dos entrevistados, em comparação com 58,5% da média global. 

A regulamentação da internet pode vir a ser uma forma de diminuir a ecoansiedade pela grande carga de informação nas redes sociais. De acordo com uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cerca de 72% das crianças avaliadas tiveram um aumento na depressão, na hiperatividade e na ansiedade devido ao uso excessivo de telas. 

Laura explica que é preciso “oferecer outras alternativas e criar outras oportunidades no campo das escolas e da família”. A professora citou a implementação da educação ambiental e financeira nas instituições educativas para promover a discussão da ecoansiedade, além de estimular práticas sustentáveis.

13 de maio: data simbólica, mas será pelo motivo certo?

13 de maio: data simbólica, mas será pelo motivo certo?

Há 143 anos nascia em Laranjeiras, Zona Sul do Rio, o escritor e jornalista Lima Barreto

Por Everton Victor

Lima Barreto. / Reprodução: UFMG
 
 
 
 

A abolição dos negros, em 1888,  é “celebrada” neste dia, apesar de críticas do movimento negro em comemorar a data. Curiosamente, neste mesmo dia, alguns anos antes, em 1881, nasceu no Rio de Janeiro um escritor negro que se tornou um símbolo da literatura brasileira. Encantou o Brasil com o dom da palavra, ao trazer para suas obras a sensibilidade, seu olhar aguçado do dia a dia, desabafos, sem perder o lado crítico, se tornando uma representatividade antes mesmo desta palavra ficar em alta. O nome dele é Afonso Henriques de Lima Barreto.

Já na infância, aos 6 anos, Lima Barreto teve que lidar com a morte de sua mãe, a professora Amália Augusta, vivendo com seus irmãos e seu pai, o tipógrafo João Henriques. Carmen Lúcia,  professora da Uerj e escritora do livro “Lima Barreto em quatro tempos”, explicou como ele era um incansável estudioso e apesar das dificuldades nunca parou, frequentando espaços destinados à elite carioca. “Ele estudou no Liceu Popular Niteroiense e depois foi para a Escola Politécnica, com problema de saúde do pai, precisa assumir a família, e se tornar funcionário público, ficando difícil seguir na Politécnica”, acrescenta Carmen.

Na construção de seus textos, Lima também escreveu o que chamava de “retalhos”, diversos cadernos com suas anotações, leituras feitas e, curiosamente, recortes de jornais.  A professora ressalta que Lima Barreto não estava à parte das questões políticas da época. “Ele batia em seus textos em questões que muitos intelectuais defendiam (…) Nacionalistas, que culpabilizam indivíduos pobres,  que diziam que o Brasil não é uma nação civilizada”. Ao mesmo tempo, a linguagem nas obras dele estava próxima das ruas, de forma “lúdica” que ele aprendeu nos jornais. Já em maio de 1918 reúne suas crônicas no volume Mágoas e sonhos de um povo, criticando as reformas urbanas.

  • Influências

O escritor, durante a juventude, era um assíduo estudioso, estando inserido em debates sobre o contexto nacional e internacional. Escritores russos, como Tolstoi e Dostoievsky estavam presentes nas leituras de Lima Barreto. “Foi um dos primeiros a divulgar a literatura russa no Brasil”, afirmou a professora. Na revista A.B.C, Lima lançou o Manifesto Maximalista, que defendia uma sociedade diferente da que emergia no Brasil, abordando concentração de renda e terras, legalização do divórcio, e a revolução russa.

A professora aponta uma curiosidade de Lima:  mesmo ele sem ir para a Europa, ele indicava para os amigos o que visitar por lá. “Ele que estava aqui sabia mais do que as pessoas que iam para lá, ele aproveitava para pedir livros”.  Aliado à literatura, o contexto dos negros internacionalmente também era foco de leituras do escritor. “Ele estava a par do que acontecia fora do país, uma vez com os amigos na França ele pediu o livro “Le Préjugé Des Races” (O preconceito racial), do escritor Jean Finot, o único intelectual francês da época contra a teoria das raças”, explica. 

  • Jornalista Lima Barreto

Ainda na juventude ganhou reconhecimento cedo entre seus pares, contribuindo em jornais. “Desde a Escola Politécnica ele já colaborava em jornais, como A Tagarela”, afirma Carmen.  No Jornal do Commercio publicou em folhetins uma de suas mais notórias obras, o romance “Triste fim de Policarpo Quaresma”(1916), sendo considerado um pré-modernista.  Também teve passagem na revista Floreal, em 1907, nos periódicos Correio da Manhã, revista Careta, Gazeta da Tarde, revista Fon-Fon, entre outros. 

Uma de suas mais notórias produções jornalísticas é uma série de reportagens em 1905 sobre o Subterrâneo do Morro do Castelo para o jornal Correio da Manhã. Sendo uma mistura da ficção de tesouro enterrado no morro, ao mesmo tempo que traz uma denúncia sobre os malefícios da reforma urbana. Essa série de reportagens se tornou um livro, disponível até hoje. Em suas obras é notória a sátira e as ironias e caricaturas que estavam presentes nas obras de diversos escritores do início do século XX.

  • Linguagem Popular

Parte da Crítica atribui ao escritor Lima Barreto uma baixa qualidade linguística, por sua linguagem de fácil entendimento, o que para a professora Carmen não se sustenta, pois ele incorpora nesta fácil linguagem ideias de outros escritores e filósofos. “Ele tem um método que contradiz aquilo que a gente lê na Crítica e no senso comum, a gente lê que o Lima produzia de bar em bar, como se aquela produção viesse por acaso, mas não é bem assim, é muita pesquisa e muito estudo”.

A fase conturbada de Lima, o alcoolismo, era um problema presente, mas ele tinha consciência disso. “É interessante a gente ressaltar que a todo tempo existe uma auto consciência desse problema. Nos diários, ele fazia comentários que tinha que parar”, afirma a professora. Para ela, é um erro “justificar a obra por esse vício”.

Lima Barreto tentou duas vezes ingressar na principal instituição literária do país, a Academia Brasileira de Letras, e nas duas vezes foi negado – na primeira tentativa, seu pedido foi desconsiderado ainda na inscrição. De acordo com Carmen Lúcia, “não há um fator único que justifique isso. Há um viés político de poder que justifica a entrada de uns e não de outros. O Lima cronista e que usa a tribuna da imprensa não é um Lima que agradava todo mundo”. A Academia deu menção honrosa perto do fim da vida do autor, em 1920, pelo livro Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá.

  • Racismo

A questão racial está presente não só nas obras, mas nas suas fases e vivências na cidade e no ambiente intelectual. Carmen classifica em três pontos o racismo e seu impacto na vida de Lima Barreto. “Quando ele usa a tribuna da imprensa denunciando o racismo na cultura brasileira usando todos os argumentos dos escritores que ele lia na época para falar das absurdidades que aconteciam em termos de negligência, violência e opressão, ele comentava com muita segurança sobre o massacre dos negros nos Estados Unidos depois da guerra civil e dizia: olha isso está acontecendo no Brasil”.  

A construção dos textos como escritor, para Carmen, é influenciada pela questão racial. Ela cita o romance “Clara dos Anjos” (1948), publicado após sua morte,  que traz críticas sociais e explora a construção da consciência racial da personagem. Enquanto no periódico Diário Íntimo, mostra como a questão racial o formou. “Quando Conceição Evaristo fala em escrevivência ela amplia esse processo de que sou eu e toda uma descendência que carrego comigo, isso me define, então ela fala da história de muitos, mas parte da primeira pessoa, parte da sua experiência, então é esse movimento que Lima capta desses pensadores do início do século e ele aprofunda em sua literatura”.

Legado

Jornal homenageando a vida de Lima Barreto. / Reprodução: Brasil na Foto/Gov
 
 
 

Lima Barreto morreu precocemente, aos 41 anos, de ataque cardíaco por complicações do alcoolismo. Além do alcoolismo, lidou com a depressão e com sua breve passagem pelo hospício, que é abordada em sua obra Diário do Hospício, publicada em 1953.  O escritor acumula um acervo de obras variadas, de contos, romances, diários, crônicas, artigos e reportagens.

Lima Barreto é doutor honoris causa pela UFRJ, onde estudou na Escola Politécnica, título que só veio 101  anos depois de sua morte. Ele também já foi homenageado na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, em 1982, pela Unidos da Tijuca. Além de contar com outros títulos, filmes, nome de ruas e biografias em sua homenagem.  

Para o escritor Anderson Shon, a literatura negra perpassa as obras de Lima Barreto. Um dos livros de Anderson, o “Estados Unidos da África”, produzido em parceria com Daniel Cesart, traz o empoderamento negro em quadrinhos para o público adulto. Ele explica que ao longo de mais de 10 anos publicando livros, sendo mediador e palestrante da Bienal da Bahia, ainda é um desafio ser reconhecido pela Academia. “A gente não é visto pela Academia como saber, a menos que a gente esteja estudando alguém que está morto (…) A gente não precisa que uma geração morra para estudar ela”. No último sábado, o escritor lançou o romance “Não termine comigo, Joana”.

De acordo com a secretária dos Comitês de Cultura Roberta Martins, o Ministério da Cultura tem como princípio fomentar artistas negros, através de ações afirmativas nos seus principais projetos. “A gente tem a Lei Paulo Gustavo (R$3,8bi), a Lei Aldir Blanc (R$3bi), os artistas negros têm um percentual destinado obrigatoriamente para execução em municípios e estados para as suas produções, e isso é fundamental porque está incidindo efetivamente no financiamento”, afirma a secretária.

Roberta conta que a Cultura faz um resgate das personalidades negras através de editais, e  quando celebra a memória dessas personalidades. “A Fundação Palmares tem uma espécie de panteão de personalidades negras que foi retomado nesse ministério, estão lá Lima Barreto, Jurema Batista, Léa Garcia, Martinho da Vila”. Para  a secretária, esse resgate é uma ponte com a população negra de hoje, “é trazer os brasileiros para próximo de nós”, ressalta.