No Science20, cientistas defendem regulação do uso de IA

No Science20, cientistas defendem regulação do uso de IA

Grupo de engajamento do G20 discute como lidar com avanços e riscos da inteligência artificial 

Por Everton Victor e Julia Lima

O Science20 – grupo de engajamento do G20 para discutir a Ciência e Tecnologia- deste ano focou suas atenções na Inteligência Artificial, e especialmente no uso desenfreado da tecnologia com pouca ou nenhuma regulamentação ao redor do mundo. O Science20 divulgou no último dia 31 de julho um documento sobre o tema, assinado pelos representantes de academias de ciências dos países-membros. 

Entre as principais medidas sugeridas pelo S20 estão:  a proteção dos empregos alinhada com o desenvolvimento tecnológico; um esforço global para regulamentar a Inteligência Artificial; e a criação de uma governança internacional para dados.  O documento reúne 10 recomendações sobre a força-tarefa de IA. Todas as propostas foram definidas em consenso pelos países integrantes do G20 e pelas nações convidadas. E estão no Comunicado divulgado pelo Science20. Dos países-membros do S20, apenas Arábia Saudita não assinou o Comunicado.

Países signatários do Comunicado do S20. Foto: S20

Medidas para criar regras no ambiente digital não estão restritas apenas ao Science20. O T20, grupo de engajamento do G20 para Think Tanks, em seu Communiqué, também propôs a criação de um novo grupo do G20 focado nas discussões sobre Inteligência Artificial e dados, o Data20. Além desses, o debate sobre Inteligência Artificial está presente em outros grupos de engajamento que compõem o G20.

Apesar de os integrantes salientarem que “a IA é um motor crítico para o desenvolvimento, especialmente na saúde, educação e enfrentamento das mudanças climáticas”, eles alertam que o mau uso da tecnologia pode trazer malefícios à população e ao meio ambiente. De acordo com o relatório ambiental de 2023 emitido pelo Google, as  emissões de efeito estufa da empresa aumentaram 48% por conta do crescimento do uso da Inteligência Artificial. Outra preocupação de especialistas que acompanham o tema é que a utilização incorreta da tecnologia reforce estereótipos de gênero e raça, aprofundando o que hoje se chama de “racismo algorítmico”.

As discussões do S20, como reforça o preâmbulo do Comunicado, estão alinhadas com as metas da agenda global acordadas por representantes de 193 países em 2015 a serem alcançadas até 2030. Ao todo são 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas acordadas entre os países signatários, entre elas a erradicação da fome e da pobreza, além do desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável em todo o globo. Para o Science20, manter uma cooperação internacional no campo científico se coloca como “mecanismo-chave” no planejamento e elaboração de um futuro alinhado com a agenda global.

Virgílio Almeida, coordenador da força- tarefa de Inteligência Artificial do S20, afirmou que a discussão começou ainda na cúpula do ano passado, e que o monopólio da tecnologia de IA, junto com sua capacidade de uso militar, trouxeram o tema para o centro do debate deste ano.  Além da força-tarefa comandada por Virgílio, o Science20 neste ano também tem mais 4 grupos: Bioeconomia;  Desafios da Saúde; Justiça Social; e Processo de Transição Energética. Todos formularam suas respectivas recomendações ao encontro de líderes. 

Representantes dos países-membros do S20 durante a cúpula. Foto: Júlio Cesar Guimarães/S20

O Comunicado foi entregue às Trilhas de Sherpas e Finanças do G20. Elas serão as responsáveis por apresentar os projetos para os líderes que estarão no Rio de Janeiro para a Cúpula Final do G20, nos dias 18 e 19 de novembro.

Panorama Brasileiro

No Brasil, antes mesmo da cúpula final do G20, já estão em curso algumas ações sobre Inteligência artificial. No Congresso, está em tramitação o Projeto de Lei 2338, de 2023, que trataria de estabelecer as diretrizes do funcionamento dessa tecnologia no país. De acordo com o projeto, cabe ao Poder Executivo fiscalizar o cumprimento das regras pelas empresas que fornecem o serviço e também das pessoas físicas que o utilizam.

Ainda em julho o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) lançou em Brasília o Programa Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA). Ele propõe ações para implementar a IA em áreas como saúde e educação, com o orçamento proveniente dos ministérios, de fundos públicos, de estatais e de investimentos privados. Além disso, ele prevê uma parte do orçamento voltada apenas para contribuir nas ações de regulamentação, cerca de R$103,25 milhões. A maior parte dos mais de R$23 bilhões indicados no plano estão direcionados para o uso da IA para a inovação empresarial – R$ 13,79 bilhões.

Apresentação do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial. Reprodução: Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação

Para a saúde, foram pensados sistemas para melhorar a detecção de doenças, direcionar melhor o uso do orçamento e automatizar a transcrição de consultas. Na educação, as ações estão voltadas para monitoramento de frequência dos alunos e tutoria de matemática.

O PBIA recebeu algumas críticas de  especialistas. Para eles, as ações estão pouco detalhadas, e falta detalhar como elas seriam implementadas e fiscalizadas. Raquel Lobão, professora da Faculdade de Comunicação Social da Uerj  e especialista no uso de IA, afirmou que “as informações estão no documento,  mas não estão detalhadas o suficiente para que todos adotem as ações e recomendações presentes no PBIA.”

Para ela,  um dos exemplos sobre os quais faltam informações é o uso de chatbots. Apesar de ter a função de melhorar a experiência do usuário com informações personalizadas e respostas ágeis,  diz ela, esse tipo de IA funciona sem a devida regulamentação. “Imagina um idoso que é atendido por um chatbot numa empresa de financiamento de concessão de crédito. Ele tem dificuldade no entendimento de cláusulas, que aparecem muitas vezes no contrato, e ele é atendido por um assistente virtual que passa uma série de informações para ele muitas vezes num pop-up ou numa tela de telefone. Esse idoso, por não estar atento e porque a sua educação midiática não é igual talvez à de uma pessoa mais jovem, aceita aquela proposta que está sendo vendida e não leva em consideração uma série de observações pequenas que estavam ali.” 

Renata Mielli, diretora do comitê gestor da Internet do MCTI, disse à Agenc que o projeto é um plano de trabalho e investimento, cabendo a cada um dos ministérios indicar a finalidade aos planos, adaptando-os às especificidades das diferentes áreas e realidades.

Quanto à fiscalização do plano, Renata afirmou que um comitê de governança seria criado para garantir que as ações estariam sendo aplicadas de forma adequada, mas que o processo regulatório compete exclusivamente ao Congresso Nacional.

‘É possível até 2026 tirar o Brasil do mapa da fome’, afirma Wellington Dias

‘É possível até 2026 tirar o Brasil do mapa da fome’, afirma Wellington Dias

Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, liderada pelo Brasil como parte dos eventos do G20, está aberta à adesão de outros países

Por Everton Victor e Julia Lima

O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, afirmou que o Brasil sairá do mapa da fome até o final desta gestão do governo Lula. Dias participou nesta quarta (23/07), no Rio de Janeiro, de um evento do G20 para o pré-lançamento da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza. O encontro aconteceu no Galpão da Cidadania, Centro do Rio de Janeiro, com participação de representantes de mais de 30 países.

Ministro Wellington Dias no lançamento do relatório da FAO (Foto: Everton Victor)

No evento foi lançado o relatório “O Estado de Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2024”, produzido pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) com dados sobre o assunto. O estudo também discute formas de financiamento para acabar com a fome, a insegurança alimentar e má nutrição. Foi a primeira vez que o relatório foi lançado fora do eixo Nova York-Roma, onde ficam as sedes da ONU e da FAO.

O relatório mostra que a América Latina foi a única região do mundo em que houve diminuição da fome, de 5,9% em 2022 para 5,4% em 2023. O destaque vai para a América do Sul, onde a proporção da população em situação de fome caiu de 5,9% para 5,2%. Apesar da melhora na região, o mundo conta com mais de 733 milhões em insegurança alimentar, e a América Latina continua sendo a 3° região com a maior concentração de pessoas nesta condição.

Evento de lançamento do relatório “O Estado de Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2024” (Reprodução: Julia Lima)
 
 
 
No Brasil, a insegurança alimentar severa – quando a pessoa passa mais de um dia sem ter acesso a comida e sem comer – caiu de 8% (17,2 milhões de pessoas) para 1,2% (2,5 milhões) da população, o que significa que 14,7 milhões de pessoas deixaram de passar fome no país de 2022 para 2023. “Se a gente compara com outros países, foi um grande resultado”, afirmou o ministro.
 

Aliança Global contra a Fome e a Pobreza

Tendo em vista o aumento de pessoas em situação de fome e pobreza desde 2019, o Estado brasileiro assumiu, no final da cúpula do G20 do ano passado, a responsabilidade de criar uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. No dia 24, depois do lançamento dos dados do ano passado sobre o tema, a Aliança foi aprovada por unanimidade durante reunião de ministros do G20 e aberta para adesões. Poucas horas depois, Brasil e Bangladesh já haviam aderido à iniciativa. 

De acordo com Thiago Lima da Silva, coordenador da força tarefa da Aliança pelo Ministério da Fazenda, Portugal, Espanha e Noruega já se comprometeram a ajudar no financiamento dos trabalhos, e, consequentemente a participar do grupo.

Reunião Ministerial de Abertura da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza (Reprodução:Ricardo Stuckert/PR)

Todas as ações do G20 precisam ter consenso, ou seja, todos precisam concordar para que qualquer projeto ou recomendação seja lançado. No caso da Aliança, apesar de endossarem e concordarem com a relevância desta iniciativa, os países não precisam necessariamente aderir a ela. A atuação da Aliança pretende se estender para além dos países do G20.

As nações aderem de acordo com suas necessidades, seja financiando projetos, pedindo colaboração para adotá-lo em seu território ou os dois, como é o caso do Brasil. O investimento dos países será apenas no funcionamento dos escritórios da Aliança, em Roma e no Brasil, orçado em cerca de 18 milhões de dólares até 2030. O Brasil, por ser o fundador, arcará com 50% desse valor.

“A aliança não precisa ter um fundo, porque vai ajudar a conectar os fundos que existem com os países que querem fazer cooperação internacional, isso diminui os riscos para os doares pois eles vão doar para políticas que são testadas e aprovadas”, explica Thiago.

A ideia é implementar ações de combate à fome e à pobreza, adaptando o projeto e sua implementação para as necessidades de cada país, reunindo ações econômicas e políticas. A iniciativa não prevê mecanismos de vigilância e fiscalização dos investimentos direcionados para essa aliança, eles serão de responsabilidade dos países, cabendo às legislações e órgãos de justiça de cada país. 

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, esteve presente ao evento e parabenizou a liderança do Brasil e o esforço dos demais países na elaboração da proposta. “É o momento mais relevante dos meus 18 meses de mandato, nenhum tema é mais atual e desafiador do que a fome. A fome é um atentado à vida, um atentado à liberdade”. A temática da fome e o enfrentamento à pobreza é um dos três eixos assumidos pela presidência brasileira no G20. O país vai apresentar para o público a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza na Cúpula dos Líderes, nos dias 18 e 19 de novembro na cidade do Rio.

Livro mapeia disparidades entre homens e mulheres na Ciência

Livro mapeia disparidades entre homens e mulheres na Ciência

Estereótipos, apagamento e sobrecarga fazem parte da rotina de mulheres cientistas, mostra trabalho de Tatiana Roque e Letícia de Oliveira

Por Everton Victor

Reprodução: Julia Koblitz / Agência Brasil
 

Da entrevista de emprego ao cotidiano do trabalho, o dia a dia das mulheres cientistas é marcado pela desigualdade. É este o tema de Mulheres na Ciência, livro de Tatiana Roque e Letícia de Oliveira. Em lançamento realizado na Uerj no dia 17 de junho, as autoras discutiram as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no campo científico com relatos, dados e entrevistas. O evento foi organizado pelo Núcleo de Estudos sobre Desigualdades Contemporâneas e Relações de Gênero da universidade.

“A representação feminina não é suficiente, mas ela é absolutamente necessária. Sem isso, a gente não tem como começar”, afirmou Leticia de Oliveira, neurocientista e coordenadora da Comissão de Equidade da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Leticia destaca a importância do livro por debater a necessidade de ter uma ciência diversa. “Na medida que eu vejo mulheres e negros em espaços de tomada de decisão, isso passa a ser espaço de pertencimento. E aí aquele estereótipo de  baixa eficiência e baixa competência vai sendo desfeito”.

Contracapa do livro. Reprodução: Arquivo Pessoal

A obra assinada em parceria por Letícia e Tatiana Roque, professora da UFRJ e ex-secretária de Ciência e Tecnologia do município do Rio, também discute os estereótipos que cercam a mulher cientista. O livro, dividido em cinco capítulos, apresenta sugestões para enfrentar o preconceito. Entre elas, se ater aos critérios estabelecidos no edital sem perguntas pessoais, estabelecer comissões de diversidade e principalmente trazer as mulheres para espaços de poder sem estarem sub-representadas no debate.

Dados da ciência hoje

Desde a primeira edição do Prêmio Nobel, em 1901, até 2016, apenas 3% dos ganhadores da honraria nas áreas de ciências foram mulheres. Mas aos  poucos isso vem mudando. Desde 2018 ao menos uma mulher é laureada em uma das premiações da Fundação. Para a neurocientista, desconstruir estereótipos passa por garantir representatividade: “Você não precisa falar para uma menina que ela não vai ser astrofísica, isso já está dito na medida que ela não se vê naquele espaço”.

O cenário não é exclusivo do prêmio Nobel. No Brasil, apenas 12% das mulheres compõem academias científicas, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Ainda segundo o relatório, somente 14% das posições na Academia Brasileira de Ciências são de mulheres, apesar de representarem 51,5% da população do país. 

Nas áreas STEM, termo em inglês que reúne os campos da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, a disparidade é ainda maior. Apenas 35% dos estudos relacionados a essas áreas são feitos por mulheres no mundo, segundo a Unesco. No mercado de trabalho a discrepância aumenta, sendo uma mulher para cada quatro homens. No capítulo seis do livro Mulheres na Ciência, as autoras explicam o dado e abordam as causas e as nuances disso na prática.

Efeito Matilda

Na obra, Tatiana e Leticia também abordam alguns termos que por vezes estão presentes no cotidiano das mulheres, como o efeito Matilda – expressão usada para designar o apagamento de mulheres no campo científico. Se uma cientista contribuiu para um artigo e não recebeu o devido reconhecimento no texto,  ela sofreu o Efeito Matilda. Tal efeito pode ser sutil, diminuindo intencionalmente ou não a contribuição daquela mulher, ou mesmo apagá-la por completo de alguma contribuição que ela fez. 

Nomes que contribuíram para a Ciência como Jane Wrigh, mulher negra oncologista que ajudou a desenvolver tratamentos contra o câncer ou mesmo as contribuições da física, e matemática Mileva Einstein, esposa de Albert Einstein, são por vezes esquecidos dos livros de história. “É como se tivesse uma barreira transparente que ela não parece existir, mas ela existe e você não consegue passar”, reforça Leticia.

Maternidade vista como empecilho para produtividade das cientistas

Outra realidade enfrentada pelas cientistas são os estereótipos da maternidade. Em dezembro de 2023, o Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) negou uma bolsa de Produtividade em Pesquisa para a professora da UFABC Maria Carlotto. Na justificativa, o órgão citou que “provavelmente as gestações atrapalharam” as iniciativas da docente. Após a repercussão negativa, o Conselho emitiu uma nota reconhecendo que essa justificativa “expressa juízo preconceituoso”. O caso também está presente no livro.

Denúncia da pesquisadora no X, antigo Twitter

 

As autoras detalham a necessidade considerar, nas análises de produtividade, o período de gestação ou de recuperação pós-parto. É comum que mulheres nessas condições tirem licença, mas, quando retornam, são julgadas por não estarem sendo produtivas em termos científicos. “É muito inóspito, você tem que ser mãe como se não fosse cientista, e cientista como se não fosse mãe”, aponta a neurocirurgiã.

O livro está disponível gratuitamente nas redes sociais das autoras, mas você também pode consultá-lo aqui. A ideia delas é continuar a pesquisa e ter a colaboração de mais cientistas.

Instituições de pesquisa listam fome e crise climática como prioridades para líderes mundiais

Instituições de pesquisa listam fome e crise climática como prioridades para líderes mundiais

Documento reúne propostas de think tanks a serem entregues aos chefes de estado no encontro do G20 em novembro no Rio

Por Everton Victor e Julia Lima

Divulgação: G20 Brasil
 

Medidas para promover transições energética, financeira e digital justas e ações para evitar e mitigar os efeitos das mudanças climáticas estão entre as propostas da sociedade civil para os líderes das 20 maiores economias do mundo, o G20. O chamado T20, grupo de think tanks (instituições que geram pesquisas e discussões sobre políticas públicas e questões socioeconômicas), se reuniu no Rio nos dias 2 e 3 de julho para apresentar o resultado das reuniões de trabalho, que está disponível no Communiqué, um documento de 68 páginas com sugestões para serem discutidas na Cúpula de Líderes do bloco e incorporadas na declaração final.

O documento reúne 10 recomendações principais e reforça que todas as propostas devem ser pautadas na troca de experiência e projetos já implementados entre as nações, sempre com um olhar mais atento aos países carentes. Entre as sugestões estão a criação de uma aliança global contra a fome e a pobreza, junto com uma cooperação multilateral com financiamento e uma política fiscal que promova justiça climática. Além disso, a declaração é a primeira do T20 que inclui o subtópico de Igualdade Étnico-Racial nas recomendações.

T20, subgrupo de think tanks do chamado G20 Social, reúne instituições e a sociedade civil. O Brasil, atual presidente do G20, é pioneiro na criação dessa esfera de debate. O G20 Social reúne 13 grupos de trabalho: C20, para sociedade civil, Y20, para a juventude e o L20 para sindicatos. Cada um deles, assim como o T20, liberou ou ainda irá liberar um Communiqué com suas propostas

Ao todo, o T20 reúne mais de 120 pessoas divididas em 6 forças-tarefa – que neste ano apresentaram mais de 300 policy briefs (instruções). Apesar de as discussões acontecerem com protagonismo brasileiro neste ano, empresas de todo o mundo foram convidadas a participar da elaboração dos trabalhos. A representatividade feminina também é destaque nesta edição: as três líderes do T20 Brasil são mulheres, enquanto nas co-lideranças elas representam 60%. 

O Communiqué do T20 é construído assim: cada força-tarefa produz suas instruções e libera uma declaração. Um grupo superior fica encarregado de analisar e criar as 10 recomendações principais do documento, que unem demandas de vários ou todos os grupos de trabalho. O trabalho de cada uma também é apresentado em instruções específicas individualizadas.

Capa do Communiqué (Reprodução: T20)

O Comitê Organizador do T20 é composto por duas instituições governamentais e uma não governamental. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e também o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), compõem a comissão. 

Uma das inovações que o comitê fez nesta edição foi entregar as propostas antes da Cúpula final do G20. Para Fábio Veras Soares, diretor de Estudos Internacionais do Ipea, é estratégica essa iniciativa, pois, durante os cinco meses que o Brasil ainda tem na presidência do bloco, o foco deve ser o debate sobre implementação das recomendações que foram elaboradas. 

Na prática, apesar de o T20 não poder efetivar as orientações, pode pressionar e influenciar os debates da Declaração de Líderes, transformando o Communiqué em políticas públicas em todo o globo. A reunião com as lideranças das principais economias do mundo vai acontecer nos dias 18 e 19 de novembro na cidade do Rio de Janeiro.

Conferência do T20 Brasil no BNDES (Foto: Everton Victor)

A formulação de cada proposta presente no Communiqué está sempre alinhada às prioridades definidas pela presidência brasileira no G20, com estudos e dados que fundamentam as sugestões. Fábio acrescenta que a diversidade de think tanks discutindo problemas e soluções vai além de ajudar países emergentes, mas pensar as desigualdades também no Norte Global. “Os países desenvolvidos têm que olhar suas políticas públicas e tentar melhorá-las, o que pode ser aprendido com o Sul Global”, conclui.

Poucos dias antes da reunião dos líderes mundiais do bloco, todos os grupos do G20 Social vão se reunir para discutir os trabalhos e as sugestões desenvolvidas durante todo o ano. O evento será na cidade do Rio entre os dias 14 e 16 de novembro.

Parceria IBGE-Uerj pela soberania de dados

Parceria IBGE-Uerj pela soberania de dados

Instituições buscam aproximar população mais jovem do uso de informações públicas e vão realizar conferência para discutir assunto

Por Julia Lima

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) firmaram um acordo para estudos e produção de dados. Um dos pontos centrais da parceria é a realização da Conferência Era Digital, que acontecerá no campus Maracanã entre os dias 29 de julho e 2 de agosto. Estão na programação palestras do presidente Lula, da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, do presidente do IBGE, Marcio Pochmann, e do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro. 

A conferência vai discutir a soberania brasileira sobre os dados aqui gerados, como é possível lidar com o domínio das big techs nessa área e como consolidar o Sistema Nacional de Geociências, Estatística e Dados (Singed). As inscrições são gratuitas e cada inscrito ganhará um mapa-múndi produzido pela instituição, com o Brasil no centro.

O anúncio da parceria, no último dia 25, contou com a presença do presidente do IBGE, Marcio Pochmann, e da reitora Gulnar Azevedo. Durante o evento, foi inaugurado também um totem interativo ao lado da Livraria EdUerj, que permite que o usuário acesse 1,5 bilhão de dados e 1 trilhão de variáveis de pesquisas do Instituto.

 

Lançamento do totem com Daniel Castro (IBGE), Marcio Pochmann (IBGE) e Gulnar Azevedo (Uerj) (Reprodução: Uerj)
 

A ideia da parceria surgiu de Adair Rocha, professor do departamento de Relações Públicas da Uerj, em uma tentativa de homenagear Pedro Geiger, ex-geógrafo do IBGE e professor da Uerj, que recebeu o título de Doutor Honoris Causa aos 101 anos. No final, passou a ser uma colaboração em que o IBGE produz dados e a Uerj, a partir de seus pesquisadores e estudantes, produzirá pesquisas e estudos que ajudarão na formulação de novas políticas públicas, tendo sempre como centro o combate às desigualdades.

Segundo Daniel Castro, coordenador-geral do Centro de Documentação e Disseminação de Informação e Coordenação de Comunicação Social do IBGE, a parceria aproxima o Instituto das universidades e dos mais jovens e, consequentemente, o espaço acadêmico da gestão pública. Para tal, além do totem, será inaugurada uma sala interativa, onde serão disponibilizados dados sobre a juventude, com recortes como gênero, raça e localização, e também estágios para a comunidade uerjiana. O local contará com funcionários do IBGE para auxiliar os visitantes.

Daniel Castro (IBGE) e Adair Rocha (Uerj) (Reprodução: Everton Victor)

Mapa mundi para o G20 com o Brasil no centro (Reprodução: IBGE)

Castro afirma que o Brasil não pode mais ser apenas um fornecedor de dados para empresas internacionais, sem que nem mesmo o governo do país tenha tantas informações sobre seus próprios habitantes; e ainda mais, que esses dados não deveriam ser utilizados para gerar lucros tão exorbitantes. Para ele, o país deve sair da posição de apenas consumidor para se tornar produtor e soberano quanto às informações de seus habitantes.

Cinza, verde e azul: as cores da reconstrução do Rio Grande do Sul

Cinza, verde e azul: as cores da reconstrução do Rio Grande do Sul

Especialista da Uerj destaca conjunto de medidas que incluem obras, mas também preocupação com águas e vegetação

Por Julia Lima

(Reprodução: Agência Brasil/Ricardo Stuckert/Presidência da República)
 

Há um mês o Rio Grande do Sul enfrenta a maior tragédia climática da sua história. O Rio Guaíba chegou à altura de 5,25 metros; em 1941, data da última cheia recorde, subiu até 4,76 metros. Os efeitos do fenômeno climático El Niño, agravados pelas mudanças climáticas, ajudaram a tornar este o maior desastre do estado e um dos maiores do Brasil.

Segundo Antônio Carlos da Silva Oscar Júnior, professor de Geografia Física da Uerj, o El Niño, fenômeno natural e cíclico de aquecimento das águas do Oceano Pacífico, criou uma espécie de redoma de calor na região Sudeste. Isso elevou as temperaturas de abril e impediu que as frentes frias se movessem da região Sul para o resto do país. 

O domo de calor também impede que a umidade vinda da Amazônia chegue à região Sudeste. Juntam-se a isso as frentes de ar frio vindas da Antártida e da Patagônia, e assim o volume de chuvas na região aumenta ainda mais.

 

Bacia hidrográfica contribuiu para a cheia

Além dos fenômenos atmosféricos, a configuração dos rios e seus afluentes no Rio Grande do Sul foi importante para o grande alcance da cheia. Todos receberam grande quantidade de chuva e acabaram desaguando em um mesmo ponto, no Rio Guaíba, em Porto Alegre e, posteriormente, na Lagoa dos Patos.

A capital do estado possui um amplo sistema de drenagem, que, segundo Antônio, seria capaz de diminuir os efeitos da chuva. No entanto, segundo ele, sucessivas gestões da cidade negligenciaram o reparo das bombas de drenagem, mesmo após diversos relatórios apontarem o risco de enchentes.

 

 
Parte do sistema de drenagem da cidade de Canoas – RS (Reprodução: Prefeitura de Canoas)
 
 

Além disso, frentes frias normalmente exercem influência no oceano, aumentando o nível do mar. Por conta disso, os rios não conseguem desaguar na velocidade normal, ficando represados nas bacias e, consequentemente, nas cidades banhadas por eles. Esse acontecimento também foi um dos responsáveis para que as áreas atingidas no sul do país continuem por tanto tempo embaixo da água.

 

O que deve ser feito para evitar novos desastres

Para Antônio Carlos, a reconstrução do estado gaúcho deve ser “orientada pela emergência climática”. Segundo ele, o governo tem a “oportunidade de fazer o novo” e precisa fazer deste um processo participativo, ouvindo principalmente àqueles mais afetados pelas mudanças climáticas.

O professor chama atenção para as três principais medidas que devem ser tomadas na reparação das cidades: cinzas, verdes e azuis. As cinzas envolvem as medidas de engenharia, como a reconstrução de avenidas, pontes e prédios – principalmente escolas e hospitais – que sejam capazes de resistir a novos eventos extremos. Apesar destas serem necessárias, maior atenção deve ser dada às medidas verdes e azuis. Elas são “alternativas mais baratas que a medida cinza e que combinadas a ela, podem potencializar o enfrentamento a essas emergências climáticas que vão se tornar cada vez mais recorrentes”. As verdes dão conta da preservação do meio ambiente, que envolve a recuperação de florestas, mangues, da mata ciliar que cerca os rios e da permeabilidade do solo. Já as azuis tratam de ações relacionadas à água, como a restauração do curso natural do rios, desassoreamento e a recuperação de áreas úmidas – pântanos –, que funcionam como um espaço de transição entre o ambiente terrestre e aquático.

Monitoramento da Abraji aponta redução da violência contra jornalistas no Brasil

Monitoramento da Abraji aponta redução da violência contra jornalistas no Brasil

De cada 10 ataques, 7 vieram de agentes estatais; metade dos casos aconteceu no ambiente digital

Por Julia Lima

 

O Monitoramento de ataques a jornalistas no Brasil, lançado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) em 26 de março, mostrou que, em 2023, as violações à liberdade de imprensa no país caíram 30,7% em comparação com o ano anterior. No ano passado, foram registrados 330 ataques, dos quais 121 foram dirigidos a meios de comunicação e imprensa em geral; os 229 restantes vitimaram profissionais diretamente.

 

 

Rafaela Sinderski, pesquisadora da Abraji e responsável pelo monitoramento, afirma que sempre devem ser consideradas as subnotificações, ou seja, casos que não foram reportados oficialmente. Essa falta de dados ocorre principalmente por receio da vítima em denunciar seus agressores e reviver um momento de trauma. Além disso, essa discrepância nos números é mais percebida nas regiões Norte e Nordeste, por estarem fora do eixo midiático mais significativo (Sul-Sudeste).

A pesquisadora afirma que, para além da subnotificação, a redução aconteceu pela mudança do cenário político brasileiro e por 2023 não ter sido ano de eleições. A saída de um presidente que apoiava reiteradamente a descredibilização de jornalistas contribuiu significativamente para a queda de casos, segundo o relatório. No entanto, a tendência é que esse ano as agressões voltem a aumentar justamente por ser ano eleitoral novamente, dessa vez da esfera municipal.

 

 
Capa do monitoramento. (Reprodução: Abraji)
 

Segundo a pesquisa, a principal forma de agressão aos jornalistas são os discursos estigmatizantes, isto é, que buscam tirar a credibilidade de um veículo ou de um profissional. A maior parte dessas agressões, 73,7%, partiram de agentes estatais. 

Foram também esses agentes estatais que produziram a maior parte das agressões em geral: 55,7%. Rafaela indica que isso acontece principalmente pela visibilidade e pelo poder que esses agentes têm na sociedade. Com isso, eles buscam se aproximar do seu eleitorado a longo prazo, visando fidelizar votos para o próximo período eleitoral. 


O papel das redes sociais

Dos ataques monitorados, 52,1% tiveram início ou repercutiram na internet. A pesquisa no ambiente on-line foi restrita à rede social X/Twitter, e feita a partir da busca de palavras chaves, como “jornalista” e “imprensa”. 

A pesquisadora indica que a falta de regulamentação e de diretrizes claras das plataformas estão entre os principais pontos para a quantidade de agressões nesse espaço. Não há monitoramento nem controle do que é postado, criando, segundo ela, uma sensação de impunidade aos agressores. 

Ela ainda afirma que esses ataques virtuais afetam não só o trabalho do profissional de imprensa, mas também sua vida pessoal. Eles passam a andar nas ruas com medo de ataques a si e a pessoas próximas, além de passar a adoecer mentalmente por isso.


Importância da denúncia 

Rafaela afirma que a denúncia é o principal caminho não só para o debate do tema como para a criação de políticas que defendam a liberdade de imprensa. Para auxiliar nesse momento, ela afirma que a Abraji conta com uma rede de especialistas que estão à disposição dos profissionais de imprensa para ajudar no processo de denunciar qualquer tipo de agressão.

Cyberbullying agora é crime – saiba o que mudou com a nova lei

Cyberbullying agora é crime – saiba o que mudou com a nova lei

Legislação foi criada para proteger crianças e adolescentes de intimidação sistemática no ambiente digital

Por Julia Lima

 
Reprodução: Freepik
 

O Brasil é o segundo país com mais casos de cyberbullying no mundo, atrás apenas da Índia, segundo dados do Instituto Ipsos. De acordo com a pesquisa, 30% dos pais afirmaram que seus filhos já estiveram envolvidos ao menos uma vez com casos de cyberbullying.

Mas agora cyberbullying é crime. A intimidação sistemática feita por meio on-line passa a ser punida com pena de reclusão de 2 a 4 anos mais multa – isso se não houver outro crime envolvido. A Lei 14.811, de 12 de janeiro de 2024, passou a vigorar, ou seja, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 15 de janeiro.

Mas como a nova lei será de fato aplicada? A princípio, as empresas de tecnologia contam com filtros para monitorar comportamentos ofensivos, que posteriormente passam por supervisão humana. A dificuldade se encontra na denúncia: as empresas temem que, ao denunciar esses casos às autoridades, eles estejam descumprindo com as cláusulas de privacidade.

O doutorando em direito e advogado Gabriel Brezinski afirma que uma lei que forçasse as companhias a denunciar casos de cyberbullying resolveria essa questão, até porque não é mais necessário que a vítima se manifeste para a investigação ser aberta.

O advogado salienta que, no caso de o crime ser cometido por adolescentes, as penas são as já conhecidas medidas socioeducativas, como serviços comunitários e multa. Em casos mais graves, pode ser considerada a internação do jovem.

 

Proteção às crianças e adolescentes

Os mais afetados pelo cyberbullying são crianças e adolescentes, sejam vítimas ou agressores. A doutora em psicologia escolar Luciene Tognetta, professora de Psicologia da Educação na Unesp, afirma que problemas de intimidação podem ocorrer desde os 18 meses de idade, mas que é na adolescência que o sentimento de pertencimento validado pelos iguais é maior. “E, nesse sentido, a própria fase da vida faz com que o bullying seja muito mais cruel na adolescência, porque é onde sentimento de menos valia junto com os pares vai mais ser necessário.”, completa. A professora orienta o projeto Somos Contra o Bullying, que atua implementando ações de prevenção e intervenção ao bullying, cyberbullying e outros problemas de convivência nas escolas.

Samira Santos, estudante de Jornalismo da Uerj, conta que já passou por um caso de cyberbullying: “Tiraram uma foto minha muito ‘zoada’ e postaram em um grupo na internet. Falaram muitas coisas ruins, inclusive envolvendo suicídio.”

Segundo a psicóloga da SaferNet Brasil Bianca Orrico, a exposição a esse crime compromete o desenvolvimento psicossocial, incluindo o surgimento de depressão, ansiedade, baixa autoestima, isolamento social, desconexão repentina com atividades escolares e, em casos mais graves, pensamentos suicidas.

Reprodução: Freepik

Bianca e Gabriel concordam que apenas a criminalização não terá grande impacto nas taxas de criminalidade; já Luciene acredita que, inicialmente, pode haver alguma mudança. No entanto, os três afirmam que só isso não é suficiente: são necessárias palestras educativas em escolas, capacitação de funcionários para reconhecer sinais de alerta, políticas públicas para criar cidadãos mais conscientes no meio virtual e acompanhamento psicológico preventivo.

Enquanto isso, vítimas de cyberbullying precisam receber acompanhamento psicológico. Para além de curar o que a violência causou, a terapia evita algo recorrente, que é a transformação de agredido em agressor. Educação e orientação contínuas também são essenciais para que não surjam novos agressores na internet.

Fibromialgia: a doença da dor sem fim

Fibromialgia: a doença da dor sem fim

Síndrome é uma das lembradas na campanha do Fevereiro Roxo, mês que alerta sobre doenças crônicas

Por Julia Lima

 
 
 
Reprodução: Freepik
 
 
 
 
 

“Essa dor é besteira.” “É coisa da sua cabeça.” Antes mesmo de qualquer avaliação médica, pessoas que têm fibromialgia ouvem esse tipo de diagnóstico. Fibromialgia é uma doença caracterizada pela sensibilidade maior à dor, sem que essa dor se manifeste em uma ferida concreta ou uma inflamação visível no corpo. Por exemplo: uma dor na perna nunca aparecerá em um exame de imagem como uma tendinite ou inflamação no músculo. Nos exames, é como se a dor não existisse. 

A fibromialgia é uma das doenças lembradas no Fevereiro Roxo, mês voltado para a conscientização sobre doenças crônicas, como o lúpus e o mal de Alzheimer. No caso da fibromialgia, os pacientes sofrem com o estigma de uma doença que até pouco tempo era vista como o resultado de dores “imaginárias” dos pacientes. Por muito tempo até mesmo a comunidade médica achou que essa fosse a verdade, até que um estudo recente publicado na revista PAIN, feito a partir de exames de ressonância magnética, mostrou que essas pessoas realmente sentem a dor. O cérebro delas de fato tem sensibilidade maior, como se “o termômetro da dor” estivesse desregulado e ativasse todo o sistema nervoso com qualquer estímulo, por menor que seja.

Além de dores generalizadas, pacientes com fibromialgia podem apresentar cansaço constante, sono não-reparador, problemas de memória e concentração, ansiedade, depressão, dores de cabeça, insônia e muitos outros sintomas, que variam de pessoa para pessoa. Eles podem aparecer depois de traumas graves, sejam eles físicos ou psicológicos, ou até mesmo por conta de uma infecção grave.

Justamente por não apresentar sinais físicos além das dores, a fibromialgia é uma doença de difícil diagnóstico. Não existe nenhum exame que dê com exatidão o resultado, e o reconhecimento da doença vem por meio do que os médicos chamam de diagnóstico de exclusão, ou seja, são descartadas muitas outras doenças até o diagnóstico conclusivo. 

Muitos pacientes passam por anos de dor até que possam receber o tratamento adequado. A doença acomete de 3 a 8% da população, e atinge principalmente mulheres entre 30 e 60 anos, mas existem relatos de casos em todas as idades.

Evandro Klumb, professor de Medicina da Uerj e reumatologista do Hospital Universitário Pedro Ernesto, diz que existe a fibromialgia primária, com os sintomas citados acima, e a secundária, que pode estar associada a outras doenças, como artrite reumatóide, lúpus e infecções crônicas, como o HPV e as hepatites B e C. Esta pode ser tratada a partir do controle da doença a que ela está associada.

O tratamento para a fibromialgia envolve o uso de medicamentos, geralmente antidepressivos, além de atividades físicas, acompanhamento psicológico, fisioterapia e acupuntura, tudo ajustado às necessidades do paciente. Para Evandro Klumb, o tripé principal é atividade física,  terapia (dependendo de cada paciente) e remédios. Desde 2023, o SUS oferece tratamento completo e multidisciplinar a esses pacientes. O HUPE também oferece acompanhamento, mas para o professor uma Unidade Básica de Saúde bem capacitada é suficiente para bons resultados.

Em 11 estados do país a fibromialgia é considerada uma deficiência. Dessa forma, a pessoa doente pode usufruir de todos os direitos que qualquer outra pessoa com deficiência possui. Em âmbito federal, existem projetos que procuram reconhecer essa mesma condição. No município do Rio, pessoas com fibromialgia têm direito a atendimento preferencial e podem retirar sua carteirinha no site da prefeitura.

    
 
 
 
 
                                    Reprodução: Prefeitura do Rio de Janeiro
 

Fevereiro Roxo

O alerta do Fevereiro Roxo é voltado para falar de doenças crônicas que, como a fibromialgia, não têm cura, mas para as quais há tratamento. A iniciativa teve início em 2014, em Minas Gerais, sob o lema “Se não houver cura, que ao menos haja conforto”. 

Klumb chama atenção para a importância de falar dessas doenças como “crônicas” ao invés de “sem cura” ao se referir a essas doenças. Para ele, ao dizer que não há cura, adiciona-se uma gravidade exagerada e sem cabimento para doenças que podem ser controladas.

O lúpus se caracteriza por inflamações em vários órgãos causadas por anticorpos em excesso, com períodos de maior ou menor intensidade. Já o mal de Alzheimer se trata de uma neurodegeneração progressiva, e se manifesta pela deterioração da memória e das funções cognitivas. O professor da Uerj destaca que é importante saber que essas doenças existem para que a população seja capaz de reconhecer os sintomas, saber que há tratamento e procurar um médico

Dengue de volta ao Rio de Janeiro

Dengue de volta ao Rio de Janeiro

Epidemia atinge principalmente a zona oeste da capital; especialista da Uerj explica o que a crise climática tem a ver com o aumento de casos da doença

Por Everton Victor e Julia Lima

Reprodução: Freepik
 
 
 

A Prefeitura do Rio de Janeiro decretou estado de emergência na saúde pública na última segunda-feira (5) por causa da dengue: a cidade teve mais de 11.200 casos confirmados este ano, mais da metade do que foi registrado em todo o ano passado. Só em janeiro houve 382 internações, um recorde desde 2008. O secretário de Saúde, Daniel Soranz, afirmou que a cidade vive uma epidemia da doença. 

Uma morte foi confirmada na cidade. Em todo o país, foram 40 óbitos, e outros 234 estão em investigação, segundo o Ministério da Saúde. O número representa um aumento de mais de 140% nas mortes em apenas uma semana. Distrito Federal e Minas Gerais são as unidades da federação com mais mortes, 9 em cada.

Para o professor do Instituto de Medicina Social da Uerj e ex-coordenador de Recursos Humanos da OMS Mario Dal Poz, o aumento do número de casos no início do ano já era esperado, por conta do verão, mas não nas proporções atuais. “Entre as hipóteses estudadas que justifiquem o aumento é o calor, que já no inverno foi maior do que o habitual, o que pode ter ajudado os ovos a eclodirem mais cedo”, afirma. A crise climática fez de 2023 o ano mais quente da história, segundo  a Organização Meteorológica Mundial. No Brasil, a temperatura média chegou a 24,92°C, ficando 0,69°C acima da média histórica.

A desatenção com mecanismos para a prevenção é outro fator que contribui para o aumento de casos. “Tudo isso depende das pessoas, de intervenções dos entes públicos, da falta de vacinação. Até então, não havia vacina. Esse conjunto forma as condições para que a doença tenha um pico todo verão”, afirmou o professor.

Segundo ele, a emergência sanitária decretada no Rio é importante, pois permite que a administração pública tenha capacidade de ação mais rápida que em condições normais. E isso pode ajudar no enfrentamento da epidemia.

 

Vacinação

A vacina da dengue foi incorporada ao Sistema Único de Saúde em dezembro do ano passado, e em fevereiro deste ano entrou no Calendário Nacional de Imunizações. O esquema de vacinação é dividido em duas doses, com intervalo de 3 meses entre elas. Sem doses disponíveis para toda a população, o Ministério da Saúde decidiu priorizar áreas com maior presença de crianças entre 10 e 14 anos, público que é maioria nas internações, segundo a ministra Nísia Trindade.

A vacina está disponível na rede privada desde o ano passado, mas com preços pouco acessíveis, de R$ 350 a R$ 470 por dose, dependendo do estabelecimento. 

Para aumentar a oferta na rede pública, a farmacêutica Takeda, responsável pela vacina Qdenga, afirmou que não fará mais contratos com a rede privada além dos que já estão assinados, mas vai garantir a segunda dose de quem já optou por essa alternativa.

Reprodução: Agência Brasil
 

Infecção e sintomas

A dengue é transmitida pela picada do mosquito fêmea do Aedes aegypti. Os principais sintomas são febre alta, dor de cabeça, pelo corpo e atrás dos olhos, falta de apetite e manchas vermelhas no corpo. Em casos mais graves podem acontecer hemorragia intensa e choque hemorrágico. 

O professor Dal Poz reforça a importância de não tomar remédios sem prescrição médica, especialmente os que contêm salicilato (substância presente em remédios à base de ácido acetilsalicílico, a famosa aspirina). Eles podem provocar sangramento, quadro mais grave que ocorre na dengue hemorrágica. Até mesmo tratamentos caseiros devem ser evitados. Em caso de suspeita, o paciente deve procurar um posto de saúde ou, em situações mais graves, um centro de saúde. 

No Rio, o maior número de casos está na zona oeste da capital, principalmente nas regiões de Campo Grande, Santíssimo, Guaratiba, Santa Cruz, Paciência e Sepetiba. Por isso, o primeiro de dez polos de atendimento para pacientes com dengue foi inaugurado na região. Os outros nove serão abertos em outras regiões da cidade, de acordo com o aumento da incidência de casos.

 

Prevenção

Como a dengue não é uma doença que se transmite de uma pessoa a outra (como a Covid, por exemplo), as aglomerações previstas durante o Carnaval não chegam a ser uma preocupação em especial. Por outro lado, a grande quantidade de lixo nas ruas facilita a proliferação do inseto.

Para se proteger da dengue, principalmente nos dias de folia que estão por vir, fique atento para essas dicas:

  • Use calças e roupas de manga comprida para se proteger das picadas.
  • Use repelentes à base de DEET (N-N-dietilmetatoluamida), IR3535 ou icaridina nas partes expostas do corpo. Ele também deve ser aplicado sobre as roupas.
  • Utilize mosquiteiros e telas em janelas e portas. Se possível, dê preferência a ficar no ar condicionado.

Além dessas medidas individuais, outras, coletivas, ajudam no combate à proliferação do mosquito e têm impacto na sociedade como um todo:

  • Mantenha as caixas d”água bem fechadas.
  • Esvazie e vire garrafas, vasos e potes.
  • Guarde pneus em locais cobertos
  • Evite acumular entulho e sucata.
  • Coloque areia nos vasos de plantas