Como mandar sua proposta para os líderes do G20

Como mandar sua proposta para os líderes do G20

Plataforma oferece espaço para comentários, votações e até inscrição de atividades que poderão acontecer na Cúpula do G20 Social

Por Everton Victor e Julia Lima

  • Evento de lançamento do G20 Social Participativo. Foto: Leticia Santana

Sabia que você também pode mandar sugestões para o G20, o encontro de líderes mundiais que vai acontecer no Rio em novembro?

A plataforma G20 Social Participativo permite que qualquer cidadão do mundo participe de Consultas Públicas sobre o evento, envie e avalie propostas, além de inscrever atividades temáticas a serem realizadas durante a Cúpula do G20 Social, que vai de 14 a 16 de novembro. Um documento vai reunir as propostas enviadas pela população e será entregue ao presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.

O lançamento da Plataforma G20 Social teve a participação de movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), a Coalizão Negra por Direitos e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Estiveram presentes os ministros Marina Silva (Meio Ambiente), Márcio Macêdo (Secretaria-Geral da Presidência) e Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome).

Ministro Márcio Macêdo durante o evento. Foto: Maria Eduarda Galdino

Renato Simões, secretário nacional de Participação Popular da Presidência da República, afirmou que a criação do G20 Social foi um pedido do presidente Lula para trazer as discussões que afetam a população e são esquecidas pelos líderes dos países para o centro do debate. Segundo Simões, os principais temas são “o combate à fome, a sustentabilidade ambiental e a reforma da governança global”, alinhadas com os eixos definidos pela presidência brasileira no G20. 

O governo não tem uma expectativa exata, mas espera que “dezenas de milhares” de pessoas participem das discussões na plataforma. Houve uma adaptação no site – que nesta área está disponível em português, inglês e espanhol -, e qualquer cidadão estrangeiro poderá se cadastrar apresentando seu passaporte e uma foto, enquanto os brasileiros devem apresentar CPF. O G20 Social Participativo está dentro do Brasil Participativo, que já reúne discussões da população brasileira sobre políticas públicas no país. 

Para facilitar o público, a área irá reunir os Communiqués dos 13 grupos de engajamento que compõem o G20. A ideia é com isso facilitar o acesso da população a informações sobre o que foi discutido nos comunicados finais dos grupos temáticos das 20 maiores do mundo. 

Para Maria Fernanda Marcelino, representante da Marcha Mundial das Mulheres, o aumento da sociedade civil representa na prática uma participação efetiva de reivindicações que existem há séculos. “A gente fala há muito tempo, é necessário vontade política para acabar com a miséria, sub-representação, desigualdade”. O desafio para ela é essa participação ser a regra e não apenas uma exceção. “Indica um desejo e talvez uma demanda reprimida de ampliar o debate sobre as desigualdades no Brasil, na América Latina e no mundo”, explica.

Como acessar a plataforma G20 Social Participativo

  • Acesse o site https://brasilparticipativo.presidencia.gov.br/processes/G20/ e clique em “entrar” no canto superior direito da página.Página inicial do G20 Social Participativo. Foto: Gov.br
  • Brasileiros deverão entrar com a conta do gov.br, enquanto estrangeiros devem entrar com o login feito a partir do número do passaporte.
    Página de login. Foto: Gov.br

Com o login realizado, o participante poderá votar em enquetes, enviar propostas dentro dos eixos temáticos do grupo e propor atividades geridas pela própria sociedade para a cúpula final.

 

Uma das perguntas da enquete disponível no site do G20 Social Participativo. Foto: Gov.
Página de envio de propostas. Foto: Gov.br.
Página de envio de atividades geridas pela sociedade civil. Foto: Gov.br

As participações públicas serão recolhidas até 9 de setembro para organizar tanto a síntese da contribuição popular, além da análise de quais atividades autogestionadas inscritas na plataforma irão acontecer. O G20 Social ocorrerá na região da Praça Mauá, no Rio de Janeiro, entre os dias 14 e 16 do mês. 

O primeiro dia será dedicado às atividades sugeridas pela população, para que vozes de todo o mundo sejam ouvidas. O dia 15 contará com plenárias variadas. No último dia da Cúpula será apresentado o documento final, com as principais ideias vindas da sociedade, e que será entregue para os líderes das 20 maiores economias do mundo durante a Cúpula Final do G20, nos dias 18 e 19 de novembro.

Em encontro do Y20, jovens cobram educação universal e redução das desigualdades

Em encontro do Y20, jovens cobram educação universal e redução das desigualdades

Juventudes de todo o globo se reuniram no Rio de Janeiro para definir propostas a serem levadas aos líderes mundiais no G20 em novembro

Por Everton Victor e Julia Lima

Cerimônia de encerramento da Cúpula do Y20 2024 no Galpão da Cidadania, Centro do Rio. Foto: Julia Lima

Jovens de todo o mundo se reuniram entre os dias 10 a 17 de agosto na Cúpula do Youth20 (Y20), no Rio de Janeiro, para discutir temas como reforma do sistema financeiro global, desigualdades, enfrentamento à pobreza e à fome, além das mudanças climáticas. A cidade do Rio abrigou o evento das Juventudes do G20, do qual participaram delegações das 19 maiores economias do mundo, da União Africana e da União Europeia, além de países convidados. Jovens de escolas públicas e projetos sociais puderam acompanhar algumas das reuniões durante a semana do Y20.

Com o Brasil na presidência do G20, o ponto central para a delegação brasileira foi apresentar necessidades e diferentes contextos das juventudes ao redor do mundo. Philippe Silva, chefe da delegação brasileira no Y20, detalhou para a Agenc algumas dessas propostas. Entre elas, a garantia de uma educação de qualidade universal, garantia de direitos para jovens que têm seus direitos violados, remodelagem da taxação de riquezas, pautas ambientais e um reconhecimento do território da favela como uma experiência de coletividade que pode ser levada para outros países. “As soluções para resolver os conflitos no mundo já existem, estão dentro das comunidades, das aldeias indígenas e dos quilombos. A sociedade civil é onde as políticas acontecem”.

O grupo de juventudes já existia no G7, que reúne as sete maiores economias do mundo, e a partir de 2010 tornou-se um dos grupos de engajamento do G20 Social com sociedade civil. Esses grupos se reúnem, discutem diferentes temas no contexto mundial e geram um Communiqué, um documento com as recomendações decididas em consenso e que será apresentado na reunião de líderes do G20.

Inclusão de jovens periféricos no debate

As desigualdades entre os jovens foram um tema recorrente no encontro do Rio. Embora a participação da juventude esteja crescendo nos debates públicos, como é o caso do Y20, parte da juventude continua sem participar de discussões em seu próprio país. Adolescentes e jovens somam hoje 1,8 bilhão de pessoas na faixa etária de 10 a 24 anos – um quarto da população mundial, de acordo com Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Maria Nascimento e Adriana Araújo, alunas do primeiro ano do ensino médio em escola pública são um exemplo disso. Elas contam que a experiência de estar em um espaço de discussão e participação dos jovens na elaboração de propostas e reflexões de tornar o mundo melhor é oportunidade que nunca tiveram antes.

Maria Nascimento e Adriana Araújo (da esquerda para a direita) estudantes de ensino médio em escola pública durante Y20. Foto: Letícia Santana

“É uma experiência nova, porque a gente nunca chegou a participar desse tipo de coisa. Não chega muita oportunidade assim para a gente, que é de escola pública”, afirma Adriana. A oportunidade, ou mesmo a falta dela, é um fator decisivo na participação do jovem na própria sociedade, apontou a OIT (Organização Internacional do Trabalho) em seu relatório divulgado este mês. Em 2023, segundo a OIT, 20,4% dos jovens em todo o mundo não estudam e nem trabalham. A perspectiva da OIT é diminuir esse percentual nos próximos anos, atingindo aproximadamente 12,8% em 2024 e 2025. O levantamento ressalta que a desigualdade no acesso à educação é uma das que mais dificultam o exercício efetivo da cidadania.

Encontro dos delegados nacionais e internacionais durante o último dia do Y20 Brasil. Foto: Julia Lima

Legado da delegação brasileira no Y20 para as demais delegações 

Shinan Yuanshinan, integrante da delegação chinesa no Y20, disse à Agenc que os debates explicitam a diversidade de ideias e países, que podem juntos influenciar decisões globais. Apesar de nenhum grupo de engajamento do G20 ter o poder de implementar ações, eles podem pressionar e contribuir para as recomendações se tornarem políticas públicas em seus países e em todo o globo. Yuanshinan também destacou a diversidade cultural do Brasil e a receptividade do povo brasileiro, no acolhimento dele e dos demais jovens.

Curtleigh Alaat, chefe da delegação sul africana no Y20 Brasil. Foto: Everton Victor

Curtleigh Alaat, representante da delegação sul-africana, afirmou que a principal experiência que ele levará da reunião brasileira para a de seu país, ano que vem, é a habilidade dos brasileiros de sempre procurar fazer o melhor para si mesmos e para quem é recebido no país. Para ele, isso cria a vontade de visitar o país como turista, e não só como delegação. Alaat disse que no evento do G20 no ano que vem, a ser realizado na África do Sul, onde vive, gostaria de replicar tanto a receptividade que a delegação brasileira teve presidindo o grupo.

O Y20 ainda não divulgou seu Communiqué. O que se espera é que as propostas dos jovens sejam entregues à Trilha de Sherpas (lideranças do G20) e de Finanças para pressionar a incorporação delas à Declaração dos Líderes dos países integrantes do G20. 

As propostas, além de incorporar outras temáticas, estarão alinhadas aos três eixos propostos pela presidência brasileira no G20. São eles o combate à fome, pobreza e desigualdade; o desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável e também a reforma da governança internacional. 

Para Ronald Sorriso, secretário nacional de Juventude, o legado do Brasil na presidência do G20 é a participação social direta com jovens de escolas públicas, movimentos sociais e outros que estiveram presentes durante a Cúpula do Y20. O grupo também realizou 30 diálogos regionais em todo o Brasil para trazer as demandas e reunir os anseios das múltiplas juventudes brasileiras. “Quando o jovem coloca a sua opinião, ele não está pensando na riqueza que vai ser aferida para ele e para seu país amanhã, ele quer saber se essa riqueza será sustentável ao longo do tempo”.

De acordo com Sorriso, a marca que o Brasil quer deixar no G20 vai muito além deste ano. “Nós queremos que no ano que vem, na África do Sul, e nos anos seguintes, nós tenhamos a permanência do G20 Social (criado pelo Brasil). Esse é o grande legado que o país quis passar”, afirma.

Ciência e Tecnologia no centro das eleições 2024

Ciência e Tecnologia no centro das eleições 2024

Tentativas de regulamentar o ambiente digital, vacinas e inteligência artificial serão temas em discussão nas disputas deste ano

Por Everton Victor

Urna Eletrônica. Divulgação: TSE

A três meses do primeiro turno das eleições municipais, os desafios digitais marcam os debates entre os candidatos a prefeito e vereador. Temas como o uso de reconhecimento facial nas ruas, a implementação de câmeras nas fardas policiais, o acesso à internet nas escolas e a digitalização dos serviços públicos estão no centro das discussões. São temas da cultura digital e que impactam de modo decisivo o dia a dia dos brasileiros.

A pesquisa “Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil” de 2023, realizada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), junto com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), mostra que 60% declaram se interessar pelas áreas de ciência e tecnologia. Por outro lado, quando perguntado se conhece alguma instituição de pesquisa científica, menos de 83% citaram alguma, já sobre conhecer algum cientista brasileiro apenas 9,6% citaram um nome.

Pela primeira vez, a eleição brasileira vai contar com a atuação do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE), criado em março deste ano pelo TSE. O órgão vai funcionar como uma estrutura auxiliar do TSE e dos Tribunais Regionais Eleitorais no combate às deepfakes (imagens ou sons humanos feita por IA), além de ser uma ferramenta educacional contra a desinformação. Em resolução publicada em fevereiro deste ano, o TSE endureceu o combate a fake news nas redes, responsabilizando também as big techs que não retirarem do ar posts de teor preconceituoso e/ou com informações falsas.

Outro tema de debate na campanha – as vacinas – também sofre o efeito do negacionismo científico. Recentemente, a Secretária Municipal da Saúde Rio emitiu um alerta sobre a baixa adesão à vacina da gripe na cidade. Ataques às instituições de pesquisas também ganharam força nas redes e no debate público. Em 2021 foi proposto na Assembleia Legislativa do Estado do Rio projeto Lei n°4.671/21, que pedia a extinção da Uerj. Após repercussão, o PL foi derrubado e considerado “inconstitucional”, nas palavras de André Ceciliano, então presidente da Casa. 

Semana da Ciência e Tecnologia. Foto: Agência Brasil

O professor Gerson Pech, diretor do Instituto de Física da Uerj, afirma que existe um longo trabalho para a uma cultura digitalizada plena, mas existe um caminho: aproximar o tema dos cidadãos. A cultura digital é a introdução, em menor ou maior grau, da tecnologia na sociedade e no cotidiano das pessoas. Na prática, ver em um aplicativo a hora que o ônibus passar, fazer uma transferência por Pix, documentos e exames digitalizados, tudo isso está inserido nessa cultura digital.

Na avaliação dele, é preciso explicitar que a cultura digital mexe diretamente com o cotidiano das pessoas. É central para a população reivindicar mais investimentos e ações no campo tecnológico e científico, de acordo com o professor.  Por isso, investir nestas áreas pode facilitar o cotidiano dos brasileiros e trazer uma maior eficiência para os serviços públicos. 

O linguajar difícil, a divulgação das produções de pesquisa restrita às revistas científicas, a pouca comunicação entre a academia e a população, tudo isso contribui para afastar a população da ciência. Para o professor da Uerj, é fundamental mostrar à população os avanços no campo da ciência e da tecnologia e o impacto deles na realidade. Tudo isso ajuda a  combater movimentos antivacina e a anticiência.

Para Pech, esses movimentos se enfraquecem quando são confrontados com o debate público, a sociedade compreende como  funciona a vacina e qual o papel da pesquisa e da universidade nesse contexto. “É preciso mostrar o papel da universidade e da ciência para, por meio da educação, desconstruir a intolerância”, afirma.

PL da regulação de inteligência artificial discute discriminação no ambiente digital 

PL da regulação de inteligência artificial discute discriminação no ambiente digital

Especialistas veem avanços com o projeto de lei, mas identificam um longo caminho para a fiscalização dos sistemas de inteligência artificial 

Por Everton Victor e Manoela Oliveira

 
Racismo algorítmico e os desafios da inteligência artificial / Imagem: Fractal Pictures (Shutterstock)

Racismo algorítmico é uma expressão nova para nomear como uma prática antiga, a discriminação, se reproduz no ambiente digital. É o que acontece, por exemplo, quando o aplicativo do banco não reconhece um rosto negro, buscas de pesquisas relacionam pessoas negras a pessoas feias ou imagens clareiam automaticamente a pele negra. Debates assim, que envolvem os vieses dos dados, a autorregulamentação por grandes empresas e a falta de segurança no ambiente digital, estão em curso hoje no mundo. No Brasil, a discussão passa pelo Projeto de Lei 2338/23, que institui um marco legal com mecanismos e orientações para regulamentar a inteligência artificial no Brasil. A votação do PL 2338/23 foi adiada três vezes e, até o momento, não foi definida uma nova data. 

O PL 2338/23 é de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e tem relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO). O texto preliminar que deu origem ao projeto foi sugerido por uma comissão de especialistas no tema, coordenada por Ricardo Villas Bôas, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). As propostas apresentadas neste projeto agregam sugestões de outros nove PLs sobre regulamentação do ambiente digital.

Reunião da Comissão Temporária Interna do Senado que analisa o PL 2.338/2023 Foto: Lula Marques / Agência Brasil

O pesquisador Pablo Nunes, doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-Uerj), diz que o projeto chega num momento decisivo, porque não existe uma neutralidade nos dados. Eles  partem de um contexto e de um histórico ligados à realidade. “Esses bancos de dados nada mais são do que a história da sociedade humana materializada em números”, afirma. E isso tudo permite falar em racismo algorítmico, o que é, segundo o pesquisador, “a forma atualizada e repaginada do racismo se expressar, permitindo que o racismo estrutural consiga sobreviver neste mundo digital e tecnológico”.

Apesar do termo racismo algorítmico não aparecer na proposta inicial do PL, o projeto discorre sobre discriminação de raça, cor, etnia, gênero e origem geográfica. O documento reforça o combate a preconceitos como um dos fundamentos da implementação de inteligência artificial. Estudar racismo algorítmico permitiria não é só descobrir e analisar os impactos, mas também fornecer sugestões de políticas públicas para os danos serem mitigados, afirma Tarcízio Silva, doutorando em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC (UFABC) e autor do livro Racismo Algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais.

Os efeitos do racismo algorítmico são sentidos, por exemplo, no tratamento de saúde de pessoas negras. Um estudo realizado em Boston, nos Estados Unidos, examinou cerca de 57 mil pacientes com doença crônica renal em centros médicos acadêmicos e clínicas comunitárias. E mostrou que, entre 2.255 pacientes negros, 743 seriam hipoteticamente realocados para o estágio de doença grave se fosse utilizado o mesmo algoritmo de pacientes brancos. 

Ao não serem classificados como pessoas que precisam de atendimento hospitalar emergencial, eles não têm prioridade no encaminhamento para transplantes e no acesso à diálise, procedimento de recuperação da função renal. Na avaliação de Pablo Nunes, esse caso é um exemplo de racismo algorítmico, que explicita os prejuízos sofridos pela população negra em comparação com outros grupos. 

Para o pesquisador, o desafio é equilibrar a utilização desses mecanismos, tendo em vista os bancos de dados já terem todos esses vieses. “As tecnologias, por serem frutos da história humana, não vão romper com o racismo, muito pelo contrário, elas vão procurar reproduzir”. Outro exemplo citado por ele vem da Bahia, onde a Polícia Militar utiliza uma ferramenta de inteligência artificial visando reconhecer pessoas com mandados de prisão decretados. Mas os casos de erro não são raros. Em 2023, um trabalhador foi identificado pela ferramenta e preso erroneamente por 26 dias em 2023. Sobre o caso, a Secretária de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) argumentou que as câmeras constataram 95% de similaridade entre ele e o verdadeiro infrator. “A gente tá falando de vidas humanas que são destroçadas”, reforça Pablo Nunes.

Para Tarcízio Silva, há uma divergência entre o que os legisladores consideram ser o desejo dos brasileiros com a inteligência artificial e a perspectiva real da população. Na análise do professor da XXX, a maioria dos brasileiros desconfia desses sistemas, especialmente no campo da segurança pública, área com grande utilização  de IA pelo governo. Uma pesquisa do Instituto IDEA com a colaboração do Brazil Forum UK conta que 73% de 1.073 entrevistados apoiam a criação de regras para o uso de IA no Brasil.

 
Gráfico interativo: Quem ou qual órgão os brasileiros acreditam que deveria regularizar a IA
Fonte: Reprodução de Manoela Oliveira, com dados do Instituto IDEA

O projeto de lei 2338/2023 prevê a supervisão e a fiscalização das inteligências artificiais pelo Poder Executivo, com base em critérios como a gravidade da infração, a condição socioeconômica e a cooperação do infrator. Caso uma empresa ou uma pessoa física não obedeça aos fundamentos de igualdade, não descriminação, proteção ao meio ambiente e privacidade no desenvolvimento de uma IA.

Até hoje (13), a Consulta Pública sobre o PL realizada pelo Senado acumulava mais de 66 mil votos, sendo 47,1% contra o projeto. Os debates de como regular o ambiente do tema não estão restritos apenas ao Brasil. Nos grupos de engajamento do G20, foi recomendado para os líderes das 20 maiores economias do mundo a criação de um grupo de governança global para dados, o Data20 (D20). Países da União Europeia, o Canadá e outras nações que participam do bloco já regulamentaram ou estudam como regulamentar.

‘É possível até 2026 tirar o Brasil do mapa da fome’, afirma Wellington Dias

‘É possível até 2026 tirar o Brasil do mapa da fome’, afirma Wellington Dias

Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, liderada pelo Brasil como parte dos eventos do G20, está aberta à adesão de outros países

Por Everton Victor e Julia Lima

O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, afirmou que o Brasil sairá do mapa da fome até o final desta gestão do governo Lula. Dias participou nesta quarta (23/07), no Rio de Janeiro, de um evento do G20 para o pré-lançamento da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza. O encontro aconteceu no Galpão da Cidadania, Centro do Rio de Janeiro, com participação de representantes de mais de 30 países.

Ministro Wellington Dias no lançamento do relatório da FAO (Foto: Everton Victor)

No evento foi lançado o relatório “O Estado de Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2024”, produzido pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) com dados sobre o assunto. O estudo também discute formas de financiamento para acabar com a fome, a insegurança alimentar e má nutrição. Foi a primeira vez que o relatório foi lançado fora do eixo Nova York-Roma, onde ficam as sedes da ONU e da FAO.

O relatório mostra que a América Latina foi a única região do mundo em que houve diminuição da fome, de 5,9% em 2022 para 5,4% em 2023. O destaque vai para a América do Sul, onde a proporção da população em situação de fome caiu de 5,9% para 5,2%. Apesar da melhora na região, o mundo conta com mais de 733 milhões em insegurança alimentar, e a América Latina continua sendo a 3° região com a maior concentração de pessoas nesta condição.

Evento de lançamento do relatório “O Estado de Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2024” (Reprodução: Julia Lima)
 
 
 
No Brasil, a insegurança alimentar severa – quando a pessoa passa mais de um dia sem ter acesso a comida e sem comer – caiu de 8% (17,2 milhões de pessoas) para 1,2% (2,5 milhões) da população, o que significa que 14,7 milhões de pessoas deixaram de passar fome no país de 2022 para 2023. “Se a gente compara com outros países, foi um grande resultado”, afirmou o ministro.
 

Aliança Global contra a Fome e a Pobreza

Tendo em vista o aumento de pessoas em situação de fome e pobreza desde 2019, o Estado brasileiro assumiu, no final da cúpula do G20 do ano passado, a responsabilidade de criar uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. No dia 24, depois do lançamento dos dados do ano passado sobre o tema, a Aliança foi aprovada por unanimidade durante reunião de ministros do G20 e aberta para adesões. Poucas horas depois, Brasil e Bangladesh já haviam aderido à iniciativa. 

De acordo com Thiago Lima da Silva, coordenador da força tarefa da Aliança pelo Ministério da Fazenda, Portugal, Espanha e Noruega já se comprometeram a ajudar no financiamento dos trabalhos, e, consequentemente a participar do grupo.

Reunião Ministerial de Abertura da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza (Reprodução:Ricardo Stuckert/PR)

Todas as ações do G20 precisam ter consenso, ou seja, todos precisam concordar para que qualquer projeto ou recomendação seja lançado. No caso da Aliança, apesar de endossarem e concordarem com a relevância desta iniciativa, os países não precisam necessariamente aderir a ela. A atuação da Aliança pretende se estender para além dos países do G20.

As nações aderem de acordo com suas necessidades, seja financiando projetos, pedindo colaboração para adotá-lo em seu território ou os dois, como é o caso do Brasil. O investimento dos países será apenas no funcionamento dos escritórios da Aliança, em Roma e no Brasil, orçado em cerca de 18 milhões de dólares até 2030. O Brasil, por ser o fundador, arcará com 50% desse valor.

“A aliança não precisa ter um fundo, porque vai ajudar a conectar os fundos que existem com os países que querem fazer cooperação internacional, isso diminui os riscos para os doares pois eles vão doar para políticas que são testadas e aprovadas”, explica Thiago.

A ideia é implementar ações de combate à fome e à pobreza, adaptando o projeto e sua implementação para as necessidades de cada país, reunindo ações econômicas e políticas. A iniciativa não prevê mecanismos de vigilância e fiscalização dos investimentos direcionados para essa aliança, eles serão de responsabilidade dos países, cabendo às legislações e órgãos de justiça de cada país. 

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, esteve presente ao evento e parabenizou a liderança do Brasil e o esforço dos demais países na elaboração da proposta. “É o momento mais relevante dos meus 18 meses de mandato, nenhum tema é mais atual e desafiador do que a fome. A fome é um atentado à vida, um atentado à liberdade”. A temática da fome e o enfrentamento à pobreza é um dos três eixos assumidos pela presidência brasileira no G20. O país vai apresentar para o público a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza na Cúpula dos Líderes, nos dias 18 e 19 de novembro na cidade do Rio.

Pesquisadores recomendam ao G20 criação de grupo de governança global para dados

Pesquisadores recomendam ao G20 criação de grupo de governança global para dados

Proposta é que Data 20 ajude no esforço global para regulamentar mundo digital 

Por Everton Victor e Julia Lima

Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

O T20, equipe de trabalho do G20 com pesquisadores e think tanks, sugeriu em seu documento final a criação de um grupo para tratar de cooperação e segurança de dados. O Data20 (D20) trataria de temas como regulação e trabalho com dados, Inteligência Artificial e justiça climática, armazenando os dados das nações, e daria suporte para os outros grupos de trabalho.  

Proposta de criação do D20. (Reprodução: Communiqué do T20)

Num momento de apagões cibernéticos, vazamento de dados e avanço da Inteligência Artificial, a ideia da criação do grupo surgiu dos recentes desafios com a regulação de uso de dados pelas plataformas em âmbito brasileiro e mundial. Debates sobre o limite do uso da Inteligência Artificial e os impactos de algoritmos discriminatórios permeiam as discussões de como os governos devem intervir. Por isso, o grupo também teria o papel de promover discussões que reduzam os danos causados por essas tecnologias, imponham limites a elas e promovam penas para quem os desrespeitasse.

A criação do D20 foi uma das propostas surgidas nos encontros dos pesquisadores do T20, que aconteceram ao longo do ano, e levaram a criação do Communiqué, documento final com as 10 principais sugestões para as 20 maiores economias do mundo. O documento foi apresentado ao público nos dias 2 e 3 de julho durante o The T20 Brasil Midterm Conference.

O D20 também seria responsável por fiscalizar a implicação de cada política e dado criados pelos grupos de engajamento que compõem o G20. Denise Direito, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), afirma que ainda não há definição de como essa atividade aconteceria, já que o Communiqué apresenta apenas sugestões. O funcionamento seria definido de acordo com a evolução dos trabalhos do grupo.

Para Luciana Mendes, presidente do Ipea, a criação de uma força global sobre dados pode ser um aliado no debate de como os países devem lidar com a Inteligência Artificial. Ela destaca que a criação deste mecanismo pode trazer o debate da importância e um esforço de como regular as redes para todo o globo, aliado a outras frentes que o D20 possibilitaria. “Aprimora a cooperação de dados sobre temas transversais”, afirma.

No Brasil, o debate sobre a regulamentação da Inteligência Artificial (IA) está em tramitação no Senado Federal. O Projeto de Lei (PL) 2338/23 reúne uma série de propostas de como regulamentar a IA no Brasil. Países da União Europeia, a Argentina e outras nações integrantes do G20 já regulamentaram ou estudam regulamentar a internet. Denise destaca que a criação do D20 pode ajudar os países do bloco a definirem consensos mínimos de qual seria a base de regulação sobre o tema.

Sobre o T20

O Ipea, junto com a Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e o Centro Brasileiro de Relações Internacionais, compõem o comitê organizador do T20.  Apesar da predominância brasileira no grupo, Luciana reforça a diversidade de nos debates, reuniões e elaboração do grupo de engajamento. Ao todo 170 think tanks nacionais e internacionais com representantes de 33 países participam do T20.

Presidente do Ipea na abertura da reunião do T20. (Reprodução: Julia Lima)

A gestão brasileira segue na presidência do G20 até novembro. No caso do  grupo de engajamento, após a entrega do Communiqué, o foco é “avançar em estratégias de implementação das recomendações”, de acordo com a presidente do Ipea. Os líderes das 20 maiores economias do mundo devem se reunir nos dias 18 e 19 de novembro no Rio de Janeiro, capital do G20 nesta edição.

Parceria IBGE-Uerj pela soberania de dados

Parceria IBGE-Uerj pela soberania de dados

Instituições buscam aproximar população mais jovem do uso de informações públicas e vão realizar conferência para discutir assunto

Por Julia Lima

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) firmaram um acordo para estudos e produção de dados. Um dos pontos centrais da parceria é a realização da Conferência Era Digital, que acontecerá no campus Maracanã entre os dias 29 de julho e 2 de agosto. Estão na programação palestras do presidente Lula, da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, do presidente do IBGE, Marcio Pochmann, e do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro. 

A conferência vai discutir a soberania brasileira sobre os dados aqui gerados, como é possível lidar com o domínio das big techs nessa área e como consolidar o Sistema Nacional de Geociências, Estatística e Dados (Singed). As inscrições são gratuitas e cada inscrito ganhará um mapa-múndi produzido pela instituição, com o Brasil no centro.

O anúncio da parceria, no último dia 25, contou com a presença do presidente do IBGE, Marcio Pochmann, e da reitora Gulnar Azevedo. Durante o evento, foi inaugurado também um totem interativo ao lado da Livraria EdUerj, que permite que o usuário acesse 1,5 bilhão de dados e 1 trilhão de variáveis de pesquisas do Instituto.

 

Lançamento do totem com Daniel Castro (IBGE), Marcio Pochmann (IBGE) e Gulnar Azevedo (Uerj) (Reprodução: Uerj)
 

A ideia da parceria surgiu de Adair Rocha, professor do departamento de Relações Públicas da Uerj, em uma tentativa de homenagear Pedro Geiger, ex-geógrafo do IBGE e professor da Uerj, que recebeu o título de Doutor Honoris Causa aos 101 anos. No final, passou a ser uma colaboração em que o IBGE produz dados e a Uerj, a partir de seus pesquisadores e estudantes, produzirá pesquisas e estudos que ajudarão na formulação de novas políticas públicas, tendo sempre como centro o combate às desigualdades.

Segundo Daniel Castro, coordenador-geral do Centro de Documentação e Disseminação de Informação e Coordenação de Comunicação Social do IBGE, a parceria aproxima o Instituto das universidades e dos mais jovens e, consequentemente, o espaço acadêmico da gestão pública. Para tal, além do totem, será inaugurada uma sala interativa, onde serão disponibilizados dados sobre a juventude, com recortes como gênero, raça e localização, e também estágios para a comunidade uerjiana. O local contará com funcionários do IBGE para auxiliar os visitantes.

Daniel Castro (IBGE) e Adair Rocha (Uerj) (Reprodução: Everton Victor)

Mapa mundi para o G20 com o Brasil no centro (Reprodução: IBGE)

Castro afirma que o Brasil não pode mais ser apenas um fornecedor de dados para empresas internacionais, sem que nem mesmo o governo do país tenha tantas informações sobre seus próprios habitantes; e ainda mais, que esses dados não deveriam ser utilizados para gerar lucros tão exorbitantes. Para ele, o país deve sair da posição de apenas consumidor para se tornar produtor e soberano quanto às informações de seus habitantes.

“Decisões judiciais estão aí para serem cumpridas”, afirma presidente do Google no Brasil

“Decisões judiciais estão aí para serem cumpridas”, afirma presidente do Google no Brasil

Em palestra na Web Summit Rio, Fábio Coelho alertou sobre desinformação

Por Everton Victor

Fábio Coelho, presidente do Google Brasil / (Reprodução: Web Summit)
 
 
 
 

Convidado da Web Summit Rio, o presidente do Google Brasil, Fábio Coelho, defendeu em sua palestra a obrigação inquestionável de empresas cumprirem decisões judiciais. Também falou da responsabilidade das bigtechs para combater a desinformação, ainda que, em seu entendimento, essa também seja uma responsabilidade estendida aos cidadãos. 

Na semana passada, o Google Brasil anunciou que não irá permitir anúncios políticos nas suas plataformas, decisão que está alinhada à resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O anúncio do Google prevê que a partir de maio todos os serviços da big tech estarão proibidos de impulsionar anúncios de propagandas de candidatos, partidos, coligações, e qualquer assunto veiculados à eleição municipal deste ano. Essa mudança na política interna da plataforma foi revelada pelo portal  Poder 360 e confirmada pelo Estadão.

A medida é uma tentativa de se adequar à resolução nº 23.732 do TSE de fevereiro deste ano sobre o uso da inteligência artificial na campanha eleitoral. O artigo 9-D da resolução afirma: “É dever do provedor de aplicação de internet, que permita a veiculação de conteúdo político-eleitoral, a adoção e a publicização de medidas para impedir ou diminuir a circulação de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que possam atingir a integridade do processo eleitoral”. Big techs, como a Meta, já anunciaram esforços para conter desinformação em suas plataformas.

Palco principal do Web Summit Rio / (Reprodução: Vaughn Ridley/Web Summit Rio)

Em um dos principais palcos de tecnologia do mundo, o presidente do Google Brasil reforçou o compromisso das empresas não se isentarem na luta contra a desinformação. “As decisões judiciais, especialmente da Suprema Corte, estão aí para serem cumpridas. As empresas têm um papel de valorizar o jornalismo de qualidade, apoiar a verdade e trabalhar com empresas que fazem checagem de fatos, para que o conteúdo de qualidade seja mais valorizado”, concluiu

Coelho destacou também a relevância do mecado brasileiro para as bigtechs. “O Brasil é um dos cinco maiores mercados do mundo, é um país que merece um status diferenciado (…) é um dos países foco dentro Google, a gente chama esses países de ‘Country of Focus’, que tá fazendo nos consiga trazer o segundo centro de engenharia do Google no Brasil”, explicou

O papel da inteligência artificial também foi um dos temas de sua palestra. Para Coelho, a obrigação de empresas como o Google é se engajar em políticas públicas para facilitar a difusão do conhecimento e de conteúdos.

Marcelo Eduardo, co-fundador da multinacional  Work & Co, empresa que desenvolve soluções para o Google, Apple e outras bigtechs, afirmou que a inteligência artificial vai cada vez mais ajudar nos processos, mas sem substituir a capacidade criativa e de interpretação das pessoas. O executivo afirmou que a tecnologia tem a capacidade de empoderar a sociedade através da disseminação de informação e citou como exemplo uma ferramenta criada pela empresa para que os professores possam dar aulas no Google Earth. Em sua opinião, não adianta uma empresa pensar em novas tecnologias, sem pensar em quem vai utilizá-la, “focando em usabilidade, acessibilidade, em prestar atenção a quem tá do outro lado”. 

 
 

Falta de regulamentação das redes favorece ataques à democracia, alerta Muniz Sodré

Falta de regulamentação das redes favorece ataques à democracia, alerta Muniz Sodré

Professor emérito da UFRJ discutiu ganhos e riscos da sociedade digital em aula inaugural na FCS

Por: Everton Victor

Muniz Sodré / Reprodução: Gov.br


Num ano com mais de 70 eleições pelo mundo, um alerta: as redes sociais potencializam a ausência de aprofundamento histórico, e isso beneficia políticos de extrema direita. O aviso foi feito pelo professor emérito da UFRJ Muniz Sodré na aula inaugural da aula inaugural da Faculdade de Comunicação Social (FCS) da Uerj, no último dia 21 de março.

Baiano, candomblecista, jornalista, formado em direito, sociólogo, capoeirista, Muniz Sodré é, aos 82 anos, um dos principais pensadores da comunicação no Brasil. Dono de uma obra múltipla, escreveu livros obrigatórios para sucessivas gerações, como A Comunicação do Grotesco e O Monopólio da Fala. Seus penúltimo livro, A Sociedade Incivil (2021), analisa o caminho pelo qual a cultura do algoritmo levou a uma sociedade incivilizada, que rejeita cidadania, diferenças e pensamento crítico para  privilegiar o desmonte da política. 

Na análise de Muniz, a anarquia da internet não é uma distopia ou um desvio, mas sim um status quo próprio do ambiente digital. “Nenhuma cultura resiste à sua digitalização”, afirmou, destacando que o ambiente digital se retroalimenta dessas ruínas e da ausência de história. Para ele, nas redes nada acontece como um caso isolado e nada acontece como exceção à estrutura – tudo está previsto. E a falta de regulamentação sobre o que é ou não permitido nas redes torna ainda mais corriqueiros os ataques à democracia.

Segundo o professor, a estrutura das redes sociais serve para beneficiar políticos de extrema direita. “A tecnologia se ausenta de História”, aponta. Na sua perspectiva, ao invés de um debate de ideias, muitas vezes essas redes privilegiam ataques preconceituosos, ideias supremacistas e suspeitas infundadas sobre o sistema eleitoral. Donald Trump, nos Estados Unidos, Javier Milei, na Argentina, Jair Bolsonaro, no Brasil, e Recep Erdogan, na Turquia, são apenas alguns exemplos que “surfaram” nessa ausência de história.

Quantidade de denúncias da série histórica. Foto: SaferNet Brasil

Essa fragilidade da democracia está presente no levantamento realizado pela Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, da Safernet Brasil. A ferramenta registrou em  2022 mais de 74 mil denúncias de crimes de ódio nas redes sociais em todo o país, um aumento de 67% em relação ao ano anterior. É o maior contingente de denúncias contra crimes de ódio da série histórica. Só os casos de xenofobia cresceram quase 900%, enquanto os relatos de intolerância religiosa subiram 456% em relação a 2021, segundo a instituição.

De acordo com Muniz Sodré, existe uma vontade humana comum a todos os seres:  a necessidade de integração. Isso também se aplica às redes e leva o indivíduo a reproduzir determinados discursos preconceituosos, mas isso não o isenta de  responsabilidade sobre o que propaga. As redes passam a abrir espaço para discussões e visões preconceituosas. Sem regulamentação, sem mediação pelas redes e com um forte sentimento de impunidade, o ódio se instaura no ambiente. “Nenhuma cultura resiste à sua digitalização. Não é que as pessoas por trás das postagens sejam maldosas, o ódio é que é veloz”, completa. 

Em ano de eleições municipais no Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou que vai reforçar a segurança no âmbito digital. Decisão recente do TSE proíbe o recurso a deep fakes e determinou que o uso de inteligência artificial seja informado explicitamente ao leitor e proibiu explicitamente o uso de recursos de IA para simular a interlocução do candidato com o eleitor.  O debate sobre os limites e a regulação das redes sociais se estende para diversos países da União Europeia, Estados Unidos e México. Apesar da complexidade do tema, existe um consenso entre os tribunais eleitorais no mundo sobre a urgência de mitigar os impactos negativos da internet nas eleições. 

Navezinha do Conhecimento aterrissa na Uerj


Navezinha do Conhecimento aterrissa na Uerj

Espaço oferecerá acesso à internet e cursos gratuitos de formação tecnológica; projeto resulta de parceria entre reitoria e prefeitura do Rio

Por Maria Eduarda

Espaço da Navezinha da Uerj / Foto: InovUerj
   

Parece uma sala comum com vários computadores, ao lado da fila das quentinhas do bandejão, onde funciona o Departamento de Inovação. Mas a sala, se tudo correr como planejado, pode ser o início de muitos projetos de inovação para a comunidade universitária. Lá vai funcionar a Navezinha do Conhecimento da Uerj, uma versão menor das Naves do Conhecimento, espaços criados para oferecer acesso à internet e cursos gratuitos de formação tecnológica à população carioca. 

A instalação da Uerj foi pensada como uma extensão da Nave do Conhecimento Beth Carvalho, situada na Mangueira. Qualquer aluno, funcionário da universidade ou residente próximo vai ter a chance de aproveitar os serviços oferecidos.

O anúncio da Navezinha da Uerj foi feito durante o lançamento do edital do Programa Jovens Cientistas Cariocas, no último dia 5, com a presença de autoridades municipais e de dirigentes da universidade.

Este ano, o programa Jovens Cientistas Cariocas vai incentivar 100 iniciativas inovadoras de estudantes inscritos em Instituições de Ensino Superior (IES) que busquem melhorar a cidade do Rio de Janeiro e possam ser aplicadas em territórios adjacentes às Naves do Conhecimento. Os selecionados receberão uma bolsa-auxílio no valor de R$800. As inscrições acontecem até 15 de março.

Para a secretária de Ciência e Tecnologia da cidade do Rio, Tatiana Roque, promover iniciativas voltadas à inclusão digital é de grande importância: “Precisamos desenvolver tecnologias voltadas para resolver problemas sociais. A tecnologia não deve ser vista apenas para fomentar negócios, ela também deve servir para solucionar problemas ambientais e sociais.” 

Segundo ela, a expectativa com a Navezinha da Uerj é desenvolver projetos capazes de criar parcerias entre a comunidade acadêmica, a prefeitura e o território ao redor da universidade. “Vamos poder oferecer os serviços da Nave para a população, mas em parceria com professores e estudantes da Uerj, então serão professores da Uerj fomentando esses serviços tanto de formação digital quanto de inclusão digital.

A previsão é que a Navezinha seja inaugurada no dia 26 de março e os cursos sejam iniciados em abril. Tatiana Roque explica que em geral, no início, as Navezinhas oferecem cursos básicos de informática e com o tempo vão se adaptando a demanda.

A psicóloga Cecília Silva conheceu o projeto das Naves enquanto trabalhava em uma clínica da saúde em Rocha Miranda. Os profissionais costumavam encaminhar pacientes para as oficinas oferecidas pela Nave do Parque Madureira. “É importante pensar em atividades para além daquelas stricto sensu saúde, atividades psicossociais de sociabilidade”.

Cecília e sua câmera na Nave do Engenhão / Foto: Acervo Pessoal de Cecília

Cecília também participou de vários cursos oferecidos e o que mais a marcou foi o curso de Fotografia Antirracista. “Fiquei fascinada com a possibilidade de fazer um curso de fotografia que trabalhava o resgate e a potencialidade da negritude.” Hoje a psicóloga também se considera fotógrafa graças ao curso que teve a oportunidade de fazer: “A Nave do Engenhão, local onde eu fiz o curso, tem uma estrutura tecnológica de primeiro mundo. Nós não estamos acostumados a ver o dinheiro dos nossos impostos sendo aplicado na cidade, como acontece no projetos das Naves do Conhecimento”. Em 2016, o projeto Naves do Conhecimento recebeu o prêmio Visionary of the Year Award 2016, conferido pelo Intelligent Community Forum (ICF).