A nova face do Brasileirão: 147 gringos em campo

A nova face do Brasileirão: 147 gringos em campo

Atletas de Argentina, Uruguai, Colômbia e Paraguai dominam a lista de estrangeiros.

Por: Gabriel Amaro

Lucero marcou o segundo gol da vitória do Fortaleza contra o São Paulo na abertura do Brasileirão. O primeiro foi do também argentino Machuca. Foto: Leonardo Moreira/Fortaleza EC.

O futebol brasileiro, tradicionalmente um exportador de talentos, enfrenta uma nova realidade: a crescente presença de jogadores estrangeiros em seus campeonatos. Atualmente, segundo a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o número de atletas não brasileiros inscritos no Boletim Informativo Diário (BID) alcançou a marca histórica de 300.

Essa cifra engloba jogadores de todas divisões, desde as ligas amadoras até a elite do Brasileirão, que sozinho viu um salto de 45,5% na participação de estrangeiros, passando de 101 para 147 inscritos neste ano. A Série B, por sua vez, viu um aumento ainda mais significativo: um salto de 181,25% no número de jogadores estrangeiros, indo de 16 para 45, evidenciando um movimento que se estende por toda a estrutura do futebol nacional. A presença de jogadores de Argentina, Uruguai, Colômbia e Paraguai é particularmente notável, com destaque para os argentinos, que lideram com 42 atletas na Série A.

O Botafogo é o clube com mais jogadores estrangeiros — são dez atletas internacionais, seguido de perto pelo Athletico, Internacional, Fortaleza, e Grêmio, cada um com nove jogadores de diversas nacionalidades. Flamengo, Cruzeiro, Atlético Mineiro e São Paulo também mantêm uma presença significativa de seis a oito jogadores estrangeiros. Curiosamente, o Juventude se destaca por ser o único clube na Série A que não conta com jogadores internacionais em seu plantel, mantendo uma equipe composta exclusivamente por atletas brasileiros.

Em uma decisão unânime durante o Congresso Técnico virtual do Brasileirão, os dirigentes e capitães dos 20 clubes da Série A concordaram em expandir de sete para nove o número de jogadores estrangeiros que podem ser relacionados por equipe em cada partida. O ajuste regulatório reflete a tendência de internacionalização dentro da liga, marcando a segunda elevação consecutiva no limite, que teve o aumento de cinco para sete jogadores em 2023 e de três para cinco em 2014.

Para Leda Costa, professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisadora do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte (Leme), a internacionalização dos clubes afeta a relação entre torcedores e a seleção brasileira, já que muitos atletas da seleção têm pouca ou nenhuma passagem pelo futebol nacional, reduzindo a oportunidade de desenvolver laços afetivos com o público.

Esse distanciamento, segundo a especialista, pode ser menos evidente nos clubes, que mantêm uma base de torcedores fiéis, mas ainda assim, a dinâmica de idolatria e a identificação com novos ídolos internacionais estão se transformando. Ela cita como exemplo os torcedores do Vasco que levantam a bandeira da França em apoio ao jogador Payet.

Costa avalia que essa tendência de maior presença de jogadores estrangeiros não necessariamente prejudica a formação de talentos locais. Pelo contrário, a venda de promessas nacionais ainda representa uma fonte vital de receita, que, paradoxalmente, financia a compra desses mesmos atletas internacionais. Ela aponta que muitos clubes, como o Flamengo, utilizam os recursos obtidos com essas vendas para investir em jogadores de alto calibre, tanto nacionais quanto estrangeiros.

No entanto, Costa também chama a atenção para a rápida transferência de jovens promessas brasileiras para o exterior, muitas vezes antes que possam deixar uma marca significativa em seus clubes formadores ou na primeira divisão nacional. Essa prática pode limitar a experiência desses atletas em competições de alto nível em seu próprio país, o que é crucial para o desenvolvimento integral como jogadores.

Andrey Santos, ex-Vasco, foi emprestado pelo Chelsea três vezes e não atuou em partidas oficiais pelo clube. Foto: Divulgação/Chelsea.

Uma série de talentos emergentes do futebol brasileiro migrou para clubes europeus em 2023. Entre eles, Adson, revelado pelo Corinthians, transferiu-se para o Nantes e enfrentou dificuldades para emplacar no novo time, retornando ao Brasil em 2024 ao ser vendido para o Vasco. Situações semelhantes são vivenciadas por Andrey Santos e Ângelo, que, apesar das grandes expectativas, encontram-se emprestados pelo Chelsea ao Strasbourg, da França.

A especialista observa que a saída prematura de jovens talentos pode comprometer não apenas seu desenvolvimento técnico e tático, mas também o emocional e psicológico. A adaptação a novos ambientes culturais e esportivos é complexa e pode ser prejudicada pela pressão imediata por resultados. “Ir cedo para um país de fora, não ter tempo de adaptação nos seus clubes aqui no Brasil, implica também não ter tempo de um amadurecimento atlético e emocional suficiente para auxiliar numa transformação tão radical que é jogar fora do Brasil”, explica Costa.

Ela comenta sobre como esses desafios podem criar uma imagem de “fracasso” para jogadores que retornam ao Brasil, uma etiqueta que carregam injustamente devido às expectativas desproporcionais e à natureza impiedosa do mercado de transferências.

É popular, mas exclui o povo.

É popular, mas exclui o povo.

Pesquisas apontam o avanço no processo de elitização dos estádios.

Por: Livia Bronzato

Foto: Ricardo Stuckert/CBF

O preço dos ingressos para a final do Campeonato Carioca, entre Flamengo e Nova Iguaçu, variou entre R$ 140 e R$ 600, considerando o valor das inteiras. Tendo em vista que o ingresso mais barato tem valor equivalente a 10% do salário mínimo atual, coloca-se em evidência a exclusão de importante parte da torcida que a cobrança desses valores gera.

Para as famílias brasileiras, o futebol representa uma paixão hereditária, um domingo de união para assistir ao jogo ou uma memória feliz quando seu time conquista alguma taça. O futebol faz parte da cultura do Brasil e é o esporte mais popular do país. Entretanto, os dados mostram que, cada vez mais, o acesso aos estádios distancia-se do caráter popular e aproxima-se da mercantilização desses espaços.

O ranking de maiores tickets médios, segundo a Pluri, consultoria especializada em análises do futebol brasileiro, considerando de janeiro a dezembro de 2023, mostra que o Flamengo tem os ingressos mais caros (R$ 81,12), seguido por Palmeiras, São Paulo e Grêmio (R$ 77,74, R$ 71,38 e R$ 69,79, respectivamente). A lista também conta com outros nomes, como: Tombense (R$ 67,85), América MG (R$ 66,84), Corinthians (R$ 60,84), Vasco (R$ 56,32), Atlético MG (R$ 55,96) e Fluminense (R$ 52,91). Oito entre esses dez clubes fazem parte também do ranking de maior número de torcedores, sendo o Flamengo novamente o líder, de acordo com a revista Placar.

Foto: Secretaria de Cultura RJ

A vibração das arquibancadas é feita pelos próprios torcedores. Ao impedir que as classes mais populares tenham contato com os jogos nos estádios, cresce a chance de, futuramente, a tradição e a renovação da paixão por esse esporte sofrerem um esvaziamento por conta da distância entre clube e torcedor.

“Gastronomia sustentável” é a alternativa ao desperdício de alimentos

“Gastronomia sustentável” é a alternativa ao desperdício de alimentos

Mais de um bilhão de comida vai para o lixo em todo o mundo, segundo dados recentes da ONU. Chefs e nutricionistas pensam em soluções

Por: Vitória Thomaz

Maristella Sodre Chef de Cozinha sustentável dando aula em um evento. Foto: Acervo pessoal

O Relatório do Índice de Desperdício de Alimentos 2024 do PNUMA (Food Waste Index Report) indica que domicílios de todo o mundo desperdiçaram mais de 1 bilhão de refeições por dia em 2022, enquanto 783 milhões de pessoas foram afetadas pela fome e parte da humanidade enfrentou insegurança alimentar. O problema do descarte indevido de alimentos é persistente e causa diversos danos. É nesse contexto que chefs e nutricionistas têm pensado na sustentabilidade no dia-a-dia para minimizar os desperdícios.

O termo “sustentabilidade” é o ato de usar conscientemente os recursos naturais sem comprometer o bem-estar das gerações futuras, e ela pode ser aplicada também na culinária. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o desperdício de alimentos causa entre 8% e 10% dos gases de efeito estufa, contribuindo para o aquecimento global. Esse desperdício começa desde a produção agrícola inicial até o consumo das famílias.

A chef de cozinha Maristella Sodre explica que a Gastronomia sustentável, da qual possui especialização, é voltada para um olhar sustentável para a alimentação. “É uma gastronomia que utiliza técnicas de aproveitamento integral dos alimentos, evitando o desperdício e promovendo a importância de todos os nutrientes dos alimentos”. Para ela, o desperdício é um tópico de preocupação, e por meio da culinária a chef aplica técnicas que visam reduzir a perda de alimentos.

Sodre destaca que o descarte indevido de alimentos é um problema social e também para o planeta. “São toneladas e toneladas de alimentos descartados de maneira imprópria liberando gases tóxicos prejudicando o meio ambiente. Ainda se tem o agravante de milhões de pessoas estarem passando fome. A quantidade desse desperdício, daria para alimentar toda essa população faminta e ainda sobraria”.

Maristella Sodre ressalta que a população pode ter atitudes no seu dia a dia que ajuda a reduzir o desperdício, e uma delas seria a do aproveitamento integral dos alimentos. Isso inclui a utilização de um alimento por completo, como as partes não convencionais como: as cascas, talos e sementes. “Planejando suas compras semanais e utilizando técnicas de aproveitamento integral dos alimentos”, diz Sodre.

Projeto social de culinária sustentável

Há muitos exemplos de culinária sustentável no Rio. “Angu das Artes” é o nome do projeto social liderado por Angélica Nobre, de 51 anos. A gestora ambiental e chef de gastronomia sustentável, natural de Recife, comanda o projeto itinerante que através de cursos, palestras e oficinas ensina e capacita a prática do aproveitamento total do alimento.

O foco do projeto Angu das Artes é utilizar a gastronomia sustentável como forma de transformação na vida das pessoas. A chef aprendeu receitas que utilizam o alimento integralmente se inspirando em sua mãe, pois em sua infância passaram fome. Para Angélica Nobre, falta conhecimento na população sobre aproveitar integralmente, além de um olhar atento aos alimentos para valorizar o valor nutricional de um produto e não apenas sua estética. “Ficar de olho na validade dos produtos. Fazer a quantidade de alimento que vai consumir, comprar os produtos priorizando o valor nutricional e não apenas a estética”.

Angélica nobre, chef sustentável. Foto: Instagram

Uma fruta, por exemplo, que tenha danos em sua aparência, pode acabar não sendo escolhida pelo consumidor, mesmo estando boas para consumo. A nutricionista Mariana Gomes orienta que a escolha de frutas deve ser feita visando a nutrição que o alimento possui e não apenas a sua aparência externa. “Vale lembrar que, nem sempre os alimentos que apresentam danos externos estão estragados. Quando uma fruta considerada “feia” é jogada fora, se transforma em um desperdício”.

Reutilização de partes dos alimentos como estratégia

Em seu instagram, com 31 mil seguidores, a nutricionista Amanda Ornelas usa o seu alcance para promover conscientização a respeito de uma nutrição sustentável. “Uma nutrição sustentável vai além da simples escolha de alimentos saudáveis. Envolve considerar o impacto ambiental de cada escolha alimentar, desde a produção até o descarte de resíduos. Isso inclui evitar o desperdício, optar por alimentos orgânicos quando possível, apoiar agricultores locais, utilizar ingredientes de forma integral e etc”.

E como promover mudança no desperdício de alimentos?

A nutricionista Amanda Ornelas indica que as pessoas organizem suas refeições e tenham um consumo consciente, evitando desperdícios. “Planejar as refeições com antecedência, comprar apenas o necessário, armazenar corretamente os alimentos na geladeira e reutilizar sobras em novas preparações”.

 
Postagem feita pela nutricionista Ornelas conscientizando sobre desperdícios. Foto: instagram

Muitos alimentos são desperdiçados rotineiramente pela população por falta de orientação sobre reaproveitamento e como usar certas partes dos alimentos em receitas. A população não costuma saber o que fazer com as cascas dos alimentos em casa, por exemplo, que acabam indo para o lixo. “Existem inúmeras receitas criativas que fazem uso integral dos alimentos como sopas, farofas, sucos e até mesmo chips de casca de batata por exemplo”, Pontua Ornelas.

Assim como Amanda Ornelas, a nutricionista Mariana Gomes, reitera a ideia de reaproveitar ao máximo o alimento em sua completude, para assim evitar o desperdício. “Hortaliças murchas podem complementar molhos e omeletes, uma banana passada estará no ponto ideal de um bolo de banana ou um delicioso sorvete, pães “dormidos” de um dia para o outro, podem virar torradas ou rabanadas”, diz Gomes.