Copa do Mundo Feminina 2027 no Brasil: da ilegalidade até a sede do maior evento mundial de futebol feminino

Copa do Mundo Feminina 2027 no Brasil: da ilegalidade até a sede do maior evento mundial de futebol feminino

A 10ª edição do será sediada no Brasil, onde até a década de 80 era crime mulheres praticarem esporte profissionalmente. 

Por: Letícia Ribeiro

De crime à sede da Copa do Mundo de 2027, o caminho fora longo e sinuoso. As mulheres enfrentaram muitos obstáculos para estarem em campo. Subjugadas, proibidas, subestimadas e tendo seus sonhos tratados como puro amadorismo. A garra delas, porém, era mais forte. Nadando contra a opinião popular, as jogadoras não desistiram e, no final, levaram prêmios a uma nação que constantemente as desvalorizou.

Na sexta-feira (17), durante o Congresso da Fifa, realizado em Bangkok, na Tailândia, o Brasil foi o escolhido para sediar a Copa do Mundo Feminina de 2027. O país que, até a década de 80, tinha o futebol feminino, entre outras práticas esportivas, como ilegal. Agora, supera a candidatura conjunta de três países europeus – Alemanha, Bélgica e Holanda – com quarenta e um votos de diferença

Pela primeira vez, a escolha da sede da competição mundial foi realizada pelo Congresso da Fifa, contando com voto de 211 associações nacionais de futebol – 207 votos, já que os países candidatos não têm o direito de votar. 

A delegação brasileira com Marta, seis vezes eleita a melhor do mundo pela Fifa, como garota-propaganda. O Brasil  ganhou por 119 votos a 78 e, por ser anfitrião do Mundial, já está automaticamente classificado. Uma noite realmente memorável e vitoriosa não só para a equipe feminina do país, mas para todas as jogadoras brasileiras que carregam um histórico de luta pelo direito de estar em campo.

FUTEBOL FEMININO NO BRASIL 

Os primeiros registros de partidas de futebol feminino surgiram em 1920, ainda em um estágio bem inicial, no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Norte. Inicialmente, a prática esportiva feminina era considerada uma performance. Até a década de 40, o futebol entre mulheres era tido como uma prática comum das periferias – sem registros de uma seleção, ou um protótipo disso. Na época, a prática para elas ainda não era proibida, mas considerada violenta e ideal para homens.

Em 1940, no entanto, foi decretada a proibição, sob a alegação de que “não combinava com a formação física do belo sexo”. A visibilidade que as jogadoras estavam ganhando não acarretou coisas positivas, pelo contrário, elas foram alvo de revolta por parte da sociedade e viraram notícia, levando a opinião pública e, principalmente, as autoridades da época, a condenarem tal atividade. 

O veto aconteceu em 1941, durante o período ditatorial do Estado Novo (1937-1945), por um decreto assinado pelo presidente Getúlio Vargas:  “Decreto-lei, n. 3199, art. 54: Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”.

Daí em diante, vários jogos femininos começaram a ser cancelados a mando do Conselho Nacional de Desportos (CND), vinculado ao Ministério da Educação. Algumas partidas até mesmo foram encerradas à força pela polícia. 

Se em 1941 o decreto-lei instituído trazia o texto de uma forma mais geral, não citando o futebol em si, no ano de 1965, na ditadura militar, a lei foi publicada novamente, mas de forma detalhada, especificando a modalidade. Além do futebol, outros esportes foram proibidos, como futsal, futebol de praia, polo aquático, rúgbi, beisebol, halterofilismo e qualquer tipo de luta. Essa proibição valia para disputas em estádios, abertas ao público e organizadas de forma profissional por clubes. Os jogos de rua, apesar de malquistos, não foram vetados.

As mulheres só voltaram a entrar em campo no fim dos anos 70, com a revogação da lei. E, em 1983, o CND regulamentou o futebol feminino, permitindo competições, criação de calendários, utilização dos estádios e o ensinamento nas escolas.

Poucos anos mais tarde, em 1988, a Fifa promoveu uma espécie de mundial experimental, que aconteceu na China. Denominado, em inglês, como Women’s Invitational Tournament, contou com a presença de uma seleção montada exclusivamente para o torneio, que tinha jogadoras das bases do Radar (RJ) e do Juventus (SP). Nessa ocasião, as meninas viajaram para os jogos com as sobras de roupas do time masculino. A competição foi um ponto de partida para o desenvolvimento do cenário feminino ocupando o esporte. Doze seleções participaram e o Brasil, por sua vez, levou o bronze nos pênaltis.

A PRIMEIRA COPA FIFA DE FUTEBOL FEMININO (1991)

Sediada na China, a primeira Copa do Mundo feminina teve, pela primeira vez, a CBF assumindo o time brasileiro, ainda que o tratasse como amador. Várias atletas que disputaram o torneio experimental jogaram pelo Brasil. A equipe, que contava com Delma Gonçalves, conhecida como Pretinha, e comandada pelo técnico Fernando Pires, teve menos de um ano de preparação. Apesar de eliminado na primeira fase, o país teve uma vitória contra o Japão, com o gol feito pela zagueira Elane – que marcou o primeiro gol do Brasil em torneios da Fifa.

PRIMEIRA OLIMPÍADA (1996)

A equipe feminina de futebol teve sua estreia nos jogos de Atlanta, Estados Unidos. Com a participação das veteranas do esporte, o Brasil alcançou a quarta colocação. Infelizmente, o país perdeu o bronze para a Noruega por 2 a 0.

PRIMEIRA MEDALHA FIFA (1999)

Mesmo sendo tratada, ainda, como esporte amador, a seleção feminina de futebol se superou na Copa do Mundo Feminina de 1999, sediada nos Estados Unidos. Levou o 3º lugar na competição, com resultados como 7 a 1 no México, 2 a 0 na Itália e um empate na Alemanha. Nas quartas, a jogadora Sissi fez o gol da vitória contra a Nigéria – que até os dias atuais é lembrado como um dos mais bonitos da história dos mundiais.

FENÔMENO DO FUTEBOL FEMININO: A CAMISA 10, RAINHA MARTA

Em 2003, a Copa do Mundo Feminina, sediada nos Estados Unidos, contava com a participação de um dos maiores talentos da seleção feminina de todos os tempos. Ainda jovem, Marta já conquistara a atenção das jogadoras mais experientes. Além da futura promessa do futebol feminino, naquele ano, também era o primeiro mundial da atacante Cristiane. O Brasil foi eliminado nas quartas de final para a Suécia. No mesmo ano, contudo, o país foi medalhista de ouro no Pan de Santo Domingo. 

No ano seguinte, com Marta, Pretinha, Formiga e Cristiane no elenco, o Brasil é medalhista de prata na Olimpíada da Grécia – o que viria a ser apenas o início do futuro promissor e vitorioso das meninas. 

E foi no ano de 2006 que a previsão se concretizou, dando orgulho à nação brasileira, Marta levou seu primeiro título como melhor do mundo. Sim, o primeiro, porque em 2007 veio o seu segundo e, quando se deu conta, em 2010, estava ao lado de Messi, empunhando seu quinto troféu de melhor do mundo. E, não obstante, em 2018, após uma temporada satisfatória no Orlando Pride, a camisa 10 recebe pela sexta vez o título de melhor do mundo. 

OS AVANÇOS DO FUTEBOL NO BRASIL – AINDA É PRECISO MUDANÇA

Atualmente, a seleção brasileira feminina tem ganhado maior destaque, referências como Pretinha, Marta e Formiga, entre tantas outras também, possibilitaram uma maior abertura para que as mulheres ocupem espaços que, há pouco tempo, lhes eram negados. Claro, ainda existem vários problemas, como a falta de investimento no futebol feminino, bem como a disparidade salarial entre homens e mulheres no universo futebolístico. 

É preciso persistência, perseverança e muita luta para alcançar toda uma gama de direitos que ainda são muito escassos no esporte feminino. E, com cada vez mais meninas realizando o sonho de se tornarem jogadoras, a luta vai se fortificando.

A PROMESSA DO FUTEBOL FEMININO

Conforme as portas vão se abrindo, mais meninas concretizam o sonho de se tornarem jogadoras. Como a promessa do futebol feminino brasileiro Giovanna Waksman. Com apenas 15 anos, a menina é tida como a maior revelação dos últimos tempos. 

Começou a carreira no Botafogo, no sub-13, em 2021, jogando com meninos – visto que o clube não tinha categoria feminina da idade dela. Em 2022, John Textor, dono do Botafogo, envia Waksman e sua família aos Estados Unidos, onde, atualmente, a menina estuda e joga por outro clube, também do empresário norte-americano. Em um desses jogos, a jovem craque marcou 8 gols – mostrando que as expectativas em torno dela vão se justificando. 

Não só Giovanna, como várias outras garotas, estão na busca dos seus sonhos no gramado. A Copa Mundial Feminina de 2027 é um marco na história de todas as jogadoras brasileiras, símbolo de uma luta que perdura desde a década de 20.