Corrida pelo ESG estimula fraude entre as empresas
Discursos de sustentabilidade socioambiental convive com denúncias da prática de greenwashing (lavagem verde)
Por: Beatriz Araujo
A urgência do debate sobre mudanças climáticas e crises ambientais levou muitas empresas nos últimos anos a adotarem uma estratégia conhecida mundialmente pela sigla em inglês ESG (Meio Ambiente, Social e Governança). A ESG reúne um conjunto de princípios e ações focadas em promover boas práticas. Esforço para se apresentarem como instituições preocupadas com o desenvolvimento responsável, contudo, tem sido acompanhado de denúncias sobre discursos sustentáveis que não correspondem a ações efetivas de mudanças no modo de produção e circulação das empresas. Conhecido como greenwashing, ou seja, a ação de enganar investidores e consumidores, a prática pode ser considerada crime ambiental e ter consequências legais contra empresas, segundo especialistas.
O ESG surgiu em 2004, no relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) intitulado “Who Cares Wins” (“Ganha quem se importa”, em português). O documento foi criado para estabelecer diretrizes que buscam determinar se uma empresa é socialmente consciente, sustentável e possui uma gestão adequada. O professor Carlos Milani do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), explica que o ESG é uma maneira de avaliar o desempenho de sustentabilidade de um negócio, baseando-se em três pilares: Ambiental, Social e Governança. “Essa sigla é uma nova etiqueta para algo anterior, que é essa dinâmica das empresas voluntariamente afirmarem que respeitam os direitos climáticos, ambientais, sociais, e a transparência em suas práticas, gestão de fornecedores e modo de produção de seus produtos e serviços.”
O pilar Ambiental avalia quais impactos ambientais as organizações promovem, tanto positivamente quanto negativamente. O pilar compreende as ações da empresa voltadas para o meio ambiente, abrangendo comportamentos relacionados ao consumo de recursos naturais em sua cadeia de produção, emissões de gases poluentes e do efeito estufa, eficiência energética, gestão de resíduos, poluição da água, entre outros. O Ambiental considera também ações, projetos e políticas de promoção a preservação e melhoramento ambiental.
No pilar Social, é avaliado o relacionamento de uma empresa com fatores sociais como a inclusão, a diversidade, relações de trabalho com seus fornecedores e clientes, respeito aos direitos humanos e às leis trabalhistas. Um exemplo são as condições do local de trabalho que fornecem respeito pela saúde e segurança dos funcionários. O último pilar, de Governança, refere-se às esferas administrativas e de gestão da empresa como a política de remuneração dos cargos, transparência e ética da instituição.
O peso do ESG repercute nos negócios e na imagem das instituições. Os indicadores Ambiental, Social e Governança já são utilizados por empresas de investimento para ajudar a identificar corporações posicionadas para um forte desempenho a longo prazo. De acordo com a pesquisa “ESG Market Navigator”, conduzida pela Bloomberg Intelligence, 84% dos executivos entrevistados acreditam que os fatores ESG contribuem para uma estratégia corporativa mais sólida, melhoram a reputação da empresa e facilitam o acesso a capital e expressam interesse em investimentos sustentáveis. Além disso, à medida que a consciência ambiental e social cresce, os consumidores estão cada vez mais atentos às escolhas das marcas que irão consumir, preferindo produtos mais sustentáveis.
A certificação de ESG em empresas é realizada por certificadoras especializadas do próprio setor de mercado, baseando-se no princípio de que a maioria das práticas e soluções são adotadas voluntariamente, mas, para o professor Carlos Milani, é preciso atenção ao grau de autonomia e independência dos certificadores. “Existem inúmeras denúncias dentro do setor corporativo, sobretudo transnacional, de empresas e corporações que se dizem agentes de acordo com os critérios de ESG ou de responsabilidade socioambiental, mas é um agente que pratica violações de direitos humanos e uma série de práticas que são muito degradantes do ponto de vista socioambiental”, observa.
Algumas práticas não são tão sustentáveis quanto parecem
Além do problema da independência dos certificadores, muitas empresas passaram a praticar uma espécie de “lavagem verde” ou “maquiagem verde”, o greenwashing. Esse tipo de fraude corresponde em adotar uma série de estratégias para tentar construir uma imagem favorável de produtos e serviços que são vendidos como sustentáveis e socialmente responsáveis quando, na verdade, são fruto de um processo de práticas que não atende critérios de mitigação de impactos socioambientais.
A lista dos “Sete Pecados do Greenwashing”, elaborada pela consultoria canadense TerraChoice em 2007, criou uma tipologia das principais práticas de greenwashing que ajuda a identificar melhor práticas problemáticas. Entre elas está a irrelevância. “Por exemplo, você fez um projeto socioambiental com uma comunidade no interior ou na costa do Rio de Janeiro para proteger uma comunidade de marisqueiras, que vivem de manguezal. Mas suas emissões de poluentes estão em uma escala estratosférica, então o que você faz em termos de prática de ESG torna-se irrelevante”, explica Milani.
A imprecisão e o custo camuflado, como o caso da multinacional Walmart em 2015 onde toalhas e lençóis fabricados com rayon, material sintético foram comercializados como sendo feitos de bambu ecológico, são alguns dos outros fatores presentes na lista. “Existem práticas que correspondem a uma narrativa, a um discurso de ESG. Mas existem também muitas práticas que, infelizmente, dentro do sistema econômico que a gente está inserido não correspondem a esse discurso”, observa o professor.
Em alguns casos, o greenwashing pode ser considerado uma prática ilegal. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), publicidades enganosas que omitem ou passam informações falsas sobre um produto configuram uma infração. Quando as alegações afetam o meio ambiente, a empresa pode estar sujeita a sanções e multas caso configure descumprimento de leis previstas na legislação brasileira, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que estabelece diretrizes para a redução, reutilização, reciclagem e tratamento correto desses resíduos no país.
A pesquisa “Mentira Verde” realizada pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), além de fornecer dados sobre práticas de greenwashing no mercado brasileiro, apresenta informações úteis para os consumidores que desejam entender e identificar essas práticas no seu consumo pessoal. O guia alerta para o uso de termos como “ecológico”, “sustentável” ou “amigo do meio ambiente”. Termos amplos e vagos como esses não podem ser usados nas embalagens dos produtos de acordo com a Norma ABNT ISO 14021. Outro fator destacado são os selos presentes em embalagens que, muitas vezes, são criados pela própria empresa para passar uma imagem equivocada de certificação. O ideal é que o consumidor pesquise sobre o símbolo para confirmar sua autenticidade. Dicas como essas mostram a necessidade da cautela diante dos produtos que se encontram no mercado.