Poluição luminosa traz riscos ao meio ambiente e à saúde

Poluição luminosa traz riscos ao meio ambiente e à saúde

A iluminação excessiva pode atrapalhar migração, alimentação e reprodução de animais, além de prejudicar ciclo do sono humano

Por: Beatriz Araujo

 

O céu menos estrelado nas noites das grandes metrópoles tem relação direta com a disseminação da luminosidade intensa que se espalha pela cidade, em forma de iluminação pública e de edifícios, outdoors digitais, avenidas e até monumentos. Apesar de permitir uma visibilidade maior para as pessoas, a emissão excessiva dessas luzes artificiais provoca poluição luminosa, cujos impactos ultrapassam o âmbito da astronomia. A saúde humana e os ecossistemas, segundo especialistas, também sofrem com esse impacto.

Uma pesquisa publicada na revista Science em janeiro de 2023 analisou, com a ajuda de cientistas cidadãos, dados de 2011 a 2022, e descobriu que o brilho do céu aumentou cerca de 9,6% ao ano durante esse período. Esse rápido aumento da iluminação artificial pelo mundo dificulta a visibilidade do céu noturno e interfere na observação do cosmos, ferramenta importante para o desenvolvimento de conhecimentos como a climatologia e a oceanografia.

                                                                    Foto: (Reprodução/Freepik)

Já nos ecossistemas, o professor Jorge Antônio Lourenço Pontes, do Departamento de Ciências da Faculdade de Formação de Professores (FFP) da UERJj, explica que a grande maioria dos danos da poluição luminosa está relacionado à flora e à fauna. “Quando se ilumina muito uma área você pode alterar ciclos biológicos de uma série de animais que são regulados pela luminosidade”, diz.

A iluminação excessiva pode atrapalhar hábitos como a migração, alimentação e reprodução, principalmente de animais noturnos. Ao atravessar regiões muito iluminadas,  aves podem se desorientar e colidir com obstáculos como prédios e montanhas. Além disso, a presença de luz intensa pode confundir filhotes de tartarugas marinhas, levando-as a desovar em áreas inadequadas. 

O professor também ressalta que na flora, a presença de luz artificial afasta polinizadores noturnos, e perturba os ciclos fisiológicos das plantas. Muitas espécies de plantas dependem da luminosidade para regular seus ciclos de floração e para atrair polinizadores, incluindo abelhas durante o dia e mariposas e morcegos durante a noite. Essa poluição luminosa pode afastar esses polinizadores essenciais, reduzindo a qualidade do habitat, desequilibrando os ecossistemas e impactando negativamente a biodiversidade local. 

Jorge Antônio destaca que mesmo áreas de reserva ambiental não estão fora de risco. “No Rio de Janeiro, temos muitos casos de iluminações de costões de morros como Urca e Pão de Açúcar sem autorização. As equipes chegam no local, fazem as projeções e até a fiscalização ambiental ser acionada os danos ao ecossistema da área já foram feitos”, explica o professor.

Em 2020, a empresa de streaming Disney+ utilizou dezenas de refletores para projetar imagens na encosta do Pão de Açúcar no Rio de Janeiro como forma de propaganda. Esse tipo de ação pode ser responsável por danos irreversíveis à fauna e flora da região. Por conta disso, já há iniciativas de regular essas ações de forma a mitigar os efeitos sobre a natureza.

O projeto de Lei 1400/21, apresentado pelo deputado federal Carlos Henrique Gaguim na Câmara dos Deputados em abril de 2021, busca tornar a poluição luminosa crime ambiental tendo como base os impactos do uso da iluminação artificial em desacordo com os padrões estabelecidos. A proposta sugere estabelecer uma definição clara e precisa do que constitui a poluição luminosa, além de ampliar a definição de poluição passível de sanção penal. Também propõe classificar a poluição luminosa em níveis que possam afetar diretamente a saúde e a segurança da população como delito.

A poluição luminosa também é um problema de saúde pública

A sobrecarga visual a que são expostos provoca principalmente alterações no sono das pessoas. De acordo com o professor Lucas Neves da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, a má qualidade do sono pode causar diversos impactos neurocognitivos como o cansaço, a sonolência, falta de concentração, dificuldades na memória, irritabilidade e até quadros mais sérios como a ansiedade e a depressão. 

O professor destaca que o ciclo circadiano – período de 24 horas sobre o qual se baseia o ciclo biológico dos seres vivos, regulando o organismo entre o dia e a noite – também é afetado, o que pode resultar em diversas doenças, incluindo ganho de peso, diabetes e outras condições clínicas. “A falta da qualidade do sono, traz alterações hormonais. Há evidências de que o impacto no ciclo circadiano e a dificuldade de dormir em horários certos provoca ganho de peso, favorece a diabetes e doenças clínicas.”

              Ilustração do funcionamento do ciclo circadiano Foto: (Reprodução / Pet Química UFC)

Neves também explica que, mesmo pessoas cegas, podem sofrer os efeitos da exposição excessiva à luz artificial. Isso acontece devido ao fotorreceptor na retina que detecta luminosidade, a célula ganglionar retiniana fotossensível. Essa célula não está envolvida diretamente na formação de imagens visuais, como os bastonetes e cones, mas desempenha papel fundamental na regulação do ritmo circadiano e na resposta pupilar à luz. 

Entre possíveis medidas para reduzir o impacto da poluição luminosa na saúde está a troca da iluminação interna. A substituição de lâmpadas de luz fria para as de luz quente nos quartos é uma das recomendações feitas por Lucas Neves. “Quando a luminosidade bate na retina, ela tem a função de diminuir a melatonina, que é um hormônio natural que produzimos para o sono. Então se você colocar uma luz mais amarelada, que não seja tão clara, ela não vai inibir tanto a melatonina.”

Alguns telefones celulares e outros dispositivos eletrônicos apresentam a configuração “Night Shift”, uma alteração no brilho de tela no período noturno para um tom amarelado que reduz a emissão de luz azul pelo aparelho, que pode suprimir a produção de melatonina.

A Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC, na sigla em inglês) já considerou o trabalho noturno como um “provável cancerígeno humano” e em 2016, um estudo feito pela Faculdade de Medicina da Universiti Teknologi MARA (UiTM) na Malásia, associou a exposição à luz artificial ao aumento do risco de câncer em áreas do corpo como a mama. 

A solução está em uma iluminação inteligente

Quando utilizada de maneira correta, a iluminação pública não é um problema de poluição luminosa. O uso de uma iluminação direcionada, orientando a luz para baixo ao invés de dispersá-la para cima, pode promover uma redução significativa do brilho excessivo no céu noturno. Além disso, o uso de tecnologias modernas, como LEDs e sistemas de controle de iluminação, permite ajustar a luminosidade de acordo com as necessidades específicas de cada área e horário, reduzindo também o desperdício de energia.

                                         Exemplo de iluminação direcionada Foto: (Reprodução/Dark Sky)

A consciência pública sobre o impacto da poluição luminosa também é fundamental na busca por amenizar seus impactos. O projeto Globe at Night desenvolvido pelo Laboratório Nacional de Pesquisa em Astronomia Óptica-Infravermelha (NOIRLab) da NSF (Fundação Nacional da Ciência, em português), nos Estados Unidos, permite que cidadãos-cientistas do mundo todo submetam suas observações do céu noturno através de um computador ou smartphone. No site do projeto, são disponibilizadas informações sobre diversas constelações e a opção de reportar, preenchendo um formulário, caso ela esteja visível no céu da região em que o voluntário se encontra.

Os dados coletados pelos são compilados e analisados por pesquisadores para avaliar a extensão da poluição luminosa em diferentes áreas do globo e como ela está mudando ao longo do tempo. Além de promover o engajamento das pessoas com o tema, a plataforma do projeto também fornece recursos educacionais e materiais de instrução para escolas, grupos comunitários e organizações interessadas em aprender mais sobre poluição luminosa e como combatê-la.

 

Os prejuízos da inteligência artificial no meio ambiente

Os prejuízos da inteligência artificial no meio ambiente

 Pegada de carbono associada aos sistemas de inteligência artificial têm o potencial de intensificar a crise climática.

Por: Beatriz Araujo

A inteligência artificial (IA) tem se destacado nos últimos anos como setor em pleno desenvolvimento, sendo utilizada em áreas como saúde, educação e até mesmo em tarefas do cotidiano. No entanto, o uso intensivo dessa tecnologia tem gerado preocupações. Um artigo publicado pela revista Nature Climate Change, em junho de 2022, revelou que a quantidade de energia elétrica necessária para o desenvolvimento de modelos IA é responsável por um aumento nas emissões de carbono do setor tecnológico, o que contribui para o aquecimento global. 

Foto: (Reprodução/Freepik)

Para que aprendam a realizar suas tarefas, os modelos IA precisam passar por um treinamento, que consiste no processamento de grandes quantidades de dados. Algoritmos como o do ChatGPT, desenvolvido pela OpenAI, são abastecidos com bancos de dados de textos da internet, para que analisem e saibam identificar e compreender a linguagem utilizada pelas pessoas. 

Data centers das big techs são responsáveis por até 4% das emissões de CO2

Nas big techs, como a Microsoft e a Alphabet (Google), o processamento de dados acontece em data centers, instalações físicas responsáveis por hospedar servidores, dados e os equipamentos necessários para o funcionamento de serviços da área de TI. Dados da Agência Internacional de Energia (AIE) indicam que os data centers consomem cerca de 200 terawatts-hora (TWh) de eletricidade. Isso equivale a aproximadamente 1% da demanda global de eletricidade. Com todo esse consumo energético, algumas estimativas indicam que a infraestrutura conjunta dessas centrais de computadores e das redes de transferência de dados é responsável por 2% a 4% das emissões globais de CO2 em todo o mundo, número próximo ao setor de aviação comercial. 

De acordo com o Conselho Mundial de Eletrônica, 45% das emissões de gases de efeito estufa da indústria de tecnologia provêm do gasto intensivo de energia dos data centers.

Distribuições das emissões de gases do efeito estufa no setor de tecnologia.
Fonte: Global Electronics Council, 2021

A expectativa é de que essas emissões aumentem nos próximos anos. Isso porque a demanda por IA e pelo treinamento de algoritmos tem crescido exponencialmente, principalmente com o sucesso e popularização de ferramentas como o ChatGPT e Dall-E.

Rizzieri Pedruzzi, professor adjunto do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental (DESMA) da UERJ, explica que o uso de GPUs, placas gráficas com poder de processamento maior, apesar de promover mais rapidez e eficiência na fase de treinamento dos sistemas IA, demandam um consumo de energia muito maior do que outros processadores. O professor destaca também o custo energético relacionado à operação contínua de supercomputadores em grandes corporações. “Geralmente, esses computadores, uma vez ligados, não desligam, e quando começam a fazer o treinamento de redes de inteligência artificial, o consumo de energia aumenta ainda mais”.

Um estudo feito pela Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, revelou que o treinamento de um modelo IA comum de grande porte pode emitir até 284 toneladas de CO2, o equivalente ao dobro de emissões de um carro durante toda sua vida útil, incluindo o processo de fabricação. Em modelos mais complexos, que trabalham com a aprendizagem profunda (deep learning), como algoritmos que fazem a curadoria de conteúdo em redes sociais, o poder de processamento necessário é maior e o consumo de energia também. Ou seja, conforme os modelos evoluem e são aperfeiçoados para atingirem maior precisão, a pegada de carbono tende a crescer. 

A fase de treinamento, porém, é só o começo. De acordo com Anne Mollen, pesquisadora da ONG alemã AlgorithmWatch, 90% das despesas com a execução de inteligência artificial ocorrem na fase seguinte, quando os usuários consultam o sistema, o que pode acontecer milhões de vezes por dia. Uma simples pergunta ao ChatGPT, pode gerar um gasto energético 10 vezes maior do que o necessário na fase de treino, o que significa 500 toneladas de CO2, uma emissão comparável a dirigir um carro a gasolina por 1 milhão de quilômetros de distância.

Como reduzir as emissões de carbono?

Uma das principais preocupações sobre o assunto é que a maior parte da energia consumida pela IA é proveniente de fontes não renováveis. “A mudança da matriz energética é essencial para diminuir as emissões de carbono”, enfatiza o professor Rizzieri Pedruzzi. “Se a matriz energética for mais limpa, de energia renovável, temos uma pegada de carbono menor. Em uma região que queima combustível fóssil para gerar energia teremos uma pegada de carbono maior, emitindo mais gás carbônico na atmosfera”.

Ainda que as empresas mudem a matriz energética e utilizem fontes renováveis, Pedruzzi ressalta que, em algumas atividades, a emissão de carbono é inevitável. Como na cadeia de suprimentos, associadas à extração, produção e transporte de matérias-primas que compõem equipamentos presentes nos centros de desenvolvimento de redes de inteligência artificial. Ele explica que, as emissões de gases poluentes relacionados à exploração de recursos, e a cadeia de produção de uma placa gráfica, como as GPUs utilizadas no treinamento de inteligência artificial, é consideravelmente maior do que as oriundas do consumo de energia. 

A partir disso, a alternativa seria a compensação. Muitas empresas e gestões governamentais vêm adotando a política net zero. De forma geral, significa que todo lançamento de gases poluentes na atmosfera deve ser compensado pela redução de uma quantidade equivalente de CO2. Entre algumas estratégias adotadas estão a captura de dióxido de carbono emitido por instalações industriais e sua posterior armazenagem em locais específicos para evitar a liberação na atmosfera, o  reflorestamento e a regulamentação e políticas públicas que incentivam práticas sustentáveis e penalizam emissões excessivas.  Grandes empresas de tecnologia, como a Apple, Amazon, Google e Meta já anunciaram planos para se tornarem neutras em carbono em suas operações até 2030. 

Para tornar a IA mais ecológica, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Stanford, Facebook AI Research e MCGill University desenvolveu um rastreador, que mede quanta eletricidade um projeto de aprendizado de máquina usará e quanto isso significa em emissões de carbono. Os pesquisadores implementaram no rastreador uma ferramenta que gera um site para comparar a eficiência energética de diferentes modelos. Assim, os desenvolvedores de IA podem medir o consumo e emissão de seus experimentos e escolher a opção mais eficiente e de menor impacto ambiental. O rastreador foi usado em 2020 no workshop SustaiNLP na conferência sobre Métodos Empíricos em Processamento de Linguagem Natural e está disponível online para pesquisadores.