Hupe oferece cirurgia de confirmação de gênero para a comunidade transexual

Hupe oferece cirurgia de confirmação de gênero para a comunidade transexual

Urologista do Hupe explica os procedimentos cirúrgicos

Por: Manoela Oliveira e Kauhan Fiaux

Reprodução: IStock
 

O ambulatório de Transdiversidade do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) oferece acompanhamento para pessoas transexuais, transgêneros e travestis do Rio de Janeiro. O ambulatório é registrado pela Secretaria Estadual de Saúde e é um dos pontos de referência no Estado.

O Hupe disponibiliza apoio para as pessoas trans, desde o acompanhamento psicológico e o tratamento hormonal até o procedimento cirúrgico. A cirurgia de confirmação de gênero pode envolver procedimentos genitais ou não genitais (como a mastectomia ou a feminização facial), as cirurgias genitais são apenas uma parte do processo. 

Segundo levantamento da Folha de S. Paulo, apenas oito estados oferecem cirurgias de confirmação de gênero de forma pública. No Rio de Janeiro, apenas dois hospitais disponibilizam o serviço: o Hupe e o Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, ambos localizados na capital fluminense. Por mais que o acesso a esse tipo de tratamento tenha aumentado nos últimos anos, a oferta ainda é pequena para a população. Segundo dados da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de 2021, cerca de 3 milhões de pessoas no Brasil são trans ou não-binárias, representando cerca de 2% da população do país.

A carência de espaços que realizam o procedimento gera grandes filas de espera, fazendo com que as pessoas optem por fazer a cirurgia em rede privada. Em 2021, a Associação Nacional de Saúde Complementar (ANS) incorporou a cirurgia de confirmação de gênero na lista de procedimentos cirúrgicos liberados para planos de saúde – uma forma um pouco mais barata quando comparada com a saúde privada. Dados dos próprios convênios de saúde indicam que, desde então, o número de cirurgias aumentou em 75%.

Etapas da cirurgia 

Antes da realização da cirurgia de confirmação de gênero, é necessário um tratamento hormonal prévio de dois anos. A pessoa que deseja prosseguir com a cirurgia precisa de um acompanhamento com um endocrinologista para providenciar as transformações corporais masculinas ou femininas. Também é preciso orientação de profissionais como psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, porque eles oferecem suporte emocional para a adaptação da cirurgia. O urologista especializado em reconstrução urogenital do Hupe, Luiz Augusto Westin, diz que: “Uma vez que conseguimos alinhar o corpo e a mente do paciente, começamos a pensar em fazer qualquer procedimento cirúrgico”.

Na transição dos órgãos genitais do feminino para o masculino, existem duas técnicas cirúrgicas ofertadas pelo Hupe: a metoidioplastia e as neofaloplastias. Westin explica que: “A metoidioplastia é uma técnica na qual a gente alonga o clitóris hipertrofiado. É feito uma harmonização e o clitóris cresce”. Nesse procedimento, o paciente consegue urinar sentado e ter relações sexuais, porém não é recomendado o sexo com penetração. 

Segundo o urologista, as neofaloplastias são cirurgias mais complexas que demandam mais etapas. “Isso consome a vida do paciente e eles, muitas das vezes, acabam não optando por essas técnicas”, ressalta Westin. Porém, algumas pessoas escolhem as neofaloplastias por possibilitarem ao indivíduo ter um pênis maior, em comparação com a metoidioplastia. As neofaloplastias são feitas somente em hospitais públicos, porém existem pesquisas em andamento pelo Ministério da Saúde para esse procedimento também ser feito em hospitais de redes privadas, segundo o médico. 

De acordo com o urologista, na mudança da genitália masculina para a feminina, a cirurgia de confirmação de gênero é efetuada por meio da inversão peniana modificada. “É um procedimento mais simples que a metoidioplastia e as neofaloplastias, por ter muito tecido para trabalhar. A gente usa uma parte da pele do escroto para fazer o canal vaginal”, afirma Westin. A cirurgia dura em torno de quatro horas e o paciente recebe alta em cerca de cinco dias. 

O especialista alerta que no processo pós-cirúrgico, alguns problemas médicos podem surgir, sobretudo os que dizem respeito à uretra: “O atendimento médico é eterno. Esses pacientes não recebem alta nunca”. O recomendado por Westin é uma consulta médica anual durante toda a vida para a prevenção de possíveis complicações. 

O urologista ressalta a importância de se ter disponível as cirurgias de confirmação de gênero no Hupe para homens e mulheres trans. Ele acrescenta que: “A saúde é um direito de todos e dever do Estado. Todo mundo tem que ter acesso à saúde”. Westin destaca que a cirurgia de transgenitalização é uma conquista da comunidade LGBTQIA+.

O Hupe fica localizado no Boulevard 28 de Setembro, número 77, no bairro de Vila Isabel. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone: (21) 2868-8000

As muitas lutas de Betinho

As muitas lutas de Betinho

Sociólogo criador da Ação da Cidadania dá nome ao Banco de Sangue do Hospital Pedro Ernesto

Por Everton Victor e Julia Lima

Herbert de Souza na 4° edição Natal sem Fome. Reprodução: Ação da Cidadania
 
 
 
 
 

Há 30 anos o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, apareceu na televisão convocando a população a ajudar a resolver o problema da fome no Brasil – 32 milhões de pessoas, pelos dados da época. Ali começava a nascer a Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, um movimento que até hoje luta contra a insegurança alimentar no país.

A Ação da Cidadania foi uma das principais lutas de Betinho, mas não foi a única. Ele nasceu com uma condição chamada hemofilia, que impede a coagulação do sangue. Desde a infância fazia transfusões de sangue frequentes; numa delas ele acabou contraindo HIV, o vírus da Aids. Quando descobriu que tinha o vírus, em 1986, criou a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), um dos primeiros centros de estudo da doença no Brasil. Betinho viveu com Aids e enfrentou a doença publicamente, apesar dos estigmas na sociedade.

Por toda a sua luta pelos direitos humanos e pela segurança das transfusões de sangue, Betinho foi homenageado pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto e teve o Banco de Sangue batizado com seu nome. O espaço atende pessoas que, como Betinho, recebem transfusões frequentes, e também quem precisa de sangue por causa de emergências e cirurgias. O banco também possibilita transplantes de medula óssea, necessários para pacientes que estão tratando doenças que afetam as células do sangue, como leucemias ou linfomas.

Para a chefe da Hemoterapia do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), Flávia Bandeira, falar de Betinho e sua atuação nas causas sociais se estende também para seu ativismo como hemofílico. Ela ressalta que Betinho usou sua voz para incentivar as pessoas hemofílicas a buscarem diagnóstico e tratamento o quanto antes. Também defendia a doação de sangue como um ato voluntário importante e que salva vidas.

A professora diz que a humanização dos indivíduos com HIV/Aids, uma bandeira de Betinho, está presente no atendimento do banco de sangue do HUPE. A homenagem reforça a memória e o exemplo dele como alguém que usou sua voz para falar da hemofilia, um assunto marginalizado na sociedade. Em dezembro será inaugurado no HUPE um espaço em homenagem ao sociólogo. E nesta semana o hospital realiza um mutirão de doações, em celebração ao Dia Nacional do Doador de Sangue (25/11).

Banco de Sangue Herbert de Souza. Reprodução: UERJ
 
 
 
 

Uma vida de lutas

A militância de Betinho começou na adolescência, em Belo Horizonte, quando se juntou a grupos que lutavam contra a ditadura. Perseguido, foi para o exílio, morando no Chile, no México e no Canadá. Em 1979 foi homenageado na música “O Bêbado e O Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc. Na canção que se tornou hino da campanha da anistia na voz de Elis Regina, ele é o irmão do Henfil: “Meu Brasil que sonha/Com a volta do irmão do Henfil/Com tanta gente que partiu”.

Betinho também foi um dos criadores do Ibase, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, organização que produz pesquisas sobre o país. Com seu trabalho de grande impacto social, recebeu homenagens diversas, da indicação ao Prêmio Nobel da Paz em 1994 ao desfile do Império Serrano em 1996, quando virou tema do enredo “E Verás Que Um Filho Teu Não Foge À Luta”. Betinho morreu em 1997, em consequência da Aids.

A Ação da Cidadania continua sendo uma referência em segurança alimentar e combate à fome, formação de lideranças, apoio comunitário, projetos culturais e empreendedorismo. Sua principal campanha é o Natal sem Fome. O filho de Betinho, Daniel Carvalho de Souza, está hoje à frente do projeto. E, trinta anos depois do surgimento da campanha, os números da fome no Brasil ainda assustam: pelos dados de 2022, 33 milhões de pessoas não têm o que comer.

O que é a PEC do Plasma, que permite a comercialização do sangue humano, e por que ela é criticada

O que é a PEC do Plasma, que permite a comercialização do sangue humano, e por que ela é criticada

No Brasil, doação é voluntária; bancos de sangue sofrem com baixos estoques e falta de doadores

Por Nicole Mendes e Maria Eduarda Mariano

Campanha de doação de sangue do HUPE. Foto: Maria Eduarda Mariano

Em uma quarta-feira de novembro, debaixo de sol forte das 10 horas, o motorista de aplicativo Acival Santos, 51 anos, espera o irmão em frente ao banco de sangue do Hospital Pedro Ernesto. Os dois doam sangue desde jovens. Perguntado se doaria o sangue em troca de dinheiro, responde: “Salvar vidas não tem preço. A vida é muito preciosa.” E diz que, para ele, “doar sangue é uma questão de solidariedade”.

Esse não é o pensamento que prevalece na cabeça de muitos brasileiros, entre eles, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS). Ele é o autor da chamada PEC do Plasma, uma proposta de emenda constitucional que visa permitir a comercialização do plasma humano pelo setor privado. Além de permitir a venda do plasma por bancos de sangue particulares, a proposta também incluía uma permissão para que a iniciativa privada  realizasse a “coleta remunerada do plasma humano”, inserida pela senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB). Diante de críticas dos outros senadores, ela retirou o trecho, mas propõe outras compensações a serem aplicadas aos doadores.

Antes de entender a PEC, porém, é preciso entender o que é plasma. O plasma sanguíneo é a parte líquida do sangue, responsável por transportar nutrientes e gases para todo o corpo humano. Ele representa 55% do tecido sanguíneo e pode ser usado para tratar de traumas grave, de problemas na coagulação e para a criação de hemoderivados que são medicamentos feitos a partir do plasma.

O plasma recolhido por bancos de sangue privados e não utilizado em transfusões é enviado de forma gratuita ao SUS a fim de serem produzidos os hemoderivados. Esses medicamentos são feitos pela empresa estatal Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia). As demandas que a empresa não consegue atender são enviadas ao exterior para serem produzidas por empresas internacionais. 

Em 2010 foi iniciada a construção de um parque industrial em Goiana, PE, que vai servir para que o tratamento do sangue seja totalmente nacional. Porém, até agora a construção não chegou ao fim fazendo o país continuar dependente de outros países,  como por exemplo a Suíça.

Caso a PEC do Plasma seja aprovada, empresas privadas terão autorização para comercializarem o plasma – hoje enviado de forma gratuita ao SUS – além de permitir que concedam benefícios em troca das doações de sangue.

 

Flávia Bandeira, hematologista do HUPE. Foto: Maria Eduarda Mariano

Para a hematologista Flávia Bandeira, especialista em hemoterapia e profissional da área há quase trinta anos, chefe do banco de sangue do Hospital Pedro Ernesto, a PEC do Plasma, se for aprovada, é um retrocesso em relação à Lei do Sangue de 2001: “A Lei do Sangue coloca o sangue como estratégia de defesa e saúde do país,  que a doação não pode ser remunerada, e determina que o doador precisa ser voluntário. É a mesma coisa que preconiza a OMS”. 

A hematologista também afirma que a PEC traz o risco de reduzir a quantidade de doadores de sangue, e a proposta de realizar a “coleta remunerada” de sangue poderia afetar a qualidade dos estoques sanguíneos. “Corre o risco de ter um doador menos qualificado, porque essa pessoa vai estar indo doar pelo dinheiro e não necessariamente vai se preocupar se está bem de saúde e se seu sangue pode provocar um malefício.”

“Essa PEC, na minha opinião, visa muito mais em atender ao mercado do que a população e o Sistema  Único  de Saúde. Fortalecendo a nossa indústria, tínhamos como produzir todos os nossos hemoderivados”, afirma. 

Flávia conta que durante muito tempo também foi doadora de sangue até ser impedida de continuar devido a um problema de saúde. “Desde que eu comecei a faculdade de medicina, percebi que tinha muita gente que precisava de doação e que já havia dificuldade de conseguir doador”, conta.

Até hoje os bancos de sangue brasileiros sofrem com a falta de estoque.  No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, apenas 1,8% da população é doadora de sangue, proporção abaixo dos 2% recomendado pela OMS. E não tem sido suficiente para atender todo o país.  

A falta de doadores é um problema crônico e provoca desespero entre os profissionais da saúde, que precisam implorar para que a população vá aos hemocentros. Nas últimas semanas, o Hospital Pedro Ernesto avisou que os estoques do banco de sangue estão baixos e que está precisando de doadores. 

Na Semana Nacional de Doação de Sangue, celebrada de 20 a 25 de novembro, o Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) está recebendo doações no próprio hospital, na Boulevard Vinte Oito de Setembro, número 77. Para doar é preciso ter entre 16 e 69 anos, pesar no mínimo 50kg, estar descansado e alimentado e apresentar documento original com foto.