Representação feminina no jornalismo reproduz preconceitos de gênero


Representação feminina no jornalismo reproduz preconceitos de gênero

Levantamento global detalha estigmas e estereótipos enfrentados diariamente pelas mulheres na mídia

Por: Everton Victor e Manoela Oliveira

Foto: Freepik

Seja nas redações, nas assinaturas das matérias, nos editoriais mais “femininos”, até na transmissão da informação existem estereótipos machistas. É o que mostra a pesquisa “Mulheres sem nome”, publicada pela empresa multinacional de comunicação LLYC para analisar a visibilidade feminina na mídia por meio de mais de 14 milhões de matérias. O estudo investigou veículos de comunicação de 12 países, entre eles o Brasil.

Simone Evangelista, professora da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), disse que a disparidade de gênero na cobertura midiática é uma consequência de uma sociedade patriarcal. “O fato das mulheres estarem sempre atribuídas à pouca racionalidade e objetividade é um dos fatores que contribuem para elas terem menos visibilidade no jornalismo”, afirma. 

O estereótipo das mulheres terem menos brilhantismo que os homens também colabora para a desigualdade de gênero, de acordo com Leticia de Oliveira,  coordenadora da Comissão de Equidade da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Ela atribui uma série de fatores para esses estigmas, entre eles a falta de mulheres em cargos de liderança. Cerca de 40% dos profissionais de jornalismo são mulheres, mas ocupam apenas 21% dos postos hierárquicos, segundo o relatório do Instituto Reuters realizado em 2022.

Para Marcelle Felix, pesquisadora do Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ações Afirmativas (GEMAA), da Uerj, a lógica de pensar comunicação ainda é muito pautada por um olhar masculino, promovendo a sub-representação de mulheres na mídia. Esta realidade é detalhada na pesquisa “Mulheres sem nome”. Ao todo, homens assinam 50% mais notícias que mulheres, sendo a Colômbia o único dos 12 países analisados que tem uma maioria feminina publicando matérias. Marcelle conta que o mercado da comunicação é dominado por um grupo masculino e branco, perpetuando esse cenário.

Essa disparidade entre homens e mulheres vai além das assinaturas, estando também escancarada nas seções dos veículos de comunicação. Os temas que dizem respeito à saúde, à sociedade e aos acontecimentos são mais assinados por mulheres, enquanto os homens publicam mais matérias sobre esporte, economia, tecnologia e ciência, segundo a pesquisa.

Distribuição de gênero entre os temas jornalísticos / Gráfico: Reprodução de Manoela Oliveira, com dados do “Mulheres sem nome”

A linguagem usada no jornalismo pode reproduzir estereótipos, por isso o LLYC apresentou o conceito de “apelido feminino”, que é quando há menção explícita ao gênero em uma matéria, mesmo não sendo esse o foco da notícia. O termo é ligado às mulheres, que sofrem 2,3 vezes mais do que os homens com esse fenômeno. A consequência disso, de acordo com o estudo, é a menor aparição feminina em manchetes e o surgimento de notícias com mulheres sem nome. Simone explica que isso ajuda a fortalecer a invisibilização desse grupo.

A descrição da profissão de uma mulher nas matérias jornalísticas é, por vezes, associada também com questões pessoais, como família e relacionamento. Questionamentos se uma pessoa está solteira, casada ou mesmo divorciada atingem cerca de 40% mais as mulheres do que os homens nas matérias políticas, mostra a pesquisa. 

O portal F5, da Folha de S.Paulo, publicou uma matéria sobre a saída da apresentadora Eliana do SBT. Apesar da carreira musical, da trajetória no entretenimento e dos 15 anos na emissora, o F5 destacou no título um relacionamento da apresentadora na década de 90 e uma fala sobre sua vida sexual.

Reprodução de estereótipos machistas na mídia / Matéria: Folha de S.Paulo

Sobre a forma como a mídia vê as mulheres, também destaca-se outro fator: a aparência. A ex-presidenta do Brasil Dilma Rousseff já foi citada como uma das personalidades que realizaram intervenções estéticas em 2012 pela revista estadunidense “Vanity Fair”. Matérias que analisam a cor, o tamanho da roupa e até mesmo a “mensagem” que se quer passar são mais frequentes nas que se referem a mulheres do que a homens. Uma a cada 25 notícias reflete como a mulher está vestida, de acordo com o levantamento. 

Exemplo de matéria com ênfase na aparência física de uma mulher / Matéria: O Globo

Apesar dos desafios para uma igualdade entre homens e mulheres, a pesquisadora Marcelle é otimista. Para ela, existe um longo caminho para desconstruir vieses machistas na mídia, mas, inevitavelmente, o primeiro passo é debater a composição de quem está pensando a comunicação. Ela defende que sair da sub-representação e estar presente em todos os espaços deve ser um exercício diário, de forma sistemática e não apenas em momentos ocasionais nas empresas.

‘A IA é uma ameaça existencial ao jornalismo’, afirma Renata Lo Prete

Inovação no feminino: Web Summit Rio 2024 discute Inteligência Artificial e tem participação recorde de mulheres

Ministro anunciou fundo federal para incentivo a startups

Por Everton Victor e Julia Lima

Palco principal do Web Summit Rio 2024 (Reprodução: Julia Lima)

A inteligência artificial (IA), seu uso em diferentes indústrias e o impacto que ela traz para a sociedade, foi o principal assunto da Web Summit. evento realizado de 16 a 18 de abril no Rio de Janeiro. Os debates incluíram temas como democracia, jornalismo, diversidade, mídias digitais, privacidade e segurança no meio digital. As discussões ressaltaram o papel da IA como um facilitador das atividades humanas e não um substituto da humanidade. 

O Rio é a única cidade da América Latina a receber o evento, que acontece desde 2023. Entre os expositores, das 1066 startups participantes, 480 foram fundadas por mulheres, 45% do total, um recorde global do Web Summit. O evento acontece em 5 países. A cúpula aconteceu no Riocentro, zona oeste do Rio, e atraiu quase 35 mil pessoas de 102 países. Entre as atrações, a possibilidade de debater temas de inovação e fazer negócios.  Os participantes poderiam se conectar uns aos outros pelo aplicativo “Web Summit Rio” para expandir suas empresas e criar relações pessoais e comerciais.

Da política à cultura, o evento reuniu nomes de diferentes áreas. Entre eles, o cantor e compositor Gilberto Gil, a jornalista Renata Lo Prete, o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, o presidente do Google Brasil, Fábio Coelho, e influenciadores de várias áreas, como Bianca Andrade, Diego Ribas e Mário Sérgio Cortella.

As startups, grande destaque desta edição,  apresentaram mais de 1000 projetos nacionais e internacionais inovadores para o público e possíveis investidores. Márcio França, ministro do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, anunciou que o governo vai fortalecer o incentivo para startups brasileiras. “Nós queremos criar um fundo nacional para startups que as pessoas (que atuem nelas) saibam as demandas que o governo está querendo e se tiver uma solução para aquele problema eles nos oferecem, e o governo ficará sócio da startup como é feito em outros lugares do mundo”. Segundo ele, a expectativa é lançar ainda no primeiro semestre de 2024.

Ministro do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, Márcio França. (Reprodução: Everton Victor)

É o segundo ano consecutivo em que a Rio Web Summit acontece no Rio. O público de 34.397 participantes representa um aumento de 60% em relação ao ano anterior, neste que é um dos maiores eventos de tecnologia do mundo. A prefeitura tem a estimativa de que o Web Summit Rio movimente, com as edições 2023 até 2028, mais de 1,2 bilhão de reais para a economia local.

 

É o segundo ano consecutivo em que a Rio Web Summit acontece no Rio. O público de 34.397 participantes representa um aumento de 60% em relação ao ano anterior, neste que é um dos maiores eventos de tecnologia do mundo. A prefeitura tem a estimativa de que o Web Summit Rio movimente, com as edições 2023 até 2028, mais de 1,2 bilhão de reais para a economia local.

Monitoramento da Abraji aponta redução da violência contra jornalistas no Brasil

Monitoramento da Abraji aponta redução da violência contra jornalistas no Brasil

De cada 10 ataques, 7 vieram de agentes estatais; metade dos casos aconteceu no ambiente digital

Por Julia Lima

 

O Monitoramento de ataques a jornalistas no Brasil, lançado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) em 26 de março, mostrou que, em 2023, as violações à liberdade de imprensa no país caíram 30,7% em comparação com o ano anterior. No ano passado, foram registrados 330 ataques, dos quais 121 foram dirigidos a meios de comunicação e imprensa em geral; os 229 restantes vitimaram profissionais diretamente.

 

 

Rafaela Sinderski, pesquisadora da Abraji e responsável pelo monitoramento, afirma que sempre devem ser consideradas as subnotificações, ou seja, casos que não foram reportados oficialmente. Essa falta de dados ocorre principalmente por receio da vítima em denunciar seus agressores e reviver um momento de trauma. Além disso, essa discrepância nos números é mais percebida nas regiões Norte e Nordeste, por estarem fora do eixo midiático mais significativo (Sul-Sudeste).

A pesquisadora afirma que, para além da subnotificação, a redução aconteceu pela mudança do cenário político brasileiro e por 2023 não ter sido ano de eleições. A saída de um presidente que apoiava reiteradamente a descredibilização de jornalistas contribuiu significativamente para a queda de casos, segundo o relatório. No entanto, a tendência é que esse ano as agressões voltem a aumentar justamente por ser ano eleitoral novamente, dessa vez da esfera municipal.

 

 
Capa do monitoramento. (Reprodução: Abraji)
 

Segundo a pesquisa, a principal forma de agressão aos jornalistas são os discursos estigmatizantes, isto é, que buscam tirar a credibilidade de um veículo ou de um profissional. A maior parte dessas agressões, 73,7%, partiram de agentes estatais. 

Foram também esses agentes estatais que produziram a maior parte das agressões em geral: 55,7%. Rafaela indica que isso acontece principalmente pela visibilidade e pelo poder que esses agentes têm na sociedade. Com isso, eles buscam se aproximar do seu eleitorado a longo prazo, visando fidelizar votos para o próximo período eleitoral. 


O papel das redes sociais

Dos ataques monitorados, 52,1% tiveram início ou repercutiram na internet. A pesquisa no ambiente on-line foi restrita à rede social X/Twitter, e feita a partir da busca de palavras chaves, como “jornalista” e “imprensa”. 

A pesquisadora indica que a falta de regulamentação e de diretrizes claras das plataformas estão entre os principais pontos para a quantidade de agressões nesse espaço. Não há monitoramento nem controle do que é postado, criando, segundo ela, uma sensação de impunidade aos agressores. 

Ela ainda afirma que esses ataques virtuais afetam não só o trabalho do profissional de imprensa, mas também sua vida pessoal. Eles passam a andar nas ruas com medo de ataques a si e a pessoas próximas, além de passar a adoecer mentalmente por isso.


Importância da denúncia 

Rafaela afirma que a denúncia é o principal caminho não só para o debate do tema como para a criação de políticas que defendam a liberdade de imprensa. Para auxiliar nesse momento, ela afirma que a Abraji conta com uma rede de especialistas que estão à disposição dos profissionais de imprensa para ajudar no processo de denunciar qualquer tipo de agressão.