Moradores das favelas são mais vulneráveis a altas temperaturas

Moradores das favelas são mais vulneráveis a altas temperaturas

Formação de ilhas de calor nas comunidades é uma das causas apontadas por especialista

Por: Manoela Oliveira

Aglomerado de casas das favelas do Complexo do Alemão / Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
 
 
 

As favelas estão mais expostas a ondas de calor do que lugares considerados nobres, de acordo com um estudo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A pesquisa mostrou que os complexos da Maré, do Alemão e da Penha são as regiões mais quentes do Rio de Janeiro, sendo todas áreas localizadas na Zona Norte da cidade. No Rio, a menor temperatura em 2024 foi registrada no Alto da Boa Vista, com 15,5%, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). As diferenças no tipo de ocupação das regiões da cidade podem explicar as diferenças de temperatura, segundo pesquisadores.

Para Luciana Figueiredo, professora do Departamento de Oceanografia Física e Meteorologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a ocorrência de temperaturas mais elevadas em bairros periféricos ocorre, muitas vezes, pela formação de ilhas de calor nessas regiões. Esse fenômeno acontece quando lugares muito urbanizados registram temperaturas mais altas que as áreas ao redor. Isso acontece devido à retirada de cobertura vegetal para construir asfaltos, material com grande absorção de calor. Um estudo global publicado na revista científica Nature Communications revelou que espaços arborizados são até 12 °C mais frios que localidades urbanas sem árvores.

James Miyamoto, professor de arquitetura e urbanismo da UFRJ, explica que existe uma grande aridez nas áreas onde estão localizadas as favelas, intensificando as ilhas de calor. “Quando chove, por exemplo, você tem problemas de alagamento, porque o solo é completamente impermeabilizado”. No Rio de Janeiro, uma em cada cinco casas está em áreas de alto risco de inundação, defende a Associação da Casa Fluminense. 

Distribuição dos cariocas afetados por riscos climáticos / Gráfico: Reprodução própria, com dados da Associação da Casa Fluminense




De acordo com Luciana, “quanto mais carentes são as regiões, menos vegetação a gente vai encontrar”. Um levantamento da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana apontou que os bairros da Zona Norte e Oeste do Rio de Janeiro apresentam as menores coberturas vegetais. Cordovil, Santa Cruz e Bangu foram as áreas menos arborizadas da cidade, segundo o estudo.

Luciana ressalta que a precariedade das construções das favelas afeta a sensação climática dos moradores. “Às vezes a casa não tem janela nem portas, então acaba criando um desconforto térmico muito grande nessas pessoas”. A professora concorda com o conceito de “injustiça climática”, argumentando que, apesar de as crises ambientais serem uma realidade global, as pessoas de classes mais altas são menos afetadas pelas mudanças climáticas.

Segundo James, a maioria das moradias nas favelas não possuem telhas, material que reflete os raios solares. No lugar, são usadas lajes em ambientes de grande concentração populacional, contribuindo para o aumento das temperaturas. De acordo com o professor, a melhor forma de diminuir as ondas de calor é com a implementação de cobertura vegetal em pontos estratégicos da cidade. 

Ações da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e do Clima

No Rio, a Prefeitura tem projeto para minimizar o impacto das altas temperaturas nas comunidades. O “Cada Favela, uma Floresta”, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC), tem o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável no Rio, diminuindo as vulnerabilidades climáticas existentes nas áreas mais pobres nessas regiões. Segundo Alberto Santos, arquiteto e urbanista na Gerência de Projetos Especiais da SMAC, o programa visa ampliar as áreas drenantes, reduzir as ilhas de calor e aumentar o acesso às áreas verdes. No Parque Ecológico da Maré, o “Cada Favela, uma Floresta” trabalha no plantio de mudas e construção de hortas comunitárias. O projeto está em fase de licitação no Complexo do Alemão e no Morro do Juramento.

“Cada Favela, uma Floresta” tem parceria com outros três programas da Secretaria, o primeiro é o “Hortas Cariocas”. Ele é responsável por gerar alimentos de qualidade dentro das comunidades e incentivar os moradores da favela a entrarem em contato com os plantios, de acordo com Alberto. O segundo projeto é o “Cozinha Sustentável”, que ensina a população a preparar esses alimentos, além de oferecer comida à comunidade. O terceiro é o “Guardiões dos Rios”, que difunde nas favelas a conscientização ambiental por meio de eventos sobre sustentabilidade.

Quatro em cada cinco jovens brasileiros enxergam o futuro como assustador devido às condições climáticas

Quatro em cada cinco jovens brasileiros enxergam o futuro como assustador devido às condições climáticas

Vice-diretora do Instituto de Psicologia da Uerj explica os efeitos da ansiedade climática

Por: Manoela Oliveira

Foto: Adobe Stock

Um levantamento global da Universidade de Bath publicado na revista The Lancet Planetary Health revelou que 85% dos jovens brasileiros consideram o futuro assustador em razão das mudanças ambientais. O estudo teve a participação de 10 mil pessoas entre os 16 e os 25 anos, em 10 países (Austrália, Brasil, Finlândia, França, Índia, Nigéria, Filipinas, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos).

De acordo com a pesquisa, as mudanças climáticas provocam consequências para o futuro e a saúde dos jovens e das crianças, sendo esse grupo vulnerável à ansiedade climática. Esse termo, segundo a Associação Brasileira de Letras (ABL), se refere ao “estado de inquietação e angústia desencadeado pela expectativa de graves consequências das mudanças climáticas e pela percepção de impotência diante dos danos irreversíveis ao meio ambiente”.

Para Laura Quadros, vice-diretora e professora do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a ecoansiedade ou ansiedade climática impacta a sociedade como um todo. Ela explica que: “Temos que entender essa noção como algo coletivo, não como uma questão que acomete um indivíduo ou uma categoria de indivíduos”. Cerca de 50% dos brasileiros possuem sua rotina afetada devido às mudanças climáticas, de acordo com o The Lancet Planetary Health.

 

Foto: Reprodução própria, com o uso dos dados do The Lancet Planetary Health
 
 
 
 
 

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas comprovou que a atual crise climática é sem precedentes e as tragédias ambientais extremas podem se tornar cada vez mais frequentes. Segundo Laura, a desesperança é uma das consequências da ecoansiedade.“Quem tem hoje 15 ou 20 anos não vai ver certas melhoras no planeta”, conclui a professora. Porém, a ansiedade climática pode servir como um mecanismo de mobilização popular, especialmente entre os jovens. 

Laura destacou que a ecoansiedade estimula os jovens a desenvolverem um senso de compromisso maior com o planeta. “Não temos mais uma responsabilidade romântica, mas sim uma noção de sustentabilidade”, complementa. Um estudo da Escola de Comunicação, Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC – RS) revelou que cerca de 70% dos jovens brasileiros praticam alguma atitude sustentável.

Beatriz Evaristo, estudante de 19 anos de farmácia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), possui uma visão pessimista sobre o futuro por causa das tragédias climáticas. Para ela, sua maior preocupação é a incerteza do que acontecerá nos próximos anos. Essa é a tendência da maioria dos brasileiros, de acordo com o estudo da Universidade de Bath. Os brasileiros alegaram estar ansiosos (62,5%), tristes (69%), nervosos (64%) e com medo do futuro (72,5%). 

Maria Eduarda Galdino, jovem de 19 anos e aluna de jornalismo da Uerj, comenta que o governo não está fazendo ações eficazes para mitigar as crises climáticas.  Maria Eduarda está entre os cerca de 79% dos brasileiros que acreditam que as autoridades estão falhando em conter as mudanças ambientais, segundo The Lancet Planetary Health. O Brasil foi o país com o maior número de pessoas que relataram se sentirem traídas pelos governadores, com 77% dos entrevistados, em comparação com 58,5% da média global. 

A regulamentação da internet pode vir a ser uma forma de diminuir a ecoansiedade pela grande carga de informação nas redes sociais. De acordo com uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cerca de 72% das crianças avaliadas tiveram um aumento na depressão, na hiperatividade e na ansiedade devido ao uso excessivo de telas. 

Laura explica que é preciso “oferecer outras alternativas e criar outras oportunidades no campo das escolas e da família”. A professora citou a implementação da educação ambiental e financeira nas instituições educativas para promover a discussão da ecoansiedade, além de estimular práticas sustentáveis.

Grande Tijuca é líder em perda populacional na cidade do Rio de Janeiro

Grande Tijuca é líder em perda populacional na cidade do Rio de Janeiro

Principal causa apontada por especialista foi o aumento do custo de vida na região

Por: Manoela Oliveira

Parque Nacional da Tijuca / Reprodução: IStock



A Zona Norte sofreu um esvaziamento populacional, de acordo com dados do Censo de 2022, compilados pelo Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP). Entre 2010 e 2022, a Tijuca e Vila Isabel foram os bairros com as maiores perdas de população, com a diminuição de 21.479 e de 20.228 habitantes, respectivamente. Segundo o estudo, o Alto da Boa Vista foi o único bairro da Grande Tijuca que aumentou o número de moradores, havendo um acréscimo de 488 habitantes. 

De acordo com o IPP, os cinco bairros do Rio de Janeiro que receberam mais moradores estão todos localizados na Zona Oeste, são eles: Jacarepaguá (66.685), Recreio dos Bandeirantes (59.076), Guaratiba (46.756), Santa Cruz (31.797) e Itanhangá (29.554). O estudo comprovou uma perda populacional no Centro e na Zona Sul, porém em números menores comparados com a Zona Norte. 

Para Vitor de Pieri, professor do Instituto de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o aumento do preço dos aluguéis é uma das causas do esvaziamento da Zona Norte. Ele explicou que: “A população acaba migrando em função de obter melhores condições de moradia a partir do valor do aluguel”. O professor afirmou que isso ocorre devido à gentrificação, que consiste na supervalorização de uma determinada área, acarretando um aumento no custo de vida naquela região.  

Vitor disse que os antigos moradores da Zona Norte estão se instalando em condomínios irregulares na Zona Oeste, como em Santa Cruz, por serem locais com terrenos mais baratos. Ele afirmou que: “O problema desse processo é que sobrecarrega o poder público”. O professor da Uerj citou a Lei 10.257, denominada Estatuto da Cidade, como uma forma do governo atuar nos diferentes pontos da cidade. Essa lei é responsável pelo planejamento urbano, atuando na organização espacial da população.  

Em variações percentuais, Turiaçu foi o bairro com o maior êxodo urbano, com a diminuição de 32,7% dos moradores, de acordo com o Censo. A perda de 5.633 habitantes pode ser explicada devido à remoção de famílias na região para a construção do Parque Madureira, segundo Vitor de Pieri. A fronteira entre Turiaçu e Madureira sofreu um esvaziamento, porque a comunidade Vila das Torres foi retirada para a construção do parque em 2010. 

O professor ressaltou que cada bairro da Zona Norte possui uma causa específica para a diminuição populacional, porém motivos como a gentrificação, as territorialidades do crime organizado, a escassez de políticas públicas e a falta de divulgação do Censo são essenciais para entender o porquê disso ocorrer.

Camorim, em variações percentuais, foi o bairro com o maior ganho de moradores, com o aumento de 137%, segundo a pesquisa do IPP. Localizado no distrito da Barra da Tijuca, o bairro recebeu 2.699 habitantes entre 2010 e 2022. Para Vitor, o Recreio e a Barra da Tijuca são lugares de fuga da classe média e das elites cariocas. O Relatório de Compra e Venda de 2024 revelou que a Barra da Tijuca foi o local mais procurado para a compra de imóveis, seguido do Recreio dos Bandeirantes em segundo lugar.  

Vitor explica que Jacarepaguá, bairro que mais ganhou moradores em números absolutos, também é um local de fuga das elites, por essa classe buscar condomínios fechados. Por outro lado, de acordo com ele, Jacarepaguá possui um lado popular que atende às necessidades dos ex-habitantes da Zona Norte. Jacarepaguá é o quarto bairro com maior dimensão territorial no Rio de Janeiro, facilitando o deslocamento populacional para essa região. 

Jorge Artur, presidente da Associação de Moradores e Comerciantes de Vila Isabel, acrescentou que a busca por condomínios foi um fator central para entender a saída de pessoas da Grande Tijuca. Ele disse que: “Os empreendimentos que existem aqui, em Vila Isabel, não são iguais aos que existem na Zona Oeste, porque os terrenos são mais limitados”. Pois, segundo o presidente da associação, a Zona Oeste teria uma vantagem na dimensão territorial. 

A Zona Norte sofreu um aumento nas taxas de criminalidade nos últimos anos. De acordo com levantamentos do Instituto de Segurança Pública (ISP), os furtos aumentaram quase em 100% nos bairros da Grande Tijuca em 2022. Os roubos, no estudo do mesmo ano, tiveram um acréscimo em quase 50%. Porém, para Jorge, “a criminalidade está em toda parte”. Por isso, o aumento do crime não seria o único motivo para explicar o esvaziamento da Zona Norte, segundo ele. 

Jorge Artur afirma que a associação de moradores é responsável por 19 projetos sociais e atende cerca de 400 pessoas, mas ainda é necessária a implementação de políticas públicas na região para evitar o deslocamento dos habitantes para outras partes da cidade. Ele cita os roubos no entorno da Uerj e a formação de comunidades de moradores de rua no Maracanã como situações que precisam da atuação da Prefeitura e do Governo do Estado do Rio de Janeiro. “Tudo isso contribui para que tenha uma população tentando migrar para lugares que julgam ser seguros”, conclui Jorge. 

Associação de Moradores e Comerciantes de Vila Isabel / Reprodução: Facebook




Jorge destacou o papel da associação de moradores no apoio às comunidades da Grande Tijuca. “Precisamos fazer nossa parte para ter um mundo melhor”, ele reforça. A Associação de Moradores e Comerciantes de Vila Isabel foi responsável pela retirada de 85 caminhões de lixo no prédio onde está a atual sede da associação, além de desenvolver outros projetos sociais na área da saúde e da educação. Jorge pontuou que: “Foi a união de várias pessoas que quiseram fazer o melhor”.