Projetos transformam o lixo em apoio à comunidade na Zona Oeste do Rio de Janeiro

Projetos transformam o lixo em apoio à comunidade na Zona Oeste do Rio de Janeiro

Instituições trocam materiais recicláveis por alimentos, cadeiras de rodas e itens escolares

Por: Manoela Oliveira

Mural de tampinhas de plástico feitos pelos alunos da Escola Municipal Medalhista Olímpico Diego Hypólito / Reprodução: Manoela Oliveira

A falta de reciclagem contribui para o aumento da poluição, liberando substâncias tóxicas prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente, além de acelerar a degradação ambiental e aumentar a emissão de gases de efeito estufa. Embora 98% dos brasileiros reconheçam a importância da reciclagem para o planeta, apenas 25% separam o lixo adequadamente, aponta uma pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Na Zona Oeste do Rio de Janeiro, organizações como o Núcleo Especial de Atenção à Criança (NEAC) e a One By One são responsáveis por transformar o lixo e preservar o meio ambiente.

O NEAC, com o projeto do ECO Mercado, possibilita moradores de Campo Grande trocarem materiais recicláveis por alimentos, itens pedagógicos e de limpeza. A conversão de materiais é realizada através do EcoReal, a primeira moeda ecológica criada no Brasil, que substitui um material reciclável em um EcoReal. O plástico duro é a exceção devido ao baixo valor comercial, necessitando de três itens desse material para conseguir um EcoReal.

Os EcoReais disponíveis para troca / Reprodução: Colagem de Manoela Oliveira com fotos do NEAC

A One By One, localizada na Barra da Tijuca, transforma lacres e tampinhas plásticas em cadeiras de rodas e em outros itens como andadores e aspiradores, por meio da Campanha Recicla. A ação conta com cerca de 50 pontos de coleta espalhados no Rio de Janeiro, além de dois pontos situados em Minas Gerais e São Paulo. Para fazer uma cadeira de rodas, é necessário 600 kg de lacres ou 2500 kg de tampinhas de plásticos. Segundo a One By One, em 2023, foram produzidas 13 cadeiras de rodas sob medidas, dois aspiradores e dois andadores.  

Impacto da reciclagem na comunidade 

Selma Pacheco fundou o NEAC há 30 anos após uma forte chuva elevar o rio Cabuçu, afetando as famílias que moravam perto da margem, na Comunidade Comari II, em Campo Grande. Depois de uma investigação do Núcleo, foi descoberto que o rio encheu devido ao excesso de lixo nas águas, porque, naquela época, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (COMLURB) não atuava na região, então os moradores jogavam o lixo no rio. Selma explicou que o NEAC conseguiu reduzir a poluição hídrica e promover a educação em uma área onde a taxa de evasão escolar entre as crianças era de aproximadamente 93%.

O ECO Mercado, criado pelo NEAC, impacta positivamente as famílias da comunidade, especialmente aquelas que não têm dinheiro, mas possuem lixo, reforça Selma. De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), o Brasil produz cerca de 27 milhões de toneladas de resíduos recicláveis anualmente, porém o índice de reciclagem desses materiais é de apenas 4%, considerado abaixo da média global de 19%. Pensando nisso, segundo Selma, todos os materiais coletados no mercado são vendidos para empresas recicladoras da região.

ECO Mercado por dentro e por fora / Reprodução: Colagem de Manoela Oliveira com fotos de arquivo pessoal e da Clara Lessa

Carlos Eduardo Santos, conhecido como Cadu,  trabalha no  ECO Mercado faz dois anos e acredita que o projeto ajuda famílias a terem acesso à alimentação, além de incentivar a sustentabilidade. “Um litro de óleo aqui equivale a 25 EcoReais”. Ele explicou ser possível comprar as mercadorias com dinheiro real ou complementar a quantia que falta com o EcoReal. 

Lucinete Bastos disse que usa o mercado frequentemente para fazer suas compras, por vender cloro e desinfetante, ela consegue trocar a embalagem desses materiais por itens essenciais para a casa. “Com o ECO Mercado, consigo fazer as compras do mês e ajuda para caramba”, ressalta. De acordo com o NEAC, 1200 famílias da comunidade são impactadas pelo projeto e, no primeiro semestre de 2024, 1,6 tonelada de plásticos PEAD e PET foram reciclados, sendo o último o tipo de plástico mais produzido no mundo. 

Materiais reciclados no primeiro semestre de 2024 pelo NEAC / Reprodução: NEAC

Reciclagem como ferramenta de inclusão 

A reciclagem também está inserida na luta pela inclusão social para pessoas com deficiências (PDCs) físicas, motoras ou neurológicas. Nessa iniciativa, a One By One produziu mais 2025 cadeiras de rodas por meio da coleta de plástico e de alumínio, impactando cerca de 8 mil famílias, segundo a organização.  “No ano passado, reciclamos 30 mil toneladas de tampinhas”, disse Maria Antônia Araújo, assistente de comunicação da One By One. 

A Campanha Recicla, ligada à organização, oferece cadeiras de rodas para aqueles que estão em situação de vulnerabilidade social (tem uma renda familiar abaixo de 1,5 salários mínimos), são portadores de alguma deficiência e possuem idade máxima de 22 anos, entretanto, quem recebia ajuda da instituição antes de completar a idade limite, pode continuar sendo um beneficiário do programa. Maria Antônia acrescenta que é necessário enviar o laudo médico e a prescrição da cadeira de rodas com as medidas após entrar em contato com a organização para conseguir ser atendido pelo programa. 

A Escola Municipal Medalhista Olímpico Diego Hypólito, localizada em Campo Grande, funciona como um dos pontos de coleta da Campanha Recicla. João Marcos Pucinho, diretor da escola, disse que o incentivo à reciclagem pelos alunos ocorre por meio de gincanas de sustentabilidade promovidas pela instituição. “Cada turma fica responsável pelo recolhimento de uma quantidade de materiais recicláveis, quem tiver feito um recolhimento maior é o vitorioso da gincana”, completa. O diretor explicou que eles recebem pontos extras nas disciplinas como uma forma de estimular a participação dos estudantes.  

Estação de sustentabilidade na Escola Municipal Medalhista Olímpico Diego Hypólito/ Reprodução: Manoela Oliveira

As tampinhas de garrafas e os lacres de latinha recolhidos são destinados a One By One, porém o óleo de cozinha e o lixo eletrônico são vendidos para outras empresas, de acordo com João Marcos. Ele ressalta que é importante trabalhar com as crianças, não somente as matérias do currículo escolar, mas também essas experiências que contribuem para uma educação integral. 

Serviço: 

ECO Mercado

Local: R. Cantor Emílio Santiago, 117-119 – Campo Grande, Rio de Janeiro.

Horário: Segunda a sexta-feira – 09:00 às 17:00

Sábado – 10:00 às 15:00 

One By One (Solicitar a cadeira de rodas) 

E-mail: contato@onebyone.org.br

Telefone: 21 99563-4001

Confira os pontos de coleta 

Samba e Carnaval: raízes do povo brasileiro

Samba e Carnaval: raízes do povo brasileiro

Integrantes da Unidos de Vila Isabel exaltam relação de amor, dedicação e pertencimento à Escola

Por: Everton Victor, Kauhan Fiaux e Leonardo Siqueira

Presidente da Velha Guarda em ensaio na rua Boulevard 28 de Setembro. Reprodução: Redes Sociais (Instagram Vila Isabel)
 
 
 

O calendário de 2024 marca um dia específico para o Carnaval: 13 de fevereiro. Mas, para muitos, o Carnaval vai muito além de um só dia: é uma vida. Esse é o caso de Cheila Rangel, presidente da Velha Guarda da Unidos de Vila Isabel e que completa 41 anos na Escola de Samba: “Eu tenho amor pela minha Escola. A Vila Isabel é uma das coisas mais importantes para a minha vida”, declara.

O primeiro contato de Cheila Rangel com a Escola de Samba foi como passista. Depois, ao longo dos anos, assumiu funções como diretora da ala das passistas e diretora social, até se tornar benemérita da Escola, presidente do Conselho Fiscal da Herdeiros da Vila e presidente da Velha Guarda. Hoje, aos 72 anos, ela garante: “Tudo o que eu faço é por amor. Eu me doo para a Vila Isabel”.

Assim como ela, Macaco Branco, mestre de bateria da Escola, também tem longa história com a Azul e Branca. Começou a desfilar por volta dos 13 anos, influência dos pais que já viviam na Escola. Foi diretor de bateria, diretor musical, e hoje comanda a “Swingueira de Noel”. “Se não estiver mais como mestre e precisar empurrar carro, eu vou. É sobre o apreço e carinho pela Escola. Eu pretendo ser Vila Isabel eternamente”, afirma. Para ele, uma Escola de Samba é como se fosse um quilombo, onde todos se reúnem para comemorar e festejar o Samba, Cultura do povo brasileiro.

Paula Bergamin, musa da Escola desde 2019, é mais uma que compartilha desse sentimento: “Na Vila eu me sinto em casa. (Ela) se tornou uma segunda família”. Paula destaca ter sido muito bem recebida pela comunidade e relata estar sempre presente nos ensaios e eventos da Escola. Aos 62 anos, ela acumula mais de dez desfiles como musa e é uma inspiração para as mais jovens.

Paula Bergamin, musa da Vila em ensaio da Escola. Reprodução: Fausto Ferreira
 
 
 
 

‘Não deixe o Samba morrer’

A ancestralidade é um dos pilares que fazem o Carnaval acontecer. Na Velha Guarda da Vila Isabel, segundo Cheila Rangel, fazem parte netas do fundador da Escola, a primeira mulher a desfilar na bateria da Azul e Branca e uma porta-bandeira de 92 anos. Exemplos da essência do sentido de comunidade que as Escolas de Samba representam: valorizar quem faz parte dessa história.

Contudo, há também a preocupação com o futuro. Para Macaco Branco, uma “Escola” de Samba tem também o papel de ensinar e de “plantar a sementinha” para as próximas gerações: “O Samba é nossa Cultura e nossa raiz, e a gente tem que levar isso para o mundo e para a vida. Se não ensinar, isso acaba”. O mestre de bateria acredita que, a Herdeiros da Vila, Escola de Samba, mirim da Vila, seria o “Gbalá da Vila Isabel”, em referência ao enredo da escola para o Carnaval, 2024, que vê nas crianças o caminho para um futuro.

Em casa, Macaco Branco já pode ver a semente dar frutos. Ele conta que já desfila com seu filho de 13 anos ao seu lado no comando da bateria, enquanto o mais novo, de apenas 3 anos, já é fascinado pela Vila Isabel: “Ele nasceu amando aquilo”, relata.

MacacoBranco,mestre de Bateria da Vila Isabel (à esquerda). Reprodução: Diogo Mendes

História, Economia e Cultura

De acordo com especialistas, a Cultura do Carnaval se perpetua através da ancestralidade, religiosidade e da resistência do “sambar”. As Escolas de Samba são uma representação e continuidade dessa cultura que é a marca do Brasil. Os desfiles se iniciaram na Praça Onze, região central do Rio, e desde 1978 ganharam um espaço que se tornou a Passarela do Samba Professor Darcy Ribeiro: a Sapucaí. Em um esquema de monte e desmonte após os desfiles, foi apenas em 1983 que o Samba passou a ter um palco com estrutura permanente. Resultado de uma história de resistência e luta para não deixar o Samba morrer, e que não se resume a uma data marcada em fevereiro ou março.

Além de cultural, o Carnaval movimenta todo um comércio e logística na cidade. Só neste ano, o Governo do Estado do Rio de Janeiro vai investir R$ 62 milhões no Carnaval. Segundo dados do próprio governo estadual, a estimativa é que a capital receba mais de 5 milhões de pessoas, o que atua diretamente no turismo e na economia local.

Ao longo do ano, os ensaios das Escolas de Samba também colaboram para aquecer a economia. Com ensaios no Boulevard 28 de Setembro, a Vila Isabel é uma atração cultural e econômica para a comunidade: “A galera vem pra curtir, tomar uma cerveja, cantar, aplaudir e prestigiar a Eescola”, conta Macaco Branco. Além de itens para o consumo, como bebidas e comidas, nos arredores da quadra da Escola é possível encontrar a venda de itens da Azul e Branca, como camisas e bonés.

Da folia também é construído um pertencimento de estar e representar uma Escola de Samba. A lógica do Carnaval se diferencia do contexto da competitividade: as Escolas são, sobretudo, co-irmãs, que lutam para manter o Samba e sua história vivos. Uma identidade nacional que é marcada pela construção do próprio país. Agremiações com histórias fincadas em terreiros, na negritude, nas periferias e subúrbios, além de claro, na folia.