Cinza, verde e azul: as cores da reconstrução do Rio Grande do Sul

Cinza, verde e azul: as cores da reconstrução do Rio Grande do Sul

Especialista da Uerj destaca conjunto de medidas que incluem obras, mas também preocupação com águas e vegetação

Por Julia Lima

(Reprodução: Agência Brasil/Ricardo Stuckert/Presidência da República)
 

Há um mês o Rio Grande do Sul enfrenta a maior tragédia climática da sua história. O Rio Guaíba chegou à altura de 5,25 metros; em 1941, data da última cheia recorde, subiu até 4,76 metros. Os efeitos do fenômeno climático El Niño, agravados pelas mudanças climáticas, ajudaram a tornar este o maior desastre do estado e um dos maiores do Brasil.

Segundo Antônio Carlos da Silva Oscar Júnior, professor de Geografia Física da Uerj, o El Niño, fenômeno natural e cíclico de aquecimento das águas do Oceano Pacífico, criou uma espécie de redoma de calor na região Sudeste. Isso elevou as temperaturas de abril e impediu que as frentes frias se movessem da região Sul para o resto do país. 

O domo de calor também impede que a umidade vinda da Amazônia chegue à região Sudeste. Juntam-se a isso as frentes de ar frio vindas da Antártida e da Patagônia, e assim o volume de chuvas na região aumenta ainda mais.

 

Bacia hidrográfica contribuiu para a cheia

Além dos fenômenos atmosféricos, a configuração dos rios e seus afluentes no Rio Grande do Sul foi importante para o grande alcance da cheia. Todos receberam grande quantidade de chuva e acabaram desaguando em um mesmo ponto, no Rio Guaíba, em Porto Alegre e, posteriormente, na Lagoa dos Patos.

A capital do estado possui um amplo sistema de drenagem, que, segundo Antônio, seria capaz de diminuir os efeitos da chuva. No entanto, segundo ele, sucessivas gestões da cidade negligenciaram o reparo das bombas de drenagem, mesmo após diversos relatórios apontarem o risco de enchentes.

 

 
Parte do sistema de drenagem da cidade de Canoas – RS (Reprodução: Prefeitura de Canoas)
 
 

Além disso, frentes frias normalmente exercem influência no oceano, aumentando o nível do mar. Por conta disso, os rios não conseguem desaguar na velocidade normal, ficando represados nas bacias e, consequentemente, nas cidades banhadas por eles. Esse acontecimento também foi um dos responsáveis para que as áreas atingidas no sul do país continuem por tanto tempo embaixo da água.

 

O que deve ser feito para evitar novos desastres

Para Antônio Carlos, a reconstrução do estado gaúcho deve ser “orientada pela emergência climática”. Segundo ele, o governo tem a “oportunidade de fazer o novo” e precisa fazer deste um processo participativo, ouvindo principalmente àqueles mais afetados pelas mudanças climáticas.

O professor chama atenção para as três principais medidas que devem ser tomadas na reparação das cidades: cinzas, verdes e azuis. As cinzas envolvem as medidas de engenharia, como a reconstrução de avenidas, pontes e prédios – principalmente escolas e hospitais – que sejam capazes de resistir a novos eventos extremos. Apesar destas serem necessárias, maior atenção deve ser dada às medidas verdes e azuis. Elas são “alternativas mais baratas que a medida cinza e que combinadas a ela, podem potencializar o enfrentamento a essas emergências climáticas que vão se tornar cada vez mais recorrentes”. As verdes dão conta da preservação do meio ambiente, que envolve a recuperação de florestas, mangues, da mata ciliar que cerca os rios e da permeabilidade do solo. Já as azuis tratam de ações relacionadas à água, como a restauração do curso natural do rios, desassoreamento e a recuperação de áreas úmidas – pântanos –, que funcionam como um espaço de transição entre o ambiente terrestre e aquático.