Fazendeiros atacam com armas grupos indígenas no MS

Fazendeiros atacam com armas grupos indígenas no MS

Povo Kaiowá-Guarani foram alvo de tiros e vigilância de drones e caminhonetes 

Por: Beatriz Araujo e Manoela Oliveira

Chamada de apoio do povo Kaiowá-Guarani / Fonte: Instagram da Aty Guasu

Centenas de famílias indígenas Guarani Kaiowá têm sofrido ataques armados por fazendeiros e latifundiários após iniciarem a autodemarcação de seu tekoha (“lugar onde se é”, em guarani) no dia 13 de julho. O território, localizado em Douradina, Mato Grosso do Sul (MS), ocupa mais de 9 mil hectares, o equivalente a aproximadamente 35,3% da área total do município. A Assembleia Geral dos Povos Indígenas Guarani e Kaiowá, a Aty Guasu, tem denunciado a situação da comunidade nas redes sociais. Em imagens divulgadas por eles, fazendeiros aparecem ateando fogo no campo, atirando com foguetes e armas de fogo nos indígenas. Além da reivindicação pelo território ancestral, a retomada também visa cessar o despejo de agrotóxicos nas proximidades das residências e das nascentes utilizadas para o consumo de água pelos produtores rurais. 

A retomada denominada Pyaru Yvyajere reinvindica a Terra Indígena Panambi Lagoa Rica, reconhecida em 2011 pelo Governo Federal, mas aguarda desde então a homologação do processo demarcatório. “A gente esperou demais e nada de resposta, então, como comunidade, nós conversamos e chegamos à conclusão de fazer a autodemarcação geral”, conta a indígena Daniela Jorge João. 

Terra Indígena Panambi Lagoa Rica / Fonte: Terras Indígenas no Brasil

Os produtores rurais, no entanto, alegam serem proprietários legais da área e reagiram à situação organizando acampamentos e um cerco de caminhonetes a poucos metros do local da retomada. Em um vídeo gravado por eles, frases em tom de ameaça como “o bambu vai envergar” e “a tropa de choque está chegando” foram veiculadas como forma de ataque à resistência. 

O conflito já deixou mais de 10 indígenas feridos por ataques e disparos de arma de fogo, entre eles um levou um tiro na cabeça e outro no pescoço. Kisa Aquino, indígena também presente na retomada, relata que helicópteros e drones rodam o local para identificar e perseguir os envolvidos na retomada. “A gente sabe que eles soltam os drones em cima da gente porque eles querem ver quantas pessoas, crianças e idosos estão aqui e planejar o ataque. É um terror saber que estamos sendo vigiados e não podemos fazer nada”, completa. 

Agentes do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) controlam o acesso à comunidade, fotografando documentos e placas dos veículos, além de coletar informações sobre a retomada, a quantidade de pessoas e as lideranças, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Para Mônica Cristina Lima, professora da Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Marakanã, a presença do Departamento reprime os indígenas e pessoas de outros movimentos sociais que vão ao local apoiar a retomada. Ela destaca também que o DOF, apesar de ser uma entidade policial da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (SEJUSP), tem muita ligação com os latifundiários e isso gera uma desconfiança dos Guarani-Kaiowá com o departamento. “Todas às vezes em que eles retomam uma área, os policiais e os sargentos aposentados que estão presentes nesses grupos de pessoas que os atacam, também estão nas empresas de segurança”.

Resistência dos Guarani-Kaiowá no tekoha 

Cerca de 10 dias após o avanço da autodemarcação, os povos Guarani e Kaiowá receberam uma ordem de despejo dos latifundiários e dos fazendeiros para se retirarem do local em um prazo de cinco dias. Xaky Jovito, indígena presente na retomada, conta que, apesar da ameaça para sair do local, não está com medo, por ter certeza que a comunidade irá lutar pela resistência. “Se isso for acontecer mesmo, a gente vai enfrentar, morrer e se sacrificar pelas nossas terras”. Ela manifesta a preocupação da comunidade de que os ataques dos ruralistas se intensifiquem após o prazo da retirada. “Houve 4 feridos aqui no dia dos ataques, se houver esse despejo, vai ter mais pessoas se ferindo”, completa Xaky. 

Os responsáveis pelos ataques ao povo Guarani-Kaiowá divulgaram informações falsas nas redes sociais, alegando que a comunidade não é indígena e veio do Paraguai. Essas acusações foram feitas por uma fonte anônima em um vídeo publicado na página do Instagram do deputado federal Marcos Pollon. “Os latifundiários falam que a gente é do povo paraguaio, que estamos se fazendo de indígenas, negativo, eu nasci e cresci aqui”, diz Daniela. De acordo com ela, para evitar futuras invasões e violências é necessária a demarcação do tekoha Lagoa Rica, processo em andamento por 20 anos.

Em nota publicada em 20 de julho, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) afirmaram estar monitorando de perto os povos Guarani e Kaiowá a partir de uma equipe responsável por avaliar a situação e dialogar com as comunidades envolvidas. Após disparos de armas de fogo que resultaram em um indígena baleado e outros machucados com balas de borracha, a Funai busca apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). 

A Fundação também recebeu relatos de incêndios de grande escala e de monitoramento da área pelos fazendeiros e latifundiários com drones e caminhonetes. A Funai ressaltou seu objetivo em garantir segurança para os povos originários e em encontrar uma resolução para a retomada com todos os grupos envolvidos. 

Com a retirada das Forças Nacionais do local, em 3 de agosto, os ataques se intensificaram e cinco indígenas foram levados para emergência depois de disparos por armas de fogo. Na tarde da última segunda-feira (05), após mais de três semanas de conflitos entre latifundiários e povos indígenas no MS, o Tribunal Regional Federal da 3° Região (TRF3) suspendeu a ordem reintegração de posse, responsável por ordenar o despejo das comunidades Guarani e Kaiowá na região de Douradina. A suspensão da ordem, porém, não garante a segurança dos indígenas na retomada. “É preciso avançar nas demarcações como nos garante a Constituição Federal”, destaca Mônica Cristina. 

Segundo dados da Funai, até o momento, apenas 424 terras indígenas foram oficialmente demarcadas, representando menos de 14% do território brasileiro. No Brasil, embora o processo demarcatório tenha um número máximo de dias estipulado para cada etapa, a realidade está distante do previsto em lei. Um exemplo disso é o caso dos Guarani-Kaiowá, que aguardam desde 2011 a aprovação da demarcação de seu território.

Etapas no processo de demarcação / Fonte: Instituto Socioambiental

Mesmo com a criação do MPI pelo presidente Lula em 2023 e a nomeação de lideranças indígenas em cargos importantes, como Joênia Wapichana na presidência da Funai, a lentidão nos processos demarcatórios dificultam o avanço na garantia direitos indígenas previstos na constituição. “É uma questão preocupante porque na luta pela terra, 70% dos que estão debaixo de uma lona são crianças e mulheres. Elas estão na linha de frente correndo todo tipo de violações e risco.”, destaca a professora Mônica Cristina.

Em 2023, foram registrados 309 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e outros conflitos relacionados à terra, conforme dados do CIMI. “O problema maior não é a legislação, pois a Constituição nos garante os direitos, mas como garantir e fazer valer esses direitos?”, questiona Mônica. Ela destaca que os interesses e a pressão da bancada ruralista, formada por parlamentares que são, em sua maioria, proprietários de terras e empresários rurais, possuem relação direta com o atraso nos processos de demarcação de terras indígenas. 

O relatório do CIMI mostra que houve um aumento crescente contra os povos originários entre os anos de 2019 e 2022. Durante esses quatro anos, foram registrados 795 indígenas mortos, 407 disputas por conflitos territoriais e cerca de 1133 casos de invasões possessórias, danos ao patrimônio e exploração ilegal de recursos naturais em terras indígenas. No Brasil, não ocorre punição para crimes contra as comunidades originárias, porque há uma conveniência do Estado, afirma Mônica. A professora apontou a organização “Invasão Zero” como um exemplo da impunibilidade desses criminosos, esse movimento é liderado por fazendeiros e proprietários de terra. O grupo é responsável por se organizar ilegalmente para ocupar áreas de trabalhadores de terras e de comunidades indígenas, com características semelhantes às milícias armadas. 

Desafios na demarcação de terras indígenas 

O Marco Temporal é uma tese jurídica criada com objetivo de restringir o direito de posse dos indígenas apenas às terras ocupadas ou disputadas antes de 5 de outubro de 1988, a data de publicação da Constituição vigente no Brasil. A proposta cria barreiras adicionais de demarcação de terras indígenas e aumenta os casos de violência contra essas comunidades, segundo Mônica Cristina. Para ela, o Marco Temporal, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2007, pode intensificar os conflitos entre povos originários e grupos dedicados à mineração e ao agronegócio. 

Entre os principais defensores do Marco estão parlamentares que compõem a bancada ruralista, afirmando que o projeto é necessário para dar “segurança jurídica” aos fazendeiros. Nunes Marques, ministro do STF, declara que a soberania do Brasil estaria em risco sem a aprovação do Marco Temporal, além de prejudicar o mercado imobiliário. De acordo com a professora, a tese jurídica é uma “ameaça significativa aos direitos e à integridade territorial das comunidades indígenas”, não reconhecendo terras ocupadas e protegidas por esses povos após 1988. 

O STF considerou o Marco Temporal inconstitucional em setembro de 2023, por validar ameaças e violências ocorridas contra os indígenas antes da proclamação da Constituição. Porém, o Congresso Nacional restabeleceu a proposta com a criação da lei 14.701/2023, negando o pedido de veto feito pelo presidente Lula.  

Para a professora Mônica, a sociedade civil, as comunidades internacionais e os órgãos públicos são responsáveis por determinar o futuro dos povos indígenas na promoção de inclusão social e de visibilidade. Ela conta que as invasões de terras e os casos de violência vão aumentar ou persistir nos próximos anos, sendo as mudanças climáticas e o desmatamento fatores de riscos contra essas comunidades. “Os modos de vida e cosmovisões dos povos originários e seu respeito e conexão com a Mãe Terra, a Grande Criadora, são a alternativa para solucionarmos os desafios climáticos que estamos sofrendo”, conclui a professora.  

Pontos de acolhimentos de alimentos e mantimentos / Fonte: Instagram da Aty Guasu

Desde o início da invasão, os fazendeiros estabeleceram acampamentos nas terras dos Guarani-Kaiowá, impedindo o acesso à comida e água para esses povos. As comunidades indígenas estão instalando pontos de coleta de alimentos e de itens de higiene, como papéis higiênicos e absorventes, para os residentes de Mato Grosso do Sul. Qualquer quantia pode ser doada através do endereço Pix: ms.unidadepopular@gmail.com

PL da regulação de inteligência artificial discute discriminação no ambiente digital 

PL da regulação de inteligência artificial discute discriminação no ambiente digital

Especialistas veem avanços com o projeto de lei, mas identificam um longo caminho para a fiscalização dos sistemas de inteligência artificial 

Por Everton Victor e Manoela Oliveira

 
Racismo algorítmico e os desafios da inteligência artificial / Imagem: Fractal Pictures (Shutterstock)

Racismo algorítmico é uma expressão nova para nomear como uma prática antiga, a discriminação, se reproduz no ambiente digital. É o que acontece, por exemplo, quando o aplicativo do banco não reconhece um rosto negro, buscas de pesquisas relacionam pessoas negras a pessoas feias ou imagens clareiam automaticamente a pele negra. Debates assim, que envolvem os vieses dos dados, a autorregulamentação por grandes empresas e a falta de segurança no ambiente digital, estão em curso hoje no mundo. No Brasil, a discussão passa pelo Projeto de Lei 2338/23, que institui um marco legal com mecanismos e orientações para regulamentar a inteligência artificial no Brasil. A votação do PL 2338/23 foi adiada três vezes e, até o momento, não foi definida uma nova data. 

O PL 2338/23 é de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e tem relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO). O texto preliminar que deu origem ao projeto foi sugerido por uma comissão de especialistas no tema, coordenada por Ricardo Villas Bôas, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). As propostas apresentadas neste projeto agregam sugestões de outros nove PLs sobre regulamentação do ambiente digital.

Reunião da Comissão Temporária Interna do Senado que analisa o PL 2.338/2023 Foto: Lula Marques / Agência Brasil

O pesquisador Pablo Nunes, doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-Uerj), diz que o projeto chega num momento decisivo, porque não existe uma neutralidade nos dados. Eles  partem de um contexto e de um histórico ligados à realidade. “Esses bancos de dados nada mais são do que a história da sociedade humana materializada em números”, afirma. E isso tudo permite falar em racismo algorítmico, o que é, segundo o pesquisador, “a forma atualizada e repaginada do racismo se expressar, permitindo que o racismo estrutural consiga sobreviver neste mundo digital e tecnológico”.

Apesar do termo racismo algorítmico não aparecer na proposta inicial do PL, o projeto discorre sobre discriminação de raça, cor, etnia, gênero e origem geográfica. O documento reforça o combate a preconceitos como um dos fundamentos da implementação de inteligência artificial. Estudar racismo algorítmico permitiria não é só descobrir e analisar os impactos, mas também fornecer sugestões de políticas públicas para os danos serem mitigados, afirma Tarcízio Silva, doutorando em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC (UFABC) e autor do livro Racismo Algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais.

Os efeitos do racismo algorítmico são sentidos, por exemplo, no tratamento de saúde de pessoas negras. Um estudo realizado em Boston, nos Estados Unidos, examinou cerca de 57 mil pacientes com doença crônica renal em centros médicos acadêmicos e clínicas comunitárias. E mostrou que, entre 2.255 pacientes negros, 743 seriam hipoteticamente realocados para o estágio de doença grave se fosse utilizado o mesmo algoritmo de pacientes brancos. 

Ao não serem classificados como pessoas que precisam de atendimento hospitalar emergencial, eles não têm prioridade no encaminhamento para transplantes e no acesso à diálise, procedimento de recuperação da função renal. Na avaliação de Pablo Nunes, esse caso é um exemplo de racismo algorítmico, que explicita os prejuízos sofridos pela população negra em comparação com outros grupos. 

Para o pesquisador, o desafio é equilibrar a utilização desses mecanismos, tendo em vista os bancos de dados já terem todos esses vieses. “As tecnologias, por serem frutos da história humana, não vão romper com o racismo, muito pelo contrário, elas vão procurar reproduzir”. Outro exemplo citado por ele vem da Bahia, onde a Polícia Militar utiliza uma ferramenta de inteligência artificial visando reconhecer pessoas com mandados de prisão decretados. Mas os casos de erro não são raros. Em 2023, um trabalhador foi identificado pela ferramenta e preso erroneamente por 26 dias em 2023. Sobre o caso, a Secretária de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) argumentou que as câmeras constataram 95% de similaridade entre ele e o verdadeiro infrator. “A gente tá falando de vidas humanas que são destroçadas”, reforça Pablo Nunes.

Para Tarcízio Silva, há uma divergência entre o que os legisladores consideram ser o desejo dos brasileiros com a inteligência artificial e a perspectiva real da população. Na análise do professor da XXX, a maioria dos brasileiros desconfia desses sistemas, especialmente no campo da segurança pública, área com grande utilização  de IA pelo governo. Uma pesquisa do Instituto IDEA com a colaboração do Brazil Forum UK conta que 73% de 1.073 entrevistados apoiam a criação de regras para o uso de IA no Brasil.

 
Gráfico interativo: Quem ou qual órgão os brasileiros acreditam que deveria regularizar a IA
Fonte: Reprodução de Manoela Oliveira, com dados do Instituto IDEA

O projeto de lei 2338/2023 prevê a supervisão e a fiscalização das inteligências artificiais pelo Poder Executivo, com base em critérios como a gravidade da infração, a condição socioeconômica e a cooperação do infrator. Caso uma empresa ou uma pessoa física não obedeça aos fundamentos de igualdade, não descriminação, proteção ao meio ambiente e privacidade no desenvolvimento de uma IA.

Até hoje (13), a Consulta Pública sobre o PL realizada pelo Senado acumulava mais de 66 mil votos, sendo 47,1% contra o projeto. Os debates de como regular o ambiente do tema não estão restritos apenas ao Brasil. Nos grupos de engajamento do G20, foi recomendado para os líderes das 20 maiores economias do mundo a criação de um grupo de governança global para dados, o Data20 (D20). Países da União Europeia, o Canadá e outras nações que participam do bloco já regulamentaram ou estudam como regulamentar.

Uerj anuncia cortes em auxílios estudantis

Uerj anuncia cortes em auxílios estudantis

Mudanças podem colocar em risco a continuidade da política de inclusão na Universidade, dizem alunos

Por Samira Santos, Julia Lima e Beatriz Araujo

 
 
 

A Pró-reitoria de Políticas e Assistências Estudantis (PR4) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) anunciou na tarde de quinta-feira (25) uma série de alterações em seus critérios de elegibilidade de bolsas e auxílios para a comunidade universitária. Entre as novas medidas estão a reformulação do Auxílio Material Didático (AMD), o fim do auxílio alimentação para estudantes do campus Maracanã e a redução do valor da renda necessária para alunos de ampla concorrência receberem a Bolsa de Apoio à Vulnerabilidade Social (BAVS). As mudanças geraram preocupações e indignação entre os alunos, que se movimentam para organizar um ato contra as novas regras.

 

Entrada da Uerj no portão 5 (Foto: Agência Brasil)

 

 

Uma das principais mudanças está no Auxílio Material Didático (AMD) que consiste no apoio financeiro destinado à aquisição de material didático para alunos do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (CAp-Uerj) e dos cursos de graduação. O valor de R$ 600, antes pago em parcela única por semestre letivo, passa a ser anual, podendo ser pago em parcelas de R$ 300 ou menos, dependendo da disponibilidade orçamentária.

A implementação da tarifa zero no Restaurante Universitário (RU) anunciada no começo da semana, apesar de ser uma tentativa de melhoria na rotina dos estudantes cotistas, gerou controvérsias devido ao anúncio da suspensão do Auxílio Alimentação aos alunos dos campi Francisco Negrão de Lima (Maracanã) e Instituto Politécnico do Rio de Janeiro (IPRJ). A decisão diz que só poderão optar pelo recebimento de Auxílio Alimentação estudantes cujos cursos tenham sede em campi que ainda não possuam Restaurante Universitário. A tarifa zero, porém, não se estende aos alunos que ingressaram por ampla concorrência e nem aos que recebem BAVS, sendo assim, esses estudantes deverão arcar com os custos de alimentação.

A Bolsa de Apoio à Vulnerabilidade Social, oferecida a alunos ingressantes por ampla concorrência que tenham comprovada a sua situação de baixa renda, também sofreu reformulações. A renda familiar per capita para elegibilidade, antes no valor de um salário mínimo e meio, foi reduzida para valor igual ou inferior a meio salário mínimo (R$ 706). Alunos da ampla concorrência com renda superior a esse limite não terão direito aos auxílios estudantis. 

A Reitoria, liderada pela reitora Gulnar Azevedo e pelo vice-reitor Bruno Deusdará, justificou essas mudanças como uma resposta às restrições orçamentárias pós-pandemia, ressaltando a necessidade de equilibrar investimentos em equipamentos, bolsas e políticas de assistência. 

 

Reações da comunidade acadêmica

O Ato Executivo de Decisão Administrativa 038/2024, que formaliza essas mudanças, entra em vigor em 1º de agosto.

Estudantes e membros de movimentos sociais acusam a Reitoria de “Destruir a política de assistência estudantil da Uerj, que um dia foi um exemplo de inclusão e suporte aos alunos”. “Eles estão acabando com a nossa universidade”, desabafaram nas redes sociais.  A sensação de desamparo é a principal reclamação, e muitos consideram registrar queixas formais para tentar reverter essas decisões. 

Em resposta às novas regras, um ato estudantil foi marcado para o dia 26 de julho, às 16h na Uerj. Intitulado “Tira a mão dos meus direitos!”, a manifestação reunirá estudantes da ampla concorrência, cotistas da graduação e pós-graduação com o objetivo de protestar contra os cortes nos auxílios e bolsas e exigir a revogação das medidas estabelecidas pela PR4 e pela atual Reitoria da Universidade.

Pesquisadores recomendam ao G20 criação de grupo de governança global para dados

Pesquisadores recomendam ao G20 criação de grupo de governança global para dados

Proposta é que Data 20 ajude no esforço global para regulamentar mundo digital 

Por Everton Victor e Julia Lima

Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

O T20, equipe de trabalho do G20 com pesquisadores e think tanks, sugeriu em seu documento final a criação de um grupo para tratar de cooperação e segurança de dados. O Data20 (D20) trataria de temas como regulação e trabalho com dados, Inteligência Artificial e justiça climática, armazenando os dados das nações, e daria suporte para os outros grupos de trabalho.  

Proposta de criação do D20. (Reprodução: Communiqué do T20)

Num momento de apagões cibernéticos, vazamento de dados e avanço da Inteligência Artificial, a ideia da criação do grupo surgiu dos recentes desafios com a regulação de uso de dados pelas plataformas em âmbito brasileiro e mundial. Debates sobre o limite do uso da Inteligência Artificial e os impactos de algoritmos discriminatórios permeiam as discussões de como os governos devem intervir. Por isso, o grupo também teria o papel de promover discussões que reduzam os danos causados por essas tecnologias, imponham limites a elas e promovam penas para quem os desrespeitasse.

A criação do D20 foi uma das propostas surgidas nos encontros dos pesquisadores do T20, que aconteceram ao longo do ano, e levaram a criação do Communiqué, documento final com as 10 principais sugestões para as 20 maiores economias do mundo. O documento foi apresentado ao público nos dias 2 e 3 de julho durante o The T20 Brasil Midterm Conference.

O D20 também seria responsável por fiscalizar a implicação de cada política e dado criados pelos grupos de engajamento que compõem o G20. Denise Direito, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), afirma que ainda não há definição de como essa atividade aconteceria, já que o Communiqué apresenta apenas sugestões. O funcionamento seria definido de acordo com a evolução dos trabalhos do grupo.

Para Luciana Mendes, presidente do Ipea, a criação de uma força global sobre dados pode ser um aliado no debate de como os países devem lidar com a Inteligência Artificial. Ela destaca que a criação deste mecanismo pode trazer o debate da importância e um esforço de como regular as redes para todo o globo, aliado a outras frentes que o D20 possibilitaria. “Aprimora a cooperação de dados sobre temas transversais”, afirma.

No Brasil, o debate sobre a regulamentação da Inteligência Artificial (IA) está em tramitação no Senado Federal. O Projeto de Lei (PL) 2338/23 reúne uma série de propostas de como regulamentar a IA no Brasil. Países da União Europeia, a Argentina e outras nações integrantes do G20 já regulamentaram ou estudam regulamentar a internet. Denise destaca que a criação do D20 pode ajudar os países do bloco a definirem consensos mínimos de qual seria a base de regulação sobre o tema.

Sobre o T20

O Ipea, junto com a Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e o Centro Brasileiro de Relações Internacionais, compõem o comitê organizador do T20.  Apesar da predominância brasileira no grupo, Luciana reforça a diversidade de nos debates, reuniões e elaboração do grupo de engajamento. Ao todo 170 think tanks nacionais e internacionais com representantes de 33 países participam do T20.

Presidente do Ipea na abertura da reunião do T20. (Reprodução: Julia Lima)

A gestão brasileira segue na presidência do G20 até novembro. No caso do  grupo de engajamento, após a entrega do Communiqué, o foco é “avançar em estratégias de implementação das recomendações”, de acordo com a presidente do Ipea. Os líderes das 20 maiores economias do mundo devem se reunir nos dias 18 e 19 de novembro no Rio de Janeiro, capital do G20 nesta edição.

Corrida pelo ESG estimula fraude entre as empresas

Corrida pelo ESG estimula fraude entre as empresas

Discursos de sustentabilidade socioambiental convive com denúncias da prática de greenwashing (lavagem verde) 

Por: Beatriz Araujo

A urgência do debate sobre mudanças climáticas e crises ambientais levou muitas empresas nos últimos anos a adotarem uma estratégia conhecida mundialmente pela sigla em inglês ESG (Meio Ambiente, Social e Governança). A ESG reúne um conjunto de princípios e ações focadas em promover boas práticas. Esforço para se apresentarem como instituições preocupadas com o desenvolvimento responsável, contudo, tem sido acompanhado de denúncias sobre discursos sustentáveis que não correspondem a ações efetivas de mudanças no modo de produção e circulação das empresas. Conhecido como greenwashing, ou seja, a ação de enganar investidores e consumidores, a prática pode ser considerada crime ambiental e ter consequências legais contra empresas, segundo especialistas.

O ESG surgiu em 2004, no relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) intitulado “Who Cares Wins” (“Ganha quem se importa”, em português). O documento foi criado para estabelecer diretrizes que buscam determinar se uma empresa é socialmente consciente, sustentável e possui uma gestão adequada. O professor Carlos Milani do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), explica que o ESG é uma maneira de avaliar o desempenho de sustentabilidade de um negócio, baseando-se em três pilares: Ambiental, Social e Governança. “Essa sigla é uma nova etiqueta para algo anterior, que é essa dinâmica das empresas voluntariamente afirmarem que respeitam os direitos climáticos, ambientais, sociais, e a transparência em suas práticas, gestão de fornecedores e modo de produção de seus produtos e serviços.”

ESG está relacionado às práticas ambientais, sociais e de governança / Foto: Freepik

O pilar Ambiental avalia quais impactos ambientais as organizações promovem, tanto positivamente quanto negativamente. O pilar compreende as ações da empresa voltadas para o meio ambiente, abrangendo comportamentos relacionados ao consumo de recursos naturais em sua cadeia de produção, emissões de gases poluentes e do efeito estufa, eficiência energética, gestão de resíduos, poluição da água, entre outros. O Ambiental considera também ações, projetos e políticas de promoção a preservação e melhoramento ambiental. 

No pilar Social, é avaliado o relacionamento de uma empresa com fatores sociais como a inclusão, a diversidade, relações de trabalho com seus fornecedores e clientes, respeito aos direitos humanos e às leis trabalhistas. Um exemplo são as  condições do local de trabalho que fornecem respeito pela saúde e segurança dos funcionários. O último pilar, de Governança, refere-se às esferas administrativas e de gestão da empresa como a política de remuneração dos cargos, transparência e ética da instituição.

O peso do ESG repercute nos negócios e na imagem das instituições. Os indicadores Ambiental, Social e Governança já são utilizados por empresas de investimento para ajudar a identificar corporações posicionadas para um forte desempenho a longo prazo. De acordo com a pesquisa “ESG Market Navigator”, conduzida pela Bloomberg Intelligence, 84% dos executivos entrevistados acreditam que os fatores ESG contribuem para uma estratégia corporativa mais sólida, melhoram a reputação da empresa e facilitam o acesso a capital e expressam interesse em investimentos sustentáveis. Além disso, à medida que a consciência ambiental e social cresce, os consumidores estão cada vez mais atentos às escolhas das marcas que irão consumir, preferindo produtos mais sustentáveis.

A certificação de ESG em empresas é realizada por certificadoras especializadas do próprio setor de mercado, baseando-se no princípio de que a maioria das práticas e soluções são adotadas voluntariamente, mas, para o professor Carlos Milani, é preciso atenção ao grau de autonomia e independência dos certificadores. “Existem inúmeras denúncias dentro do setor corporativo, sobretudo transnacional, de empresas e corporações que se dizem agentes de acordo com os critérios de ESG ou de responsabilidade socioambiental, mas é um agente que pratica violações de direitos humanos e uma série de práticas que são muito degradantes do ponto de vista socioambiental”, observa.

Algumas práticas não são tão sustentáveis quanto parecem

Além do problema da independência dos certificadores, muitas empresas passaram a praticar uma espécie de “lavagem verde” ou “maquiagem verde”, o greenwashing. Esse tipo de fraude corresponde em adotar uma série de estratégias para tentar construir uma imagem favorável de produtos e serviços que são vendidos como sustentáveis e socialmente responsáveis quando, na verdade, são fruto de um processo de práticas que não atende critérios de mitigação de impactos socioambientais.

“Lave o seu crime climático” / Foto: Istock

A lista dos “Sete Pecados do Greenwashing”, elaborada pela consultoria canadense TerraChoice em 2007, criou uma tipologia das principais práticas de greenwashing que ajuda a identificar melhor práticas problemáticas. Entre elas está a irrelevância. “Por exemplo, você fez um projeto socioambiental com uma comunidade no interior ou na costa do Rio de Janeiro para proteger uma comunidade de marisqueiras, que vivem de manguezal. Mas suas emissões de poluentes estão em uma escala estratosférica, então o que você faz em termos de prática de ESG torna-se irrelevante”, explica Milani. 

A imprecisão e o custo camuflado, como o caso da multinacional Walmart em 2015 onde toalhas e lençóis fabricados com rayon, material sintético foram comercializados como sendo feitos de bambu ecológico, são alguns dos outros fatores presentes na lista. “Existem práticas que correspondem a uma narrativa, a um discurso de ESG. Mas existem também muitas práticas que, infelizmente, dentro do sistema econômico que a gente está inserido não correspondem a esse discurso”, observa o professor.

Em alguns casos, o greenwashing pode ser considerado uma prática ilegal. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), publicidades enganosas que omitem ou passam informações falsas sobre um produto configuram uma infração. Quando as alegações afetam o meio ambiente, a empresa pode estar sujeita a sanções e multas caso configure descumprimento de leis previstas na legislação brasileira, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que estabelece diretrizes para a redução, reutilização, reciclagem e tratamento correto desses resíduos no país.

A pesquisa “Mentira Verde” realizada pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), além de fornecer dados sobre práticas de greenwashing no mercado brasileiro, apresenta informações úteis para os consumidores que desejam entender e identificar essas práticas no seu consumo pessoal. O guia alerta para o uso de termos como “ecológico”, “sustentável” ou “amigo do meio ambiente”. Termos amplos e vagos como esses não podem ser usados nas embalagens dos produtos de acordo com a Norma ABNT ISO 14021. Outro fator destacado são os selos presentes em embalagens que, muitas vezes, são criados pela própria empresa para passar uma imagem equivocada de certificação. O ideal é que o  consumidor pesquise sobre o símbolo para confirmar sua autenticidade. Dicas como essas mostram a necessidade da cautela diante dos produtos que se encontram no mercado.

Fonte: Ideal Verde

Representação feminina no jornalismo reproduz preconceitos de gênero


Representação feminina no jornalismo reproduz preconceitos de gênero

Levantamento global detalha estigmas e estereótipos enfrentados diariamente pelas mulheres na mídia

Por: Everton Victor e Manoela Oliveira

Foto: Freepik

Seja nas redações, nas assinaturas das matérias, nos editoriais mais “femininos”, até na transmissão da informação existem estereótipos machistas. É o que mostra a pesquisa “Mulheres sem nome”, publicada pela empresa multinacional de comunicação LLYC para analisar a visibilidade feminina na mídia por meio de mais de 14 milhões de matérias. O estudo investigou veículos de comunicação de 12 países, entre eles o Brasil.

Simone Evangelista, professora da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), disse que a disparidade de gênero na cobertura midiática é uma consequência de uma sociedade patriarcal. “O fato das mulheres estarem sempre atribuídas à pouca racionalidade e objetividade é um dos fatores que contribuem para elas terem menos visibilidade no jornalismo”, afirma. 

O estereótipo das mulheres terem menos brilhantismo que os homens também colabora para a desigualdade de gênero, de acordo com Leticia de Oliveira,  coordenadora da Comissão de Equidade da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Ela atribui uma série de fatores para esses estigmas, entre eles a falta de mulheres em cargos de liderança. Cerca de 40% dos profissionais de jornalismo são mulheres, mas ocupam apenas 21% dos postos hierárquicos, segundo o relatório do Instituto Reuters realizado em 2022.

Para Marcelle Felix, pesquisadora do Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ações Afirmativas (GEMAA), da Uerj, a lógica de pensar comunicação ainda é muito pautada por um olhar masculino, promovendo a sub-representação de mulheres na mídia. Esta realidade é detalhada na pesquisa “Mulheres sem nome”. Ao todo, homens assinam 50% mais notícias que mulheres, sendo a Colômbia o único dos 12 países analisados que tem uma maioria feminina publicando matérias. Marcelle conta que o mercado da comunicação é dominado por um grupo masculino e branco, perpetuando esse cenário.

Essa disparidade entre homens e mulheres vai além das assinaturas, estando também escancarada nas seções dos veículos de comunicação. Os temas que dizem respeito à saúde, à sociedade e aos acontecimentos são mais assinados por mulheres, enquanto os homens publicam mais matérias sobre esporte, economia, tecnologia e ciência, segundo a pesquisa.

Distribuição de gênero entre os temas jornalísticos / Gráfico: Reprodução de Manoela Oliveira, com dados do “Mulheres sem nome”

A linguagem usada no jornalismo pode reproduzir estereótipos, por isso o LLYC apresentou o conceito de “apelido feminino”, que é quando há menção explícita ao gênero em uma matéria, mesmo não sendo esse o foco da notícia. O termo é ligado às mulheres, que sofrem 2,3 vezes mais do que os homens com esse fenômeno. A consequência disso, de acordo com o estudo, é a menor aparição feminina em manchetes e o surgimento de notícias com mulheres sem nome. Simone explica que isso ajuda a fortalecer a invisibilização desse grupo.

A descrição da profissão de uma mulher nas matérias jornalísticas é, por vezes, associada também com questões pessoais, como família e relacionamento. Questionamentos se uma pessoa está solteira, casada ou mesmo divorciada atingem cerca de 40% mais as mulheres do que os homens nas matérias políticas, mostra a pesquisa. 

O portal F5, da Folha de S.Paulo, publicou uma matéria sobre a saída da apresentadora Eliana do SBT. Apesar da carreira musical, da trajetória no entretenimento e dos 15 anos na emissora, o F5 destacou no título um relacionamento da apresentadora na década de 90 e uma fala sobre sua vida sexual.

Reprodução de estereótipos machistas na mídia / Matéria: Folha de S.Paulo

Sobre a forma como a mídia vê as mulheres, também destaca-se outro fator: a aparência. A ex-presidenta do Brasil Dilma Rousseff já foi citada como uma das personalidades que realizaram intervenções estéticas em 2012 pela revista estadunidense “Vanity Fair”. Matérias que analisam a cor, o tamanho da roupa e até mesmo a “mensagem” que se quer passar são mais frequentes nas que se referem a mulheres do que a homens. Uma a cada 25 notícias reflete como a mulher está vestida, de acordo com o levantamento. 

Exemplo de matéria com ênfase na aparência física de uma mulher / Matéria: O Globo

Apesar dos desafios para uma igualdade entre homens e mulheres, a pesquisadora Marcelle é otimista. Para ela, existe um longo caminho para desconstruir vieses machistas na mídia, mas, inevitavelmente, o primeiro passo é debater a composição de quem está pensando a comunicação. Ela defende que sair da sub-representação e estar presente em todos os espaços deve ser um exercício diário, de forma sistemática e não apenas em momentos ocasionais nas empresas.

Moradores das favelas são mais vulneráveis a altas temperaturas

Moradores das favelas são mais vulneráveis a altas temperaturas

Formação de ilhas de calor nas comunidades é uma das causas apontadas por especialista

Por: Manoela Oliveira

Aglomerado de casas das favelas do Complexo do Alemão / Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
 
 
 

As favelas estão mais expostas a ondas de calor do que lugares considerados nobres, de acordo com um estudo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A pesquisa mostrou que os complexos da Maré, do Alemão e da Penha são as regiões mais quentes do Rio de Janeiro, sendo todas áreas localizadas na Zona Norte da cidade. No Rio, a menor temperatura em 2024 foi registrada no Alto da Boa Vista, com 15,5%, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). As diferenças no tipo de ocupação das regiões da cidade podem explicar as diferenças de temperatura, segundo pesquisadores.

Para Luciana Figueiredo, professora do Departamento de Oceanografia Física e Meteorologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a ocorrência de temperaturas mais elevadas em bairros periféricos ocorre, muitas vezes, pela formação de ilhas de calor nessas regiões. Esse fenômeno acontece quando lugares muito urbanizados registram temperaturas mais altas que as áreas ao redor. Isso acontece devido à retirada de cobertura vegetal para construir asfaltos, material com grande absorção de calor. Um estudo global publicado na revista científica Nature Communications revelou que espaços arborizados são até 12 °C mais frios que localidades urbanas sem árvores.

James Miyamoto, professor de arquitetura e urbanismo da UFRJ, explica que existe uma grande aridez nas áreas onde estão localizadas as favelas, intensificando as ilhas de calor. “Quando chove, por exemplo, você tem problemas de alagamento, porque o solo é completamente impermeabilizado”. No Rio de Janeiro, uma em cada cinco casas está em áreas de alto risco de inundação, defende a Associação da Casa Fluminense. 

Distribuição dos cariocas afetados por riscos climáticos / Gráfico: Reprodução própria, com dados da Associação da Casa Fluminense




De acordo com Luciana, “quanto mais carentes são as regiões, menos vegetação a gente vai encontrar”. Um levantamento da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana apontou que os bairros da Zona Norte e Oeste do Rio de Janeiro apresentam as menores coberturas vegetais. Cordovil, Santa Cruz e Bangu foram as áreas menos arborizadas da cidade, segundo o estudo.

Luciana ressalta que a precariedade das construções das favelas afeta a sensação climática dos moradores. “Às vezes a casa não tem janela nem portas, então acaba criando um desconforto térmico muito grande nessas pessoas”. A professora concorda com o conceito de “injustiça climática”, argumentando que, apesar de as crises ambientais serem uma realidade global, as pessoas de classes mais altas são menos afetadas pelas mudanças climáticas.

Segundo James, a maioria das moradias nas favelas não possuem telhas, material que reflete os raios solares. No lugar, são usadas lajes em ambientes de grande concentração populacional, contribuindo para o aumento das temperaturas. De acordo com o professor, a melhor forma de diminuir as ondas de calor é com a implementação de cobertura vegetal em pontos estratégicos da cidade. 

Ações da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e do Clima

No Rio, a Prefeitura tem projeto para minimizar o impacto das altas temperaturas nas comunidades. O “Cada Favela, uma Floresta”, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC), tem o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável no Rio, diminuindo as vulnerabilidades climáticas existentes nas áreas mais pobres nessas regiões. Segundo Alberto Santos, arquiteto e urbanista na Gerência de Projetos Especiais da SMAC, o programa visa ampliar as áreas drenantes, reduzir as ilhas de calor e aumentar o acesso às áreas verdes. No Parque Ecológico da Maré, o “Cada Favela, uma Floresta” trabalha no plantio de mudas e construção de hortas comunitárias. O projeto está em fase de licitação no Complexo do Alemão e no Morro do Juramento.

“Cada Favela, uma Floresta” tem parceria com outros três programas da Secretaria, o primeiro é o “Hortas Cariocas”. Ele é responsável por gerar alimentos de qualidade dentro das comunidades e incentivar os moradores da favela a entrarem em contato com os plantios, de acordo com Alberto. O segundo projeto é o “Cozinha Sustentável”, que ensina a população a preparar esses alimentos, além de oferecer comida à comunidade. O terceiro é o “Guardiões dos Rios”, que difunde nas favelas a conscientização ambiental por meio de eventos sobre sustentabilidade.

Parceria IBGE-Uerj pela soberania de dados

Parceria IBGE-Uerj pela soberania de dados

Instituições buscam aproximar população mais jovem do uso de informações públicas e vão realizar conferência para discutir assunto

Por Julia Lima

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) firmaram um acordo para estudos e produção de dados. Um dos pontos centrais da parceria é a realização da Conferência Era Digital, que acontecerá no campus Maracanã entre os dias 29 de julho e 2 de agosto. Estão na programação palestras do presidente Lula, da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, do presidente do IBGE, Marcio Pochmann, e do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro. 

A conferência vai discutir a soberania brasileira sobre os dados aqui gerados, como é possível lidar com o domínio das big techs nessa área e como consolidar o Sistema Nacional de Geociências, Estatística e Dados (Singed). As inscrições são gratuitas e cada inscrito ganhará um mapa-múndi produzido pela instituição, com o Brasil no centro.

O anúncio da parceria, no último dia 25, contou com a presença do presidente do IBGE, Marcio Pochmann, e da reitora Gulnar Azevedo. Durante o evento, foi inaugurado também um totem interativo ao lado da Livraria EdUerj, que permite que o usuário acesse 1,5 bilhão de dados e 1 trilhão de variáveis de pesquisas do Instituto.

 

Lançamento do totem com Daniel Castro (IBGE), Marcio Pochmann (IBGE) e Gulnar Azevedo (Uerj) (Reprodução: Uerj)
 

A ideia da parceria surgiu de Adair Rocha, professor do departamento de Relações Públicas da Uerj, em uma tentativa de homenagear Pedro Geiger, ex-geógrafo do IBGE e professor da Uerj, que recebeu o título de Doutor Honoris Causa aos 101 anos. No final, passou a ser uma colaboração em que o IBGE produz dados e a Uerj, a partir de seus pesquisadores e estudantes, produzirá pesquisas e estudos que ajudarão na formulação de novas políticas públicas, tendo sempre como centro o combate às desigualdades.

Segundo Daniel Castro, coordenador-geral do Centro de Documentação e Disseminação de Informação e Coordenação de Comunicação Social do IBGE, a parceria aproxima o Instituto das universidades e dos mais jovens e, consequentemente, o espaço acadêmico da gestão pública. Para tal, além do totem, será inaugurada uma sala interativa, onde serão disponibilizados dados sobre a juventude, com recortes como gênero, raça e localização, e também estágios para a comunidade uerjiana. O local contará com funcionários do IBGE para auxiliar os visitantes.

Daniel Castro (IBGE) e Adair Rocha (Uerj) (Reprodução: Everton Victor)

Mapa mundi para o G20 com o Brasil no centro (Reprodução: IBGE)

Castro afirma que o Brasil não pode mais ser apenas um fornecedor de dados para empresas internacionais, sem que nem mesmo o governo do país tenha tantas informações sobre seus próprios habitantes; e ainda mais, que esses dados não deveriam ser utilizados para gerar lucros tão exorbitantes. Para ele, o país deve sair da posição de apenas consumidor para se tornar produtor e soberano quanto às informações de seus habitantes.

Esportes & ‘bets’

Esportes & ‘bets’

A relação das casas de apostas com os times de futebol brasileiro.

 Por Letícia Ribeiro

Imagem: Pexels | Reprodução

Os sites de apostas, conhecidos como bets, tiveram um crescimento estrondoso de popularidade no mundo todo. No Brasil, um país com raízes fortes no esporte, principalmente o futebol, as casas de aposta se transformaram em uma verdadeira febre entre aficionados em apostas e entusiastas do esporte. Não só com as apostas esportivas, agora, as bets entram, cada vez mais, em campo – desde, pelo menos, o ano passado, todos os times da primeira divisão eram patrocinados por casas de apostas. Dado os acontecimentos recentes, envolvendo escândalos de lavagem de dinheiro e acusações de manipulações, a questão que tem sido  mais discutida é se essa relação bets & esporte seria fruto de brechas na legislação que regulamenta essas empresas no país.

Em 2018, as apostas esportivas – que eram ilegais desde o governo Dutra – foram legalizadas a partir de uma medida provisória do ex-presidente Michel Temer. À época, foi determinado que as apostas esportivas seriam como uma modalidade de loteria. No entanto, não havia regulamentação oficial do setor – que deveria acontecer até o final de 2022, mas não aconteceu. A proposta incluía transparência de fluxo de caixa, controle de publicidade e compra de direitos de transmissão de esporte.

Da ilegalidade até a legalização, mesmo que com ressalvas e, agora, patrocinadora de times de futebol. A parceria entre as casas de aposta e o futebol surgiu como uma oportunidade de expansão para as apostas esportivas. Estampadas na camisa, as bets também firmam acordos comerciais com os próprios jogadores para serem seus garotos-propaganda.

 
Imagem: Reprodução

Nesse período, ainda recente de relações entre futebol e bets, surge a questão sobre o conflito de interesses e, com ela, os escândalos envolvendo manipulação de resultado e lavagem de dinheiro. Afinal, a culpada disso seria a regulamentação, ou melhor, as falhas na legislação?

Em entrevista para a AJ, o especialista em Direito Desportivo Bruno Soares afirma que, mesmo que a regulamentação das casas de aposta seja importante no que tange à lavagem de dinheiro, na manipulação dos resultados esportivos, não é possível concluir que, de fato, exista uma brecha na legislação que permita que esse caso aconteça. 

“A regulamentação das casas de apostas no Brasil é relevante no contexto de legalização dessas empresas de forma geral, de maneira a controlar fluxos de caixa, evitar lavagem de dinheiro e outros crimes que ocorrem em qualquer setor não regulamentado do país. Entretanto, com relação à manipulação de resultados esportivos, não acho possível concluir que exista uma brecha na legislação brasileira – que vá ser ocupada pela regulamentação das casas de apostas – que permita que essa situação aconteça”, afirmou.

Projeto do Cap-Uerj emancipa saberes

Projeto do CAp-Uerj emancipa saberes e enegrece currículos

Iniciativa retrata para estudantes do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira a negritude para além do período escravocrata

Por Everton Victor

Oficina do projeto na semana da Consciência Negra em 2022. / Foto: Arquivo Pessoal
 
 
 Com a missão de uma educação antirracista, o projeto de ensino Por uma Didática Racial, coordenado pelo professor Luís Paulo Borges, apresenta intelectuais negros para os estudantes da educação básica do CAp-Uerj. O projeto se realiza por meio de um resgate da história afro-brasileira, que, apesar de leis garantirem a obrigatoriedade, não estão presentes nos currículos escolares.
 
Por Uma Didática Racial surgiu em 2016 e foi implementado em 2017, no âmbito do projeto de extensão Circularidades da escola, que é composto por diversos sub-projetos, que abordam raça, classe e gênero. Para o professor Luís Paulo Borges, a importância do projeto está no seu intuito emancipatório, insurgente e de resgate a uma história por vezes apagada. “A escravidão é um fato histórico, mas a nossa história não começa na escravidão, a gente não pode reforçar isso nos currículos”, afirma.
 
Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Ricardo Nogueira, Azoilda Trindade, Renato Nogueira entre tantos outros intelectuais negros, estruturam o conteúdo bibliográfico do projeto, enquanto a  abordagem varia de acordo com a ano da turma, abrangendo alunos do fundamental I e II, em parceria com a professora Larissa Costard de História. Os bolsistas e o coordenador estruturam o ensino por meio de pesquisa e leitura de intelectuais negros e suas contribuições, junto com o convívio semanal nas salas de aulas do Instituto de Aplicação da Uerj.
 

Esse reconhecimento que vai além da sala de aula, sendo convidados para participar de eventos acadêmicos e congressos em Brasília, João Pessoa e na cidade do Rio. Visitar outros ambientes acadêmicos está no papel da Uerj e do próprio projeto de coletivizar o conhecimento, de acordo com o professor.. “A gente é de uma instituição pública, temos o compromisso político de uma educação pública, e, no nosso caso, uma educação pública antiracista”, reforça.

 

“A gente está falando do exercício da prática de uma lei que é obrigatória no Brasil”, explica Borges. A lei n°10.639, de 2003, a que o professor se refere, instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira e indígena nas escolas em todo o território nacional. Cinco anos depois, a lei n° 11.645, de 2008, reforçou a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena no ambiente escolar, obrigações que não se concretizaram integralmente. 

 

A primeira vez que a justiça decidiu apurar o cumprimento da lei foi em 2018, em decisão da 4 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A iniciativa foi tomada após o pedido do Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-brasileiros (Ipeafro) e do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) ser impetrado na Corte.

 
Trabalho do projeto com crianças do 1° ano do Ensino Fundamental sobre racismo em 2023. / Foto: Arquivo Pessoal
 

 

 
 
Para Erivelton Zidane, estudante de história na Uerj e bolsista do projeto, o efeito do Por Uma Didática Racial vai além da sala de aula, na construção individual de empoderamento desses alunos, pois “a educação é um campo que emancipa saberes e sobretudo o indivíduo”. Ele atribui a presença de pautas como essas no ambiente acadêmico à maior participação de pessoas negras, indígenas e da periferia em espaços de intelectualidade. “São negros que estão produzindo seja na academia, seja em espaços de educação não formativos, como quilombos e aldeias,também lugares de saberes”, conclui
 
 
Guilherme Simões, também integrante do projeto e aluno de educação física na Uerj, vê o impacto da do projeto na sua própria vida: “Sinto que hoje sou uma pessoa racializada”. O bolsista relata uma de suas experiências no projeto no ano passado “Foi feito um trabalho com os alunos do sétimo ano do ensino fundamental em parceria com a professora de história Larissa Costard (…) foi uma experiência muito rica, pude absorver como era possível pavimentar o caminho para que cheguem esses outros saberes”.
 
O projeto também desconstrói a ideia de que o ato de escrever e a literatura que forma a sociedade brasileira não é só europeia, mas também negra e indígena, e leva essas discussões para suas redes sociais. No instagram, o Por Uma Didática Racial traz diversas pesquisas sobre a cultura africana e indígena, a história de intelectuais negros, além de dicas literárias e indicações de filmes. Ao todo, a rede conta com mais de 1200 seguidores, o que Guilherme atribui ao “movimento de enegrecer nosso pensamento e transmitir através das redes sociais para outras pessoas”.