Assédio nas universidades e seus impactos

Assédio nas universidades e seus impactos

Um retrato da violência silenciada em espaços acadêmicos

 

Por Samira Santos

O ambiente universitário, frequentemente idealizado como um espaço de aprendizado e transformação, tem sido palco de uma problemática séria: o assédio. Dados da Controladoria-Geral da União (CGU) revelaram 557 denúncias de assédio em instituições públicas federais em 2024, o que equivale a uma média de duas por dia. Esses números expõem a persistência de uma cultura de silenciamento e impunidade em relação a essa prática, que afeta professores, funcionários e, principalmente, estudantes, especialmente mulheres.

Assédio moral e sexual no estágio (Foto: Pexels)
Assédio moral e sexual no estágio (Foto: Pexels)

 O silêncio das denúncias e subnotificações

Apesar da gravidade do problema, pesquisas apontam que a maioria dos casos de assédio não chega ao conhecimento das autoridades. Um levantamento realizado em 2022 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) indicou que apenas 10% das ocorrências são formalmente registradas. A subnotificação é reflexo de uma série de fatores, como medo de represálias, falta de apoio institucional e a burocracia envolvida nos processos de denúncia.

Na Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, em uma década, apenas seis processos administrativos foram abertos relacionados ao tema, e apenas um resultou em punição. Recentemente, um professor da instituição foi suspenso por 15 dias após ser acusado de assédio sexual por duas colegas, gerando críticas sobre a falta de penalidades aplicadas.

Assédio e suas várias formas

O assédio nas universidades pode se manifestar de diferentes formas. O assédio moral envolve condutas abusivas reiteradas, como humilhações e ameaças, que degradam o ambiente acadêmico e afetam a saúde mental das vítimas. Já o assédio sexual inclui desde comentários inapropriados até exigências explícitas de favores sexuais, muitas vezes por pessoas em posições hierárquicas superiores, como professores ou orientadores.

A legislação brasileira tem avançado no enfrentamento a essas práticas. Desde 2001, o Código Penal inclui o assédio sexual como crime, com pena de detenção de um a dois anos. Em 2018, o artigo 215-A ampliou a abrangência para incluir a importunação sexual. Contudo, lacunas permanecem, especialmente na proteção de estudantes em relação a seus orientadores, onde o poder hierárquico é muitas vezes utilizado como instrumento de coerção.

O impacto na saúde mental

O assédio não afeta apenas o desempenho acadêmico, mas também a saúde mental das vítimas. A professora de psicologia Anna Uziel explica que a queda no rendimento, isolamento e desinteresse estão entre os sinais que podem indicar sofrimento psicológico. A professora sugere abordagens que vão além do suporte individual. “Grupos de acolhimento são importantes para fortalecer os estudantes e criar espaços de troca, onde possam compartilhar experiências e encontrar soluções coletivas”.

“Um primeiro ponto que acho muito importante é que, quando falamos de assédio, estamos falando de relações de poder”, afirma Uziel. Ela destaca que a universidade, muitas vezes, apresenta relações hierárquicas e verticalizadas que podem gerar conflitos. “Talvez agora, com o uso desse termo [assédio], estejamos conseguindo falar sobre essas questões e tratar dessas relações de poder que já causam sofrimento”.

O ambiente acadêmico deveria ser um espaço de incentivo e crescimento, mas para muitas mulheres torna-se um local de medo e retraimento. Dados do Instituto Avon,  em 2015, apontam que 67% das universitárias já sofreram algum tipo de violência no ambiente universitário, sendo o assédio sexual a forma mais recorrente, com 56% das alunas relatando experiências desse tipo. “A cultura do silêncio é ainda mais grave do que a da impunidade. Quando não podemos falar ou não encontramos escuta, perpetuamos o ciclo de violência”, explica a professora.

A face extrema da violência de gênero

O feminicídio, expressão máxima da violência de gênero, é um alerta de como práticas abusivas podem evoluir para consequências trágicas. Desde a sanção da Lei do Feminicídio, em 2015, pelo governo Dilma Rousseff, mais de 10 mil mulheres foram vítimas desse crime no Brasil. Em 2024, a Lei 14.994 aumentou a pena para 40 anos de reclusão para feminicídios, demonstrando a gravidade desse tipo de violência.

O discurso de Dilma ao sancionar a lei permanece atual: “Se mete a colher sim, principalmente se resultar em assassinato”. Essa fala ressalta a importância da denúncia e do apoio de familiares e amigos para evitar desfechos fatais.

A cultura do silêncio e a impunidade

A universidade, reflexo da sociedade, reproduz as mesmas opressões de gênero, classe e raça que estruturam a vida social. Pesquisas revelam que mulheres negras e indígenas estão ainda mais vulneráveis a violências, como o racismo interseccional. A escritora Grada Kilomba descreve essas experiências como “cicatrizes históricas que se perpetuam nas estruturas sociais e acadêmicas”.

Além disso, a falta de preparo institucional agrava a situação. Em 2022, apenas 25% das universidades possuíam políticas específicas para enfrentar o assédio, segundo pesquisa da professora Neiva Furlin da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc). Os Movimentos como o #MeToo e denúncias públicas têm pressionado por mudanças, mas a resistência à implementação de protocolos efetivos ainda é um desafio.

O silenciamento das vítimas (Foto: Freepik)
O silenciamento das vítimas (Foto: Freepik)

Caminhos para a transformação

A aprovação da Lei 14.540/2023, que institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual em instituições públicas, é um passo importante. Ela obriga universidades e órgãos públicos a criar mecanismos de prevenção, acolhimento e responsabilização. Contudo, especialistas alertam que políticas só serão eficazes se acompanhadas de mudanças culturais profundas.

Iniciativas como a Comissão Permanente de Combate aos Assédios da Uerj mostram as estratégias integradas para enfrentar o problema. A Uerj implementou um fluxo institucional para acolher denúncias, apurar casos e promover ações educativas. Embora tenha criado uma cartilha sobre o combate do assédio sexual e moral, a universidade ainda encara dificuldades no acolhimento em sua Ouvidoria. Apesar dos avanços, a universidade ainda enfrenta desafios, como a sobrecarga de trabalho de membros da comissão e a falta de adesão de alguns setores. 

Inteligência Artificial e a luta contra o câncer de mama: desafios, potenciais e realidade brasileira

Inteligência Artificial e a luta contra o câncer de mama: desafios, potenciais e realidade brasileira

Outubro passou, mas a prevenção ao câncer de mama deve ser feita ao longo do ano todo, alertam especialistas

Por Samira Santos

O câncer de mama é o tipo de câncer mais comum entre mulheres em todo o mundo, representando cerca de 28% dos novos casos de câncer em mulheres no Brasil, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde). Embora raro em homens, a doença também afeta o sexo masculino, correspondendo a menos de 1% dos casos. Com aumento na incidência após os 50 anos e diversos fatores de risco associados, como idade e obesidade, a luta contra o câncer de mama enfrenta desafios que vão desde a falta de conscientização até limitações tecnológicas no diagnóstico precoce.

 

Exame de mamografia (Foto: Agência Brasil)
Exame de mamografia (Foto: Agência Brasil)

 

A nova fronteira: Inteligência Artificial no diagnóstico de câncer do mama

Com a evolução das tecnologias de diagnóstico por imagem, como mamografias e ultrassonografias, uma das inovações mais promissoras é a inteligência artificial (IA). A aplicação de IA no campo da medicina, especialmente no diagnóstico de câncer de mama, promete transformar a detecção precoce. Para entender melhor como a IA pode ajudar no combate ao câncer de mama, entrevistamos o Dr. Luiz Fernando Amaral, mastologista e chefe do Ambulatório de Mastologia do Hupe-Uerj. Com experiência acumulada desde 1997, ele compartilha os benefícios e as limitações do uso de IA no Brasil, trazendo uma visão prática e realista sobre o tema.

 

Questionado sobre as vantagens da IA no diagnóstico precoce do câncer de mama, o Dr. Luiz destaca que o uso representa “um grande avanço, principalmente na leitura de mamografias, ultrassons e ressonâncias magnéticas”. Ele explica que a tecnologia ajuda a identificar padrões complexos e sutis no tecido mamário que podem indicar a presença de um tumor em estágio inicial, o que seria impossível de detectar pelo olho humano.

 

Ainda assim, o Dr. Luiz alerta para a realidade dos mamógrafos no Brasil: “Apenas 60% dos mamógrafos no Sistema Único de Saúde (SUS) são digitais. Então, temos que ter cautela com o entusiasmo pela IA, pois essa tecnologia ainda não é amplamente acessível e enfrenta desafios estruturais”. Esse cenário revela um desafio importante: enquanto países desenvolvidos avançam rapidamente no uso de IA, o Brasil ainda precisa enfrentar a falta de equipamentos modernos.

 

Embora a mamografia digital seja uma ferramenta central, o Dr. Luiz reforça a importância de métodos complementares, como ultrassonografia e ressonância magnética. “Na maior parte do Brasil, a acessibilidade a esses exames ainda é limitada”, observa. Segundo ele, a detecção precoce é possível com mamografia anual, especialmente para mulheres a partir dos 50 anos. Ele destaca a necessidade de melhorar a cobertura e acesso ao exame, inclusive recomendando o início do rastreamento aos 40 anos, conforme indica a Sociedade Brasileira de Mastologia.

 

Com modelos de IA desenvolvidos em instituições como o MIT, hoje é possível prever o câncer de mama com até cinco anos de antecedência. Esses sistemas analisam um vasto banco de dados e identificam padrões associados ao risco de câncer. “A IA pode sinalizar alertas em casos onde há histórico familiar, aumentando as chances de detectar o câncer em estágios iniciais. Entretanto, a aplicabilidade é limitada no Brasil, onde o sistema de saúde ainda carece de mamógrafos digitais em grande parte do país”, explica o Dr. Luiz.

 

Ele ressalta que, embora os algoritmos sejam promissores para auxiliar na avaliação de risco, uma boa anamnese e a integração com bancos de dados específicos de cada país são cruciais para adaptar a tecnologia à realidade local. Esse tipo de IA pode ser especialmente útil para identificar padrões de risco em pacientes que apresentam histórico familiar de câncer.

 

O avanço da IA poderia impactar a frequência e tipo de exames recomendados, mas, segundo Dr. Luiz, “antes de implementar a IA em grande escala, o Brasil precisa assegurar que todas as mulheres tenham acesso à mamografia”. Com o rastreamento adequado, mesmo antes do uso da IA, já seria possível aumentar significativamente a taxa de detecção precoce e reduzir a mortalidade. Para ele, o uso da IA pode ser um ganho importante no futuro, mas que ainda está distante da realidade brasileira.

 

Limitações e realidade brasileira

A prevenção continua sendo uma arma fundamental contra o câncer de mama. Dr. Luiz Fernando explica que, no caso das mulheres, fatores como a gravidez entre os 20 e 30 anos e o aleitamento materno reduzem o risco. Após a menopausa, manter uma rotina de atividade física e evitar o sobrepeso são medidas eficazes para prevenir a doença. “A falta de conscientização sobre o rastreamento é um desafio. Ainda há muitas mulheres que nunca fizeram uma mamografia, e muitos não sabem que homens também podem ter câncer de mama”.

 

Mesmo em países de primeiro mundo, a IA para o diagnóstico de câncer ainda está em fase inicial. O Dr. Luiz alerta para o problema estrutural de base no Brasil, onde o acesso a equipamentos modernos é uma barreira significativa. “Se conseguirmos garantir que todos os mamógrafos do SUS sejam digitais, já seria um avanço importante. A IA é promissora, mas ainda não é uma realidade para a maioria das localidades do país, que carecem de infraestrutura adequada”.

 

Importância da prevenção no outubro rosa (Foto: Canva)
Importância da prevenção no outubro rosa (Foto: Canva)

Ele finaliza com uma visão cautelosa, enfatizando que a inteligência artificial, embora revolucionária, ainda precisará de muito tempo e investimentos para estar plenamente acessível em um sistema de saúde tão desigual quanto o brasileiro.

 

A inteligência artificial surge como uma das principais promessas na luta contra o câncer de mama. Contudo, sua implementação no Brasil esbarra em limitações tecnológicas e estruturais. Como destaca o Dr. Luiz Fernando Amaral, a IA será uma grande aliada na medicina, mas é preciso garantir que o básico — como mamógrafos digitais acessíveis em todo o país — esteja ao alcance de todos.

 

Cansaço e sobrecarga: uma realidade no mundo educacional

Cansaço e sobrecarga: uma realidade no mundo educacional

Professores apontam as principais dificuldades dos docentes no meio profissional

Por: Manoela Oliveira e Vinícius Rodrigues

 

Imagem: Adobe Photos

Cerca de 60% dos professores relatam enfrentar sentimentos intensos de ansiedade, além de cansaço extremo e baixo rendimento, segundo o estudo “A Saúde Mental dos Educadores 2022”, realizado pela Nova Escola. A saúde mental dos docentes foi fortemente impactada no período pós-pandemia, e isso não afeta apenas eles, mas também os alunos. De acordo com uma pesquisa da Fiocruz de 2022, 60% dos 5.985 estudantes da pós-graduação disseram sentir dificuldade para dormir e o aparecimento de crises de ansiedade.

Imagem: As percepções dos estudantes de pós-graduação brasileiros sobre o impacto da Covid-19 no seu bem-estar e desempenho acadêmico / Reprodução: Fiocruz

O esvaziamento da profissão e a hiper responsabilização da escola são fatores que colaboram para a piora da saúde mental dos docentes, afirma Leonardo Maia, professor na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Isso tudo vira uma carga enorme para os professores e os alunos”, ressalta. 

Para Laura Quadros, professora do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), outro fator que contribui para a desvalorização dos professores é a falta de recomposição salarial, que resulta em profissionais sobrecarregados em mais de um emprego. “A experiência da docência tem sofrido muitos desgastes nos últimos tempos, tanto no que tange às  mudanças nas relações em sala de aula, quanto na histórica e crescente desvalorização da profissão”, completa. O relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revela que o Brasil tem o menor salário inicial para professores dos anos finais do ensino fundamental entre os 40 países analisados.

A desvalorização da educação como um todo, tanto na graduação quanto no ensino básico, vem acompanhada de um nível elevado de exigência e cobrança, especialmente no campo da produção acadêmica, segundo Zamara Araujo, professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e responsável pelo dossiê “Bem-estar / Mal-estar do alunado e do professorado: saúde do corpo e da mente no ambiente formativo”. 

A professora relata: “ao mesmo tempo que vivemos um esvaziamento da profissão, vivemos uma sobrecarga muito grande”. Um levantamento realizado pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) mostra que cerca de 71% dos professores brasileiros estão estressados devido à sobrecarga de trabalho.

Para mitigar tais efeitos no esgotamento mental dos docentes, Laura Quadros sugere uma programação para criar espaços mais prazerosos para os profissionais ensinarem: “Pode ser interessante que escolas e universidades ofereçam momentos de cuidado para docentes com práticas de autocuidado como meditação, ginástica laboral e expressão artística. Laura propõe a criação de espaços de discussão para o desenvolvimento de estratégias coletivas sustentáveis que possam melhorar a experiência institucional tanto em sala de aula quanto na gestão educacional.

Amarelo o ano todo: conscientização da saúde mental não deve ser apenas em setembro

Amarelo o ano todo: conscientização da saúde mental não deve ser apenas em setembro

Professora do Instituto de Psicologia aborda as estratégias de prevenção ao suicídio 

Por: Manoela Oliveira

Legenda: Campanha do Setembro Amarelo / Imagem: IStock

Setembro Amarelo é uma iniciativa de prevenção ao suicídio, estimulando discussões sobre a promoção da saúde mental no Brasil e a diminuição de estigmas relacionados às doenças mentais. Hoje (10), com o lema “Se precisar, peça ajuda!”, marca o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Porém, apesar de ser importante ter um mês de conscientização, é crucial que essas campanhas ocorram ao longo do ano, afirma Vanessa Barbosa, professora do Instituto de Psicologia (IP/Uerj) e coordenadora do NuDERI (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Desenvolvimento Humano e Relações Interpessoais).

A professora explica que a campanha do Setembro Amarelo iniciou com a proposta de educar e informar sobre questões de saúde mental, mas, com o passar dos anos, surgiu uma tendência em focar as ações apenas neste mês. “Setembro é um mês para sensibilizar algo que deveria ser feito ao longo do ano todo”, acrescenta Vanessa. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, foram registrados 16.025 suicídios em 2023. 

Legenda: 10 estados brasileiros com os maiores números de suicídio em 2023 / Gráfico interativo: Manoela Oliveira, com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024

No Brasil, o suicídio é a terceira causa de morte entre jovens, indica um estudo da Fiocruz publicado na revista científica The Lancet. Para Vanessa, alguns fatores podem contribuir para o desenvolvimento de comportamentos suicidas e autolesivos como: ter baixa situação econômica, problemas familiares, estar em situação de vulnerabilidade social, pertencer à comunidade LGBTQIA + ou grupos étnicos raciais minoritários. A pesquisa da Fiocruz aponta que as maiores taxas de suicídio e notificações de automutilação foram encontradas na população indígena, sugerindo haver barreiras que impendem o acesso à saúde mental. 

Uma dessas barreiras é a estigmatização das doenças mentais existentes no Brasil, sendo essencial o incentivo às campanhas de conscientização nas escolas ao longo do ano todo, não somente em setembro, reforça Vanessa. A professora também citou a falta de profissionais de psicologia qualificados nas instituições educacionais para instruir os alunos no encaminhamento de ajuda psicológica e médica, evitando os casos de suicídio e automutilação. 

Prevenção contra o suicídio 

Jovens e adolescentes podem apresentar sinais que indicam um comportamento suicida, como o aumento da irritabilidade, o isolamento, o distanciamento, condutas autolesivas e dizer, por exemplo, que a vida não tem mais sentido. É necessário investir em profissionais especializados em saúde mental, melhorar os serviços de saúde pública e fazer atividades nas escolas, afirma Vanessa.

Legenda: Campanha do Setembro Amarelo / Imagem: Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro

O Centro de Valorização da Vida (CVV), em colaboração com o Sistema Único de Saúde (SUS), oferece apoio emocional por meio de um atendimento disponível 24 horas por dia, durante todos os dias da semana. As ligações são gratuitas e podem ser feitas pelo número 188. Além disso, o serviço também está acessível via chat ou e-mail. O CVV conta com um site onde é possível consultar os postos de atendimento em todo o Brasil, caso alguém precise de ajuda.

Orkut, a rede social sucesso da internet no Brasil nos anos 2000, volta em breve, garante criador Orkut Buyukkokten na Rio Innovation Week

Orkut, a rede social sucesso da internet no Brasil nos anos 2000, volta em breve, garante criador Orkut Buyukkokten na Rio Innovation Week

 

Revelação foi no evento de tecnologia e inovação Rio Innovation Week, mas sem data para retorno

Por: Vinícius Rodrigues

Fernando Souza/RIW/Divulgação

Anotar o e-mail de alguém para depois adicionar como amigo, caprichar no texto do perfil, tirar aquela foto que você nem sabia que era uma “selfie” para postar na sua galeria, mandar um “scrap”, entrar naquela comunidade que você adorava e ler os depoimentos dos seus amigos, tudo isso era possível no pai das redes sociais: o Orkut, sucesso da internet nos anos 2000, e que pode voltar em breve, alerta o seu criador, Orkut Buyukkokten.

Foi no evento de tecnologia e inovação Rio Innovation Week, que ocorreu de 13 a 16 de agosto de 2024, no Píer Mauá, zona central do Rio de Janeiro, que o dono de uma das redes sociais mais nostálgicas de todos os tempos, revelou que pretende trazê-la de volta em breve, mas sem data para o projeto acontecer.

“As redes sociais se transformaram em mídia social. Em vez de conectar pessoas, criar comunidades, é sobre profissionais de marketing, corporações e influenciadores. E como todo mundo, eu adoraria que o Orkut voltasse em breve”, disse o fundador da rede, ao G1, da Globo.com.

Já para o professor da Faculdade de Comunicação Social (FCS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Vinicius Andrade Pereira, a volta da rede, apostando no sucesso e nostalgia do passado não garante sua promoção nos dias atuais:

“Não é só por conta da questão da familiaridade, do grupo que você já se relaciona, mas também pela facilidade que você tem de manuseio da tecnologia. Pois, quando você usa um aplicativo, uma plataforma como o Instagram, Facebook, ou mesmo o YouTube, você já sabe os recursos, você sabe onde estão as ferramentas. Isso é uma relação cognitiva. E as perceptivas que se tem com a ferramenta que faz com que você fique acomodado, de uma maneira geral. E essas são as dificuldades que as pessoas têm em abraçar uma nova tecnologia, uma certa acomodação cognitiva e sensorial, um certo conforto”.

Orkut foi sucesso no Brasil nos anos 2000

Nos meados dos anos 2000, em janeiro de 2004, começava a história da rede social pioneira no Brasil, mas só no ano seguinte uma versão em português do nosso país chegaria ao site amado pelos brasileiros.

O nome Orkut vem do próprio desenvolvedor chefe, o turco Orkut Buyukkokten, que criou a rede social em parceria com a empresa de tecnologia norte-americana Google Inc.

A rede social foi um sucesso na internet no Brasil, que chegou a ter mais de 29 milhões de usuários, estimativa de agosto de 2011. Em seguida, a Índia dominava o pódio com a maioria dos usuários cadastrados, e em terceiro lugar, os Estados Unidos.

O Orkut deixou um legado de nostalgia, que ia desde adicionar amigos, tirar uma foto bacana para colocar no perfil, deixar aquele “textão” afetivo, os famosos “depoimentos” para amigos, familiares, ou aquela paquera. Mas bom mesmo eram as famosas “comunidades”, com seus fóruns de discussão, e até enquetes.

E uma das comunidades de maior sucesso do Orkut, que mais ilustrava um dos principais dilemas da vida de qualquer um: “Eu odeio acordar cedo”, que contou com mais de 6 milhões de membros, e tinha a foto de perfil do personagem de desenho animado Garfield deitado, enrolado no cobertor e parando um despertador. Nada mais ilustrativo, não é mesmo?

Para o técnico em edificações Jorge Rodrigues, que era adolescente no começo do sucesso do Orkut, mandar scraps e depoimentos para os amigos era divertido: “Entre as boas recordações, eu lembro dos depoimentos sobre as outras pessoas, do que você achava delas, dos scraps também, e das minhas fotos que foram perdidas quando foi desativado o Orkut”.

O Orkut chegou ao fim dez anos depois de sua criação: em setembro de 2014. Na época, outra rede social dominava o número de usuários: o Facebook.

Essa matéria matou saudades, não é mesmo? Agora é só aguardar a nova versão, e aguardemos que seja tão boa e duradoura quanto a anterior.

Representação feminina no jornalismo reproduz preconceitos de gênero


Representação feminina no jornalismo reproduz preconceitos de gênero

Levantamento global detalha estigmas e estereótipos enfrentados diariamente pelas mulheres na mídia

Por: Everton Victor e Manoela Oliveira

Foto: Freepik

Seja nas redações, nas assinaturas das matérias, nos editoriais mais “femininos”, até na transmissão da informação existem estereótipos machistas. É o que mostra a pesquisa “Mulheres sem nome”, publicada pela empresa multinacional de comunicação LLYC para analisar a visibilidade feminina na mídia por meio de mais de 14 milhões de matérias. O estudo investigou veículos de comunicação de 12 países, entre eles o Brasil.

Simone Evangelista, professora da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), disse que a disparidade de gênero na cobertura midiática é uma consequência de uma sociedade patriarcal. “O fato das mulheres estarem sempre atribuídas à pouca racionalidade e objetividade é um dos fatores que contribuem para elas terem menos visibilidade no jornalismo”, afirma. 

O estereótipo das mulheres terem menos brilhantismo que os homens também colabora para a desigualdade de gênero, de acordo com Leticia de Oliveira,  coordenadora da Comissão de Equidade da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Ela atribui uma série de fatores para esses estigmas, entre eles a falta de mulheres em cargos de liderança. Cerca de 40% dos profissionais de jornalismo são mulheres, mas ocupam apenas 21% dos postos hierárquicos, segundo o relatório do Instituto Reuters realizado em 2022.

Para Marcelle Felix, pesquisadora do Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ações Afirmativas (GEMAA), da Uerj, a lógica de pensar comunicação ainda é muito pautada por um olhar masculino, promovendo a sub-representação de mulheres na mídia. Esta realidade é detalhada na pesquisa “Mulheres sem nome”. Ao todo, homens assinam 50% mais notícias que mulheres, sendo a Colômbia o único dos 12 países analisados que tem uma maioria feminina publicando matérias. Marcelle conta que o mercado da comunicação é dominado por um grupo masculino e branco, perpetuando esse cenário.

Essa disparidade entre homens e mulheres vai além das assinaturas, estando também escancarada nas seções dos veículos de comunicação. Os temas que dizem respeito à saúde, à sociedade e aos acontecimentos são mais assinados por mulheres, enquanto os homens publicam mais matérias sobre esporte, economia, tecnologia e ciência, segundo a pesquisa.

Distribuição de gênero entre os temas jornalísticos / Gráfico: Reprodução de Manoela Oliveira, com dados do “Mulheres sem nome”

A linguagem usada no jornalismo pode reproduzir estereótipos, por isso o LLYC apresentou o conceito de “apelido feminino”, que é quando há menção explícita ao gênero em uma matéria, mesmo não sendo esse o foco da notícia. O termo é ligado às mulheres, que sofrem 2,3 vezes mais do que os homens com esse fenômeno. A consequência disso, de acordo com o estudo, é a menor aparição feminina em manchetes e o surgimento de notícias com mulheres sem nome. Simone explica que isso ajuda a fortalecer a invisibilização desse grupo.

A descrição da profissão de uma mulher nas matérias jornalísticas é, por vezes, associada também com questões pessoais, como família e relacionamento. Questionamentos se uma pessoa está solteira, casada ou mesmo divorciada atingem cerca de 40% mais as mulheres do que os homens nas matérias políticas, mostra a pesquisa. 

O portal F5, da Folha de S.Paulo, publicou uma matéria sobre a saída da apresentadora Eliana do SBT. Apesar da carreira musical, da trajetória no entretenimento e dos 15 anos na emissora, o F5 destacou no título um relacionamento da apresentadora na década de 90 e uma fala sobre sua vida sexual.

Reprodução de estereótipos machistas na mídia / Matéria: Folha de S.Paulo

Sobre a forma como a mídia vê as mulheres, também destaca-se outro fator: a aparência. A ex-presidenta do Brasil Dilma Rousseff já foi citada como uma das personalidades que realizaram intervenções estéticas em 2012 pela revista estadunidense “Vanity Fair”. Matérias que analisam a cor, o tamanho da roupa e até mesmo a “mensagem” que se quer passar são mais frequentes nas que se referem a mulheres do que a homens. Uma a cada 25 notícias reflete como a mulher está vestida, de acordo com o levantamento. 

Exemplo de matéria com ênfase na aparência física de uma mulher / Matéria: O Globo

Apesar dos desafios para uma igualdade entre homens e mulheres, a pesquisadora Marcelle é otimista. Para ela, existe um longo caminho para desconstruir vieses machistas na mídia, mas, inevitavelmente, o primeiro passo é debater a composição de quem está pensando a comunicação. Ela defende que sair da sub-representação e estar presente em todos os espaços deve ser um exercício diário, de forma sistemática e não apenas em momentos ocasionais nas empresas.

Projeto do Cap-Uerj emancipa saberes

Projeto do CAp-Uerj emancipa saberes e enegrece currículos

Iniciativa retrata para estudantes do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira a negritude para além do período escravocrata

Por Everton Victor

Oficina do projeto na semana da Consciência Negra em 2022. / Foto: Arquivo Pessoal
 
 
 Com a missão de uma educação antirracista, o projeto de ensino Por uma Didática Racial, coordenado pelo professor Luís Paulo Borges, apresenta intelectuais negros para os estudantes da educação básica do CAp-Uerj. O projeto se realiza por meio de um resgate da história afro-brasileira, que, apesar de leis garantirem a obrigatoriedade, não estão presentes nos currículos escolares.
 
Por Uma Didática Racial surgiu em 2016 e foi implementado em 2017, no âmbito do projeto de extensão Circularidades da escola, que é composto por diversos sub-projetos, que abordam raça, classe e gênero. Para o professor Luís Paulo Borges, a importância do projeto está no seu intuito emancipatório, insurgente e de resgate a uma história por vezes apagada. “A escravidão é um fato histórico, mas a nossa história não começa na escravidão, a gente não pode reforçar isso nos currículos”, afirma.
 
Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Ricardo Nogueira, Azoilda Trindade, Renato Nogueira entre tantos outros intelectuais negros, estruturam o conteúdo bibliográfico do projeto, enquanto a  abordagem varia de acordo com a ano da turma, abrangendo alunos do fundamental I e II, em parceria com a professora Larissa Costard de História. Os bolsistas e o coordenador estruturam o ensino por meio de pesquisa e leitura de intelectuais negros e suas contribuições, junto com o convívio semanal nas salas de aulas do Instituto de Aplicação da Uerj.
 

Esse reconhecimento que vai além da sala de aula, sendo convidados para participar de eventos acadêmicos e congressos em Brasília, João Pessoa e na cidade do Rio. Visitar outros ambientes acadêmicos está no papel da Uerj e do próprio projeto de coletivizar o conhecimento, de acordo com o professor.. “A gente é de uma instituição pública, temos o compromisso político de uma educação pública, e, no nosso caso, uma educação pública antiracista”, reforça.

 

“A gente está falando do exercício da prática de uma lei que é obrigatória no Brasil”, explica Borges. A lei n°10.639, de 2003, a que o professor se refere, instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira e indígena nas escolas em todo o território nacional. Cinco anos depois, a lei n° 11.645, de 2008, reforçou a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena no ambiente escolar, obrigações que não se concretizaram integralmente. 

 

A primeira vez que a justiça decidiu apurar o cumprimento da lei foi em 2018, em decisão da 4 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A iniciativa foi tomada após o pedido do Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-brasileiros (Ipeafro) e do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) ser impetrado na Corte.

 
Trabalho do projeto com crianças do 1° ano do Ensino Fundamental sobre racismo em 2023. / Foto: Arquivo Pessoal
 

 

 
 
Para Erivelton Zidane, estudante de história na Uerj e bolsista do projeto, o efeito do Por Uma Didática Racial vai além da sala de aula, na construção individual de empoderamento desses alunos, pois “a educação é um campo que emancipa saberes e sobretudo o indivíduo”. Ele atribui a presença de pautas como essas no ambiente acadêmico à maior participação de pessoas negras, indígenas e da periferia em espaços de intelectualidade. “São negros que estão produzindo seja na academia, seja em espaços de educação não formativos, como quilombos e aldeias,também lugares de saberes”, conclui
 
 
Guilherme Simões, também integrante do projeto e aluno de educação física na Uerj, vê o impacto da do projeto na sua própria vida: “Sinto que hoje sou uma pessoa racializada”. O bolsista relata uma de suas experiências no projeto no ano passado “Foi feito um trabalho com os alunos do sétimo ano do ensino fundamental em parceria com a professora de história Larissa Costard (…) foi uma experiência muito rica, pude absorver como era possível pavimentar o caminho para que cheguem esses outros saberes”.
 
O projeto também desconstrói a ideia de que o ato de escrever e a literatura que forma a sociedade brasileira não é só europeia, mas também negra e indígena, e leva essas discussões para suas redes sociais. No instagram, o Por Uma Didática Racial traz diversas pesquisas sobre a cultura africana e indígena, a história de intelectuais negros, além de dicas literárias e indicações de filmes. Ao todo, a rede conta com mais de 1200 seguidores, o que Guilherme atribui ao “movimento de enegrecer nosso pensamento e transmitir através das redes sociais para outras pessoas”.

Letra Jovem: projeto da Uerj defende o direito à educação de pessoas em situação de vulnerabilidade social

Letra Jovem: projeto da Uerj defende o direito à educação de pessoas em situação de vulnerabilidade social

Coordenadora do Letra Jovem explica como funciona o programa

  

Por: Manoela Oliveira

                                   Projeto Letra Jovem / Reprodução: Márcia Lisbôa

O Letra Jovem atua em duas localidades: no Tribunal de Justiça, localizado no Centro do Rio de Janeiro, e no Centro Integrado de Educação Pública (Ciep), em São Gonçalo. O programa atende três grupos no TJRJ, o primeiro é o “Justiça pelos Jovens”. De acordo com Lisbôa, o grupo ajuda pessoas de 16 a 24 anos que tiveram algum conflito com a lei quando eram menores de idade. “Os jovens podem já ter cumprido a medida ou estar cumprindo essa medida”, completa.

O segundo grupo é o “Começar de Novo”, que atende pessoas que passaram pelo sistema carcerário e estão buscando uma oportunidade de ressocialização na sociedade. Segundo Cauã Bandeira, bolsista do Letra Jovem, o grupo alvo costuma ser composto por pessoas mais velhas, com idades próximas de 40 anos. O terceiro é o “Inclusão Legal”, que oferece aulas para pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social. “A gente trabalha com mulheres que sofreram algum tipo de violência ou pessoas da comunidade LGBTQIA+”, explica a coordenadora.

Para Cauã, a existência de diferentes grupos em uma mesma sala de aula possibilita a aparição de pontos de vista distintos, porque os alunos “têm opiniões que divergem bastante”. Nivea Santos, bolsista do Letra Jovem, afirma que: “os mais velhos compartilham experiência com os mais novos”.

O Ciep permite que crianças do primeiro ao quinto ano participem de oficinas de alfabetização duas vezes por semana. A colaboração entre a escola e o projeto Letra Jovem iniciou em 2016, contribuindo no letramento de jovens com a ajuda de uma equipe de professores e de bolsistas da Uerj.

Etapas do Letra Jovem

                                    Bolsistas do Letra Jovem / Reprodução: Márcia Lisbôa

Cauã contou sobre a metodologia de três etapas usada no Letra Jovem e a importância da participação dos alunos, pois o tema de cada aula é escolhido por meio de uma votação. A primeira etapa é o “Mergulho no tema”, quando essa eleição ocorre e o gênero literário é selecionado. O tema deste ano é preconceito e a contribuição dos alunos é essencial, porque “existe gente de diferentes competências linguísticas”, de acordo com Lisbôa. Nesse primeiro momento, são usados vídeos, imagens, textos curtos e poemas para facilitar o aprendizado de todos.

A segunda etapa é o “Aprofundamento do gênero”, na qual ocorre o ensino de um gênero literário e da estruturação de um texto. Cauã compartilhou que, neste ano, os estudantes escolheram aprender redação. Por último, a “Emergência de ideias” é a etapa na qual os alunos escrevem o texto e recebem as correções e as sinalizações dos bolsistas. Segundo Cauã, o Letra Jovem pretende “fugir do modelo tradicional de aprendizagem”, promovendo o pensamento crítico e a reflexão entre os estudantes.

Importância do projeto

Para Lisbôa, o Letra Jovem é “um ativismo em defesa do direito à educação de pessoas em situação de vulnerabilidade extrema. Porque, os alunos aprendem a respeitar a opinião do outro e a expor seus argumentos”, afirma a coordenadora. De acordo com ela, a metodologia do projeto foi pensada com base nas ideias de Paulo Freire, mas foi somente participando do programa que ela aprendeu a ser uma “freireana de verdade”. Camila Ferreira, bolsista do Letra Jovem, disse que o projeto ajuda os estudantes a desenvolverem o senso crítico e, consequentemente, o conhecimento.

Uma pesquisa do Ministério da Justiça comprova que cerca de 80% dos presos voltam a cometer crimes quando são liberados. Porém, a taxa de não reincidência entre as pessoas que passaram pelo Letra Jovem é próxima de 100%, revela a coordenadora. Após terminarem as aulas, os alunos ainda são acompanhados pelo TJRJ.

Segundo Camila, sua maior dificuldade é aplicar o conteúdo para os alunos de maneira dinâmica durante o tempo curto das aulas. Cauã concorda que caso aumentasse o tempo das oficinas de redação e de português, seria possível proporcionar uma educação mais aprofundada aos alunos. Para Nivea, o TJRJ deveria ser flexível com as faltas dos estudantes, porque muitas pessoas moram em áreas distantes do Centro, onde fica localizado o Tribunal de Justiça. Apesar disso, de acordo com ela, os alunos querem participar das oficinas, pois “a educação é algo que ninguém pode tirar”

Quatro em cada cinco jovens brasileiros enxergam o futuro como assustador devido às condições climáticas

Quatro em cada cinco jovens brasileiros enxergam o futuro como assustador devido às condições climáticas

Vice-diretora do Instituto de Psicologia da Uerj explica os efeitos da ansiedade climática

Por: Manoela Oliveira

Foto: Adobe Stock

Um levantamento global da Universidade de Bath publicado na revista The Lancet Planetary Health revelou que 85% dos jovens brasileiros consideram o futuro assustador em razão das mudanças ambientais. O estudo teve a participação de 10 mil pessoas entre os 16 e os 25 anos, em 10 países (Austrália, Brasil, Finlândia, França, Índia, Nigéria, Filipinas, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos).

De acordo com a pesquisa, as mudanças climáticas provocam consequências para o futuro e a saúde dos jovens e das crianças, sendo esse grupo vulnerável à ansiedade climática. Esse termo, segundo a Associação Brasileira de Letras (ABL), se refere ao “estado de inquietação e angústia desencadeado pela expectativa de graves consequências das mudanças climáticas e pela percepção de impotência diante dos danos irreversíveis ao meio ambiente”.

Para Laura Quadros, vice-diretora e professora do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a ecoansiedade ou ansiedade climática impacta a sociedade como um todo. Ela explica que: “Temos que entender essa noção como algo coletivo, não como uma questão que acomete um indivíduo ou uma categoria de indivíduos”. Cerca de 50% dos brasileiros possuem sua rotina afetada devido às mudanças climáticas, de acordo com o The Lancet Planetary Health.

 

Foto: Reprodução própria, com o uso dos dados do The Lancet Planetary Health
 
 
 
 
 

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas comprovou que a atual crise climática é sem precedentes e as tragédias ambientais extremas podem se tornar cada vez mais frequentes. Segundo Laura, a desesperança é uma das consequências da ecoansiedade.“Quem tem hoje 15 ou 20 anos não vai ver certas melhoras no planeta”, conclui a professora. Porém, a ansiedade climática pode servir como um mecanismo de mobilização popular, especialmente entre os jovens. 

Laura destacou que a ecoansiedade estimula os jovens a desenvolverem um senso de compromisso maior com o planeta. “Não temos mais uma responsabilidade romântica, mas sim uma noção de sustentabilidade”, complementa. Um estudo da Escola de Comunicação, Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC – RS) revelou que cerca de 70% dos jovens brasileiros praticam alguma atitude sustentável.

Beatriz Evaristo, estudante de 19 anos de farmácia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), possui uma visão pessimista sobre o futuro por causa das tragédias climáticas. Para ela, sua maior preocupação é a incerteza do que acontecerá nos próximos anos. Essa é a tendência da maioria dos brasileiros, de acordo com o estudo da Universidade de Bath. Os brasileiros alegaram estar ansiosos (62,5%), tristes (69%), nervosos (64%) e com medo do futuro (72,5%). 

Maria Eduarda Galdino, jovem de 19 anos e aluna de jornalismo da Uerj, comenta que o governo não está fazendo ações eficazes para mitigar as crises climáticas.  Maria Eduarda está entre os cerca de 79% dos brasileiros que acreditam que as autoridades estão falhando em conter as mudanças ambientais, segundo The Lancet Planetary Health. O Brasil foi o país com o maior número de pessoas que relataram se sentirem traídas pelos governadores, com 77% dos entrevistados, em comparação com 58,5% da média global. 

A regulamentação da internet pode vir a ser uma forma de diminuir a ecoansiedade pela grande carga de informação nas redes sociais. De acordo com uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cerca de 72% das crianças avaliadas tiveram um aumento na depressão, na hiperatividade e na ansiedade devido ao uso excessivo de telas. 

Laura explica que é preciso “oferecer outras alternativas e criar outras oportunidades no campo das escolas e da família”. A professora citou a implementação da educação ambiental e financeira nas instituições educativas para promover a discussão da ecoansiedade, além de estimular práticas sustentáveis.

13 de maio: data simbólica, mas será pelo motivo certo?

13 de maio: data simbólica, mas será pelo motivo certo?

Há 143 anos nascia em Laranjeiras, Zona Sul do Rio, o escritor e jornalista Lima Barreto

Por Everton Victor

Lima Barreto. / Reprodução: UFMG
 
 
 
 

A abolição dos negros, em 1888,  é “celebrada” neste dia, apesar de críticas do movimento negro em comemorar a data. Curiosamente, neste mesmo dia, alguns anos antes, em 1881, nasceu no Rio de Janeiro um escritor negro que se tornou um símbolo da literatura brasileira. Encantou o Brasil com o dom da palavra, ao trazer para suas obras a sensibilidade, seu olhar aguçado do dia a dia, desabafos, sem perder o lado crítico, se tornando uma representatividade antes mesmo desta palavra ficar em alta. O nome dele é Afonso Henriques de Lima Barreto.

Já na infância, aos 6 anos, Lima Barreto teve que lidar com a morte de sua mãe, a professora Amália Augusta, vivendo com seus irmãos e seu pai, o tipógrafo João Henriques. Carmen Lúcia,  professora da Uerj e escritora do livro “Lima Barreto em quatro tempos”, explicou como ele era um incansável estudioso e apesar das dificuldades nunca parou, frequentando espaços destinados à elite carioca. “Ele estudou no Liceu Popular Niteroiense e depois foi para a Escola Politécnica, com problema de saúde do pai, precisa assumir a família, e se tornar funcionário público, ficando difícil seguir na Politécnica”, acrescenta Carmen.

Na construção de seus textos, Lima também escreveu o que chamava de “retalhos”, diversos cadernos com suas anotações, leituras feitas e, curiosamente, recortes de jornais.  A professora ressalta que Lima Barreto não estava à parte das questões políticas da época. “Ele batia em seus textos em questões que muitos intelectuais defendiam (…) Nacionalistas, que culpabilizam indivíduos pobres,  que diziam que o Brasil não é uma nação civilizada”. Ao mesmo tempo, a linguagem nas obras dele estava próxima das ruas, de forma “lúdica” que ele aprendeu nos jornais. Já em maio de 1918 reúne suas crônicas no volume Mágoas e sonhos de um povo, criticando as reformas urbanas.

  • Influências

O escritor, durante a juventude, era um assíduo estudioso, estando inserido em debates sobre o contexto nacional e internacional. Escritores russos, como Tolstoi e Dostoievsky estavam presentes nas leituras de Lima Barreto. “Foi um dos primeiros a divulgar a literatura russa no Brasil”, afirmou a professora. Na revista A.B.C, Lima lançou o Manifesto Maximalista, que defendia uma sociedade diferente da que emergia no Brasil, abordando concentração de renda e terras, legalização do divórcio, e a revolução russa.

A professora aponta uma curiosidade de Lima:  mesmo ele sem ir para a Europa, ele indicava para os amigos o que visitar por lá. “Ele que estava aqui sabia mais do que as pessoas que iam para lá, ele aproveitava para pedir livros”.  Aliado à literatura, o contexto dos negros internacionalmente também era foco de leituras do escritor. “Ele estava a par do que acontecia fora do país, uma vez com os amigos na França ele pediu o livro “Le Préjugé Des Races” (O preconceito racial), do escritor Jean Finot, o único intelectual francês da época contra a teoria das raças”, explica. 

  • Jornalista Lima Barreto

Ainda na juventude ganhou reconhecimento cedo entre seus pares, contribuindo em jornais. “Desde a Escola Politécnica ele já colaborava em jornais, como A Tagarela”, afirma Carmen.  No Jornal do Commercio publicou em folhetins uma de suas mais notórias obras, o romance “Triste fim de Policarpo Quaresma”(1916), sendo considerado um pré-modernista.  Também teve passagem na revista Floreal, em 1907, nos periódicos Correio da Manhã, revista Careta, Gazeta da Tarde, revista Fon-Fon, entre outros. 

Uma de suas mais notórias produções jornalísticas é uma série de reportagens em 1905 sobre o Subterrâneo do Morro do Castelo para o jornal Correio da Manhã. Sendo uma mistura da ficção de tesouro enterrado no morro, ao mesmo tempo que traz uma denúncia sobre os malefícios da reforma urbana. Essa série de reportagens se tornou um livro, disponível até hoje. Em suas obras é notória a sátira e as ironias e caricaturas que estavam presentes nas obras de diversos escritores do início do século XX.

  • Linguagem Popular

Parte da Crítica atribui ao escritor Lima Barreto uma baixa qualidade linguística, por sua linguagem de fácil entendimento, o que para a professora Carmen não se sustenta, pois ele incorpora nesta fácil linguagem ideias de outros escritores e filósofos. “Ele tem um método que contradiz aquilo que a gente lê na Crítica e no senso comum, a gente lê que o Lima produzia de bar em bar, como se aquela produção viesse por acaso, mas não é bem assim, é muita pesquisa e muito estudo”.

A fase conturbada de Lima, o alcoolismo, era um problema presente, mas ele tinha consciência disso. “É interessante a gente ressaltar que a todo tempo existe uma auto consciência desse problema. Nos diários, ele fazia comentários que tinha que parar”, afirma a professora. Para ela, é um erro “justificar a obra por esse vício”.

Lima Barreto tentou duas vezes ingressar na principal instituição literária do país, a Academia Brasileira de Letras, e nas duas vezes foi negado – na primeira tentativa, seu pedido foi desconsiderado ainda na inscrição. De acordo com Carmen Lúcia, “não há um fator único que justifique isso. Há um viés político de poder que justifica a entrada de uns e não de outros. O Lima cronista e que usa a tribuna da imprensa não é um Lima que agradava todo mundo”. A Academia deu menção honrosa perto do fim da vida do autor, em 1920, pelo livro Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá.

  • Racismo

A questão racial está presente não só nas obras, mas nas suas fases e vivências na cidade e no ambiente intelectual. Carmen classifica em três pontos o racismo e seu impacto na vida de Lima Barreto. “Quando ele usa a tribuna da imprensa denunciando o racismo na cultura brasileira usando todos os argumentos dos escritores que ele lia na época para falar das absurdidades que aconteciam em termos de negligência, violência e opressão, ele comentava com muita segurança sobre o massacre dos negros nos Estados Unidos depois da guerra civil e dizia: olha isso está acontecendo no Brasil”.  

A construção dos textos como escritor, para Carmen, é influenciada pela questão racial. Ela cita o romance “Clara dos Anjos” (1948), publicado após sua morte,  que traz críticas sociais e explora a construção da consciência racial da personagem. Enquanto no periódico Diário Íntimo, mostra como a questão racial o formou. “Quando Conceição Evaristo fala em escrevivência ela amplia esse processo de que sou eu e toda uma descendência que carrego comigo, isso me define, então ela fala da história de muitos, mas parte da primeira pessoa, parte da sua experiência, então é esse movimento que Lima capta desses pensadores do início do século e ele aprofunda em sua literatura”.

Legado

Jornal homenageando a vida de Lima Barreto. / Reprodução: Brasil na Foto/Gov
 
 
 

Lima Barreto morreu precocemente, aos 41 anos, de ataque cardíaco por complicações do alcoolismo. Além do alcoolismo, lidou com a depressão e com sua breve passagem pelo hospício, que é abordada em sua obra Diário do Hospício, publicada em 1953.  O escritor acumula um acervo de obras variadas, de contos, romances, diários, crônicas, artigos e reportagens.

Lima Barreto é doutor honoris causa pela UFRJ, onde estudou na Escola Politécnica, título que só veio 101  anos depois de sua morte. Ele também já foi homenageado na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, em 1982, pela Unidos da Tijuca. Além de contar com outros títulos, filmes, nome de ruas e biografias em sua homenagem.  

Para o escritor Anderson Shon, a literatura negra perpassa as obras de Lima Barreto. Um dos livros de Anderson, o “Estados Unidos da África”, produzido em parceria com Daniel Cesart, traz o empoderamento negro em quadrinhos para o público adulto. Ele explica que ao longo de mais de 10 anos publicando livros, sendo mediador e palestrante da Bienal da Bahia, ainda é um desafio ser reconhecido pela Academia. “A gente não é visto pela Academia como saber, a menos que a gente esteja estudando alguém que está morto (…) A gente não precisa que uma geração morra para estudar ela”. No último sábado, o escritor lançou o romance “Não termine comigo, Joana”.

De acordo com a secretária dos Comitês de Cultura Roberta Martins, o Ministério da Cultura tem como princípio fomentar artistas negros, através de ações afirmativas nos seus principais projetos. “A gente tem a Lei Paulo Gustavo (R$3,8bi), a Lei Aldir Blanc (R$3bi), os artistas negros têm um percentual destinado obrigatoriamente para execução em municípios e estados para as suas produções, e isso é fundamental porque está incidindo efetivamente no financiamento”, afirma a secretária.

Roberta conta que a Cultura faz um resgate das personalidades negras através de editais, e  quando celebra a memória dessas personalidades. “A Fundação Palmares tem uma espécie de panteão de personalidades negras que foi retomado nesse ministério, estão lá Lima Barreto, Jurema Batista, Léa Garcia, Martinho da Vila”. Para  a secretária, esse resgate é uma ponte com a população negra de hoje, “é trazer os brasileiros para próximo de nós”, ressalta.