Calor intenso e turismo desordenado ameaçam corais na costa brasileira
Pesquisadores destacam que 90% desses organismos estão em risco; projetos de conservação investem em educação ambiental
Por: Maria Luísa Moura Fontes
Coral branqueado. Foto: Thales Vidal/PELDTAMS/Via Agência Brasil
O aumento da temperatura dos oceanos, resultado das ondas de calor em todo o mundo, tem provocado o branqueamento de diversos corais na costa brasileira. Esses organismos são extremamente sensíveis às mudanças climáticas e, com temperaturas mais altas, acabam expulsando as zooxantelas – microalgas com as quais vivem em simbiose. Sem algas, os corais ficam brancos.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) afirma que, se não houver redução significativa da emissão de carbono para frear o aquecimento global, todos os corais do planeta passarão pelo branqueamento até o final do século. A situação se torna mais preocupante porque – mesmo que os países consigam atingir a meta do Acordo de Paris, que limita o aumento da temperatura a 1,5°C – estima-se ainda que 70% a 90% dos recifes coralíneos morram.
Segundo o PNUMA, os corais fazem parte de 25% da vida marinha de todo planeta, mesmo ocupando apenas 1% do oceano. A construção rochosa dos recifes comporta até 800 espécies diferentes de corais, que dispõem da maior biodiversidade de todo ecossistema global. Além da importância biológica desses seres, os corais também são fundamentais para o turismo ecológico, sem danos ao meio ambiente. De acordo com a Fundação Grupo Boticário, organização sem fins lucrativos de proteção da natureza, o turismo em recifes de corais na costa do Nordeste arrecada cerca de 7 bilhões por ano, o equivalente a 5% do PIB turístico brasileiro.
O professor Rodrigo Leão Moura, pesquisador do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração em Abrolhos, estuda as causas e os desdobramentos do branqueamento de corais. Em Abrolhos foi criado o primeiro Parque Nacional Marinho do Brasil. Essa região possui a maior extensão de recifes mais biologicamente diversos de todo Atlântico Sul, e sua preservação é fundamental para a proteção de espécies endêmicas – encontradas apenas nesse local.
De acordo com Leão Moura, as últimas descobertas científicas invalidaram a teoria de que os corais brasileiros seriam mais resistentes ao calor. “Mesmo sendo mais resistentes ao branqueamento, os corais brasileiros têm morrido após as ondas de calor. Essa característica dificultou o entendimento do processo de declínio dos corais brasileiros, uma vez que os monitoramentos geralmente se concentram nos períodos anômalos e são descontinuados após esses eventos”, explica o especialista.
Diante das adversidades climáticas cada vez mais graves, o cenário atual em Abrolhos é de perda generalizada da qualidade ambiental dos recifes coralíneos. Segundo o professor da UFRJ, com a morte dos corais, os recifes passam a sustentar menos biodiversidade e, consequentemente, a armazenar menos biomassa de peixes para a produtividade local.
Em 2003 foi criado no Brasil o Projeto Coral Vivo, para proteger os recifes de corais. Do projeto surgiu em 2013 o Instituto Coral Vivo, uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que atua na conservação e sustentabilidade do ecossistema marinho. Vice-presidente do Instituto, o oceanógrafo Miguel Mies, professor da USP, ressalta que a perda da biodiversidade marinha, neste caso, afeta não só a costa brasileira, mas todos os ecossistemas do planeta, já que os recifes são interligados e se apoiam um no outro.
Segundo Mies, mais de 50% dos corais morreram nos últimos 30 anos. “É difícil você encontrar hoje um recife que a gente chama de prístino. Prístino é aquele que praticamente não sofreu nenhum impacto relevante, tá em uma condição de saúde excelente, é raríssimo encontrar isso”, reflete o pesquisador.
Além disso, ele alerta para o fato de não ser possível reverter completamente a degradação sofrida e de, no momento, não haver possibilidade de recuperação da cobertura coralínea original, pois não existem medidas efetivas para a redução das temperaturas globais, assim como pontua o professor Leão Moura, também especialista no tema.
Já na Ilha Grande, na costa carioca, o professor Luís Felipe Skinner, doutor em Biologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, acredita que é possível reverter alguns impactos ambientais com mudanças básicas de atitude, como a conscientização de turistas sobre contato indevido com os corais.
Skinner revela que a elevação da temperatura atmosférica no Brasil, nos últimos tempos, provocou alterações diferentes no litoral do Rio de Janeiro. Por exemplo, a Baía de Ilha Grande recebeu ondas de calor mais fortes por ter águas mais confinadas, chegando à temperatura de quase 30°C, enquanto na Região dos Lagos – em Cabo Frio, Búzios e Arraial do Cabo – o impacto foi aparentemente menor.
Com relação ao processo de degradação das colônias coralíneas, os pesquisadores relatam um problema em comum: o turismo desorganizado que prejudica a qualidade da água e agride organismos marinhos como os corais. O que se observa frequentemente nos litorais mais procurados pelos turistas é a promoção de atividades que contribuem para a destruição de habitats marinhos, como lançamento de âncoras para atracar barcos, pisoteio de corais e descarte de lixos. Com a chegada das ondas de calor nessas costas, as consequências da degradação são intensificadas, especialmente em período de El Niño, quando a temperatura do mar é elevada por semanas ou meses.
Nesse cenário, são necessários investimentos que viabilizem fiscalizações constantes e ações de preservação dos corais, descreve Skinner: “Há uma necessidade de monitoramento frequente, e, para isto, há uma demanda de equipe e logística muito grande. Estas demandas significam recursos financeiros aos quais não temos tido acesso, o que limita muito nossa atividade”.
Coral Montastraea cavernosa no recife Pirambu, na APA Costa dos Corais. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil