Educação que salva: projeto da Uerj transforma ensino sobre hemoterapia e conscientiza novos doadores
Por: Alice Moraes e Thaísa de Souza

No Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), um projeto de extensão vem mudando a forma como a hemoterapia é compreendida — tanto dentro quanto fora das salas de aula. Coordenado pela médica e professora Flavia Miranda Bandeira, o projeto de extensão Educação em Hemoterapia une ensino, ciência e engajamento social para suprir uma lacuna histórica na formação de profissionais da saúde.
A iniciativa nasceu em 2021, após a constatação de que o tema da hemoterapia ainda recebe pouco espaço nos currículos de cursos como Medicina e Enfermagem. “A gente via a deficiência dos alunos, inclusive trabalhos [dentro] e fora do Brasil mostram como se fala pouco sobre transfusão, tanto para o profissional quanto para o receptor”, explica a dra. Flavia, de 62 anos, que também atua no banco de sangue do Hupe. Diante disso, surgiu a proposta de um projeto que não só abordasse a doação de sangue, mas também temas como a lógica das transfusões, os testes laboratoriais envolvidos e os direitos do paciente transfundido.
Com uma equipe atualmente formada por sete alunos, incluindo bolsistas, o projeto se articula em diversas frentes: produção de conteúdo nas redes sociais, organização de rodas de conversa — presenciais e online —, visitas a escolas e unidades de saúde, e participação em congressos científicos. A estudante Carolina Godoy, de 23 anos, da Faculdade de Medicina da Uerj, entrou para o projeto no quarto ano da graduação e destaca o impacto da experiência: “Mesmo não querendo me especializar na área, entendi que a hemoterapia está presente em qualquer campo da medicina. Saber mais sobre isso virou uma necessidade.”

A estudante de Medicina afirma que os alunos do curso passam apenas uma semana estudando sobre hematologia e hemoterapia, o que, de acordo com ela, não é o suficiente para o aprendizado. Ela conta que se interessou em fazer parte do projeto ao ver a divulgação do processo seletivo para bolsistas no Instagram oficial: @hemoterapia.uerj. Carolina diz: “O conhecimento em hemoterapia, ele não deve ser restrito a quem é especialista na área. Eu acho que todo mundo deveria saber, até quem não é da área da saúde. ”
O projeto, além de oferecer mais aprendizado e estimular a pesquisa para Carolina e para os demais estudantes que participam dele, leva o conhecimento para o público interno e externo, promovendo conscientização sobre hemoterapia.
Além de produzir e divulgar informações baseadas em evidências, os alunos têm contato direto com a comunidade e se tornam referência entre os colegas. “Meus amigos da faculdade vêm tirar dúvidas sobre hemoterapia comigo. Muitas vezes eu não sei, então, eu sempre sou estimulada a pesquisar, sabe?”, relata Carolina. Segundo Flavia, esse é um dos principais valores do projeto: “Quando a gente pesquisa, às vezes a gente aprende muito mais fácil do que aquele conhecimento que vem passado para a gente.”
A professora e a aluna informam que o projeto vai além do Instagram. Eles também fazem trabalhos para levar em congressos, para eventos médicos e da área da saúde em geral, participam de rodas de conversa presenciais e online, realizam visitas a pacientes do Hupe e estiveram presentes no evento Uerj Sem Muros, ocorrido em março deste ano.
Doação de sangue: Mitos e verdades
A professora Flavia desconstrói o mito de que para doar sangue é necessário estar em jejum. “Na realidade, a pessoa tem que doar estando bem alimentada. Uma refeição leve, mas a doação não tem que acontecer em jejum”, ela explica.
O segundo mito que a doutora esclarece é o de que as mulheres não podem doar estando menstruadas. Ela enfatiza: “Você pode doar estando menstruada, dependendo de como você esteja naquele momento.” O terceiro mito listado pela profissional é o de que pessoas com tatuagem ou piercing não podem doar. Sobre esse, ela diz: “Essas pessoas podem doar depois de seis meses de colocada ou feita a tatuagem. E se o piercing não for em boca, nem cavidade sexual, você pode doar sangue também.”
Ela também explica sobre o que chamou de “o mito da acomodação”. Este se refere às pessoas que se impedem de doar, por achar que já tem bastante gente doando. Menores de idade podem realizar doações, os idosos podem doar até os 69 anos de idade e doar sangue não transmite doenças, pois todo o material utilizado durante o processo é descartável. A doutora Flavia alerta: “São mitos que as pessoas caem no imaginário popular e não tem nenhuma evidência, não tem nem embasamento científico.”
A importância da Educação em Hemoterapia
A estudante Carolina afirma ter certeza de que há uma carência desse tipo de ensino. Ela relata ter a percepção de que cada vez mais as pessoas não estão doando sangue. Era um hábito mais comum antigamente, então os indivíduos que doavam mais estão envelhecendo, enquanto a nova geração doa menos. A demanda por doadores, no entanto, cresce cada vez mais, embora as doações não acompanhem o crescimento da demanda.
Carolina ressalta que o projeto é importante não só porque falam sobre doar sangue, mas por causa da conscientização que busca despertar nas pessoas a vontade genuína e voluntária de serem doadoras. De acordo com a doutora Flavia, o Brasil não tem uma cultura de incentivo à doação de sangue voluntária e espontânea, e sim uma cultura de doação de reposição. “Esse é o trabalho do projeto de extensão, levar isso para a comunidade, explicar o porquê. Por que eu tenho que receber sangue? Que sangue é esse? O que é que ele faz no meu corpo? A gente passa esse direito de informação à população”, esclarece a doutora.
Por meio do Instagram, a educação em hemoterapia vem alcançando mais pessoas. A página oficial do projeto recebe bastante retorno nessa rede social digital. A equipe enxerga o aumento de novos seguidores interessados em conhecer o trabalho deles. Carolina compartilha que os estudantes que integram o projeto se alegram quando recebem perguntas e dúvidas pelo Instagram. Eles já receberam mensagens até mesmo de seguidores que não têm relação direta com a hemoterapia, mas que queriam esclarecimentos e curiosidades. Esses pequenos acontecimentos marcam o objetivo do projeto sendo alcançado.
Como incentivar a doação sanguínea?
A primeira questão indicada pela dra. Flavia é a educação. A educação parte de falar sobre a necessidade de doar sangue desde as escolas primárias. Ela detalha: “Alguém explicando para a população quais são os requisitos básicos para doação de sangue, que é uma coisa tão banal, mas as pessoas não sabem. Então, outra coisa também é a gente ter mais acesso a mais, digamos, postos de doação.”
De acordo com ela, o governo também deveria propor algum lugar para falar sobre o assunto. Uma campanha maciça feita pelo governo teria papel essencial no incentivo da doação de sangue. “A gente vê de vez em quando, mas não é uma coisa sistemática. Então, o governo tinha que realmente se envolver com isso, divulgar e usar espaço de mídia formal, tipo a televisão e o rádio, já que a gente sabe que muita gente ainda escuta rádio e televisão”, conclui a médica.