Os Brics e o desafio de ir onde o povo está
Em encontro de representantes financeiros dos países emergentes, sociedade civil cobra políticas de habitação e apoio à população em situação de rua
Por Everton Victor e Julia Lima

Para apresentar as principais prioridades da presidência brasileira nos BRICS, a Trilha de Finanças realizou um encontro com a sociedade civil no dia 24 de março no Rio de Janeiro. Entre as propostas apresentadas à população está um maior investimento em fundos climáticos e a coordenação de reformas do sistema monetário e financeiro internacional.
Na análise da professora Ana Garcia, pesquisadora do Brics Policy Center, as negociações dos BRICS historicamente são restritas aos países-membros, com pouco espaço para a participação social. De acordo com ela, esta realidade vem mudando nos últimos anos com mecanismos de participação social. “Com o retorno da presidência para o Brasil, tendo em vista a experiência com o G20 Social, o governo brasileiro está mais aberto a criar espaços de informação. A participação da sociedade civil está mais frequente, com espaços para transparência e informação de demandas, pautas e lutas sociais”.

É a quarta vez que o Brasil assume a presidência do BRICS desde sua criação, em 2001. O grupo reúne África do Sul, Arábia Saudita, Brasil, China, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia, Irã e Rússia integram o foro como países membros. Outras nações participam do agrupamento como convidados e parceiros, cujos representantes também participam da Cúpula dos BRICS em julho deste ano, no Rio de Janeiro.
O BRICS se divide em diferentes trilhas que discutem múltiplos temas de interesses das economias emergentes, como trabalho, inteligência artificial, reforma da governança global e enfrentamento às Mudanças Climáticas. Este ano estão previstas mais de 100 reuniões envolvendo representantes dos países-membros.
De acordo com a pesquisadora, o encontro promovido pela Trilha de Finanças com a sociedade civil no Rio representa uma aproximação do que os países membros discutem com suas populações. Uma das prioridades apresentadas no evento foi realizar reformas do sistema monetário e financeiro internacional, além de facilitar o comércio e os investimentos entre países BRICS. A ideia é impulsionar as negociações entre os integrantes do bloco, com transações que poderiam ser feitas com as moedas dos países membros, o que pode representar uma menor dependência em relação ao dólar.
Nos debates iniciais, a Trilha explicou a intenção de expandir o NBD (sigla), um dos principais bancos de desenvolvimento do Sul Global. O banco é responsável por financiar projetos de infraestrutura em diferentes países. E, durante o encontro com a sociedade, uma das metas previstas é a adesão de novos membros do NBD. Avançar em diálogos sobre temas alfandegários e parcerias público-privadas também são alguns objetivos da trilha.

Flávio Lino, secretário-executivo do Movimento Nacional de População em Situação de Rua (MNPSR), alertou que é preciso que a aproximação com a sociedade civil se converta em políticas públicas. “Estar ocupando este espaço é trazer as nossas experiências, esperanças e expectativas de que políticas internacionais de desenvolvimento cheguem à população em situação de rua”.
De acordo com o levantamento do Participa + Brasil de 2022, são mais de 4,5 milhões de pessoas em situação de rua nos países fundadores dos BRICS (África do Sul, Brasil, China, Rússia e Índia). “O BRICS trata desenvolvimento, mas desenvolvimento sem pessoas não é a mesma coisa”, afirma o secretário.
Lino coordenou o subgrupo para a População em Situação de Rua durante o G20 Social no ano passado. O secretário adiantou à Agenc que o movimento está elaborando um documento com sugestões a serem entregues para a Trilha de Finanças dos BRICS. Entre as possíveis propostas está a criação de um fundo internacional de habitação e assistência social.
A missão do Brasil não estará restrita apenas à coordenação deste agrupamento. A COP30 acontece este ano em Belém do Pará. O Brasil tem procurado pautar nos BRICs discussões sobre a questão ambiental e caminhos para uma economia mais sustentável. Taxonomias verdes, finanças mistas e transição energética são algumas introduzidas no agrupamento pela presidência brasileira. O alinhamento ambiental pode ser um grande desafio de alinhamento com os países BRICS, segundo a pesquisadora do Policy Brics Center.