Brincando no Hupe: transformando a rotina hospitalar das crianças
Brinquedoteca do hospital da Uerj é ferramenta de humanização e acolhimento
Por: Alice Moraes e Thaísa de Souza

Prateleiras com brinquedos e vários jogos de tabuleiros empilhados estão disponíveis para as crianças escolherem livremente na brinquedoteca do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe). As cores, as bonecas, os dinossauros, os carrinhos e o grande urso que é mascote da brinquedoteca despertam a atenção de quem entra na sala.
A brinquedoteca se localiza no ambulatório de pediatria do Hupe e desempenha um papel fundamental em consolar e humanizar a experiência da criança no hospital. A equipe da brinquedoteca explica que a criança muitas vezes chega assustada para as consultas, então a brinquedoteca presta esse acolhimento e quebra o ambiente desconfortável que o hospital pode ser para os pequenos.
Cândida Mirian Vasconcelos Santos, de 73 anos, é coordenadora da brinquedoteca e assistente social. Ela explica qual o papel de um brinquedista: “É um profissional da área de ludicidade, formado pela Associação Brasileira de Brinquedoteca, que atua com as crianças nos hospitais, oferecendo atividades lúdicas”. A equipe também esclarece que a brinquedoteca é um espaço essencial que deveria ter em mais hospitais do país. De acordo com eles, a brinquedoteca é um local com brinquedos e profissionais capacitados para apresentar à criança a possibilidade enorme de brincar.
“Essas crianças vêm com um sofrimento, vêm incapacitadas. O convite para brincar dá a elas a oportunidade de decidir como e com o quê brincar. Algumas crianças até brincam de dar vacina no brinquedista, então [elas vão] representando e entendendo o que está acontecendo”, explica Maira Martins, de 67 anos, psicóloga do espaço lúdico.
O condutor da brincadeira tem papel de amenizar as dores. “A criança quando entra aqui não tem escolhas, ela tem que tomar injeção etc. O único momento que ela tem voz é na parte do brincar”, explica a brinquedista Flavia Vieira, de 49 anos, ressaltando o quanto é importante a autonomia que a brinquedoteca proporciona à criança no ambiente hospitalar.
A brinquedoteca facilita também a relação da criança com a equipe da enfermaria, como ressalta Graziene Costa, de 39 anos, brinquedista e secretária do local. A brinquedoteca transforma a ida ao médico em algo prazeroso, já que, segundo a equipe, muitas crianças saem de lá empolgadas para voltar outro dia e brincar de novo.
A equipe também ressalta que a brinquedoteca não beneficia apenas as crianças, mas também os familiares e acompanhantes, que encontram ali um espaço de acolhimento e alívio em meio à tensão hospitalar. “Facilita bastante a ligação das mães, dos acompanhantes, com a própria criança, porque a mãe fica hospitalizada junto por muito tempo, dependendo da situação, e também sofre com a casa, os filhos, o marido e o trabalho”, afirma Maira.
O lugar proporciona uma interação especial entre a criança e a família, como Graziene reforça: “A família muitas vezes não tem tempo para brincar com o filho. Então o momento que é pra ser chato, a hora da consulta, acaba sendo prazeroso porque a mãe tem um tempo a mais para estar com a criança”.

A brinquedoteca é fruto de uma longa história de resistência. Criada em 2003, o espaço já enfrentou dificuldades para se manter ativo, mas a equipe nunca deixou de lutar pela importância do brincar dentro do hospital. Essa luta ganhou reforço recentemente com a regulamentação da profissão de Brinquedista, reconhecida oficialmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego com o código 3714-15 na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), o que diferencia o profissional de outros ocupantes da área de recreação e fortalece políticas públicas, cursos de qualificação e a correta atribuição de funções nos hospitais.
Como destaca Matheus do Valle, de 29 anos, psicólogo e brinquedista: “[A regulamentação] abre as portas para terem outros hospitais também. É lei que todo hospital que tem internação pediátrica tem que ter uma brinquedoteca, tem que ter brinquedista”. Esse reconhecimento não é apenas um marco para os profissionais, mas também uma vitória para as crianças hospitalizadas, garantindo que o brincar seja um direito respeitado e integrado à assistência hospitalar.
Além da atuação no dia a dia, o grupo investe em iniciativas que expandem o alcance do projeto, como a Brinquedoteca do Adolescente e a Brinquedoteca Universitária. Há ainda o Mundo dos Sonhos, livreto lúdico pensado para crianças que enfrentam cirurgias: “As crianças às vezes [falam] ‘ah, eu não quero ir pra cirurgia’, ‘o que eu vou fazer na cirurgia?’ Então a gente conversa sobre o que vai acontecer e conta essa história com uma cartilha”, explica Cândida. Essas frentes reforçam a ideia de que o brincar é essencial em todas as fases da vida, adaptado às necessidades de cada público.

A produção científica e cultural do grupo, que inclui um livro, artigos e participação em congressos, também ajuda a consolidar a credibilidade do trabalho e ampliar seu impacto. “Em 2023, a gente lançou o livro da Brinquedoteca na Bienal. A equipe toda escreveu. Ele fala sobre as rotinas da brinquedoteca, o que é o brincar, por que o brincar é importante e a história da brinquedoteca em si”, explicou Matheus. Além disso, a Brinquedoteca é referência nacional. “Temos autorização para fazer cursos de brinquedista, fórum, seminário. Somos núcleo da Abbri, somos núcleos do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), fizemos o 1º Congresso Internacional Brincar, Brinquedista, Brinquedoteca… Então, a gente faz bastante coisa. Só precisamos de mais apoio”, conta Cândida.
Qual seria esse apoio? A coordenadora explica que seria um apoio político: “Muita gente reconhece nosso trabalho, mas não dá gás, a gente precisa de gás. Por exemplo, agora nós fizemos um concurso público; hoje estou com apenas dois funcionários concursados. Eu estou para sair ano que vem, não porque eu quero. Tenho 73 anos, aos 74 eu tenho que pedir, não tem jeito. Mas eu não quero que isso aqui morra”. Ela também fala sobre a importância do projeto em sua vida. “As pessoas dizem: ‘Cândida, você tá doente com esse trabalho’. Para mim, não é uma doença. A minha saúde, a minha energia é isso aqui. Isso aqui faz a gente ficar jovem, não tem jeito, entendeu? Então, a gente tem que continuar. Eu brigo muito por esse trabalho, pelo espaço que nós perdemos, mas a gente tá aqui, alojado, ainda de mudança, esperando uma nova etapa que com certeza vai acontecer”.
A sala pequena, a falta de recursos e até doações inadequadas de brinquedos limitam o potencial de atuação. Ainda assim, a dedicação dos brinquedistas garante que o espaço continue vivo e transformador. Como destaca a equipe, mais do que apenas um local para se divertir, a brinquedoteca é um espaço de humanização, que devolve à criança a chance de ser protagonista mesmo em meio à experiência difícil da hospitalização.














