Festival 3i discute desinformação e os interesses por trás dela

Festival 3i discute desinformação e os interesses por trás dela

Evento de jornalismo promovido pela Ajor aconteceu neste fim de semana no Rio de Janeiro

Por Everton Victor e Julia Lima

Mesa sobre Desinformação no Festival 3i. Da esquerda para a direita: Ellen Guerra Cerqueira, Talita Bedinelli, Max Resnik, Erick Terena. Foto: Julia Lima

Aquela mensagem alarmista repassada pelo WhatsApp, o corte específico de uma fala e até a manipulação de vídeos feita por IA: a desinformação não surge “do nada” e costuma estar atrelada a interesses econômicos e políticos. Este foi um dos debates centrais da 6° edição do Festival 3i, promovido pela Ajor (Associação de Jornalismo Digital) entre os dias 6 e 9 de junho na Glória, Zona Sul do Rio de Janeiro.

As redes sociais muitas vezes funcionam como grandes potencializadores da desinformação, e a falta de uma regulamentação específica fortalece estes discursos. O movimento anticiência, por exemplo, nega estudos e notícias comprovadamente verdadeiras, manipula informações e chega a colocar em risco a vida das pessoas – impulsionado pelos algoritmos das plataformas. Foi o que apontou a mesa “Construindo vínculos entre jornalismo e comunidades como estratégia de combate à desinformação”, do Festival 3i. 

 

Jornalista fundador do portal “Mídia Indígena”, Erick Terena

Erick Terena, fundador do portal Mídia Indígena, afirma que o jornalismo de território é um mecanismo crucial para combater a desinformação. Para ele, existe uma necessidade de um jornalismo preocupado essencialmente com o espaço onde está localizado, e não restrito ao eixo Rio-São Paulo-Brasília. “A gente não trabalha o jornalismo, a gente vê a comunicação como sobrevivência. Se deixarmos de nos comunicar, pessoas e biomas vão ser impactadas”, afirma.

De acordo com o Instituto Locomotiva, 90% dos brasileiros afirmam ter acreditado em alguma fake news. Uma das ações recentes pelo Judiciário sobre o tema foi durante a eleição presidencial de 2024. O Artigo 9 da Resolução 23.732/24 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) veda a “divulgação ou compartilhamento de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”. Apesar da iniciativa, o Brasil não tem uma tipificação para outros contextos de desinformação.

A promoção da desinformação ganha liberdade e espaço nas redes, e a sensação de impunidade fortalece esses fenômenos fora delas. Entre os limites entre ativismo e jornalismo, Erick Terena reforçou no evento o dever de informar e o papel do jornalismo de se contrapor a desinformação. A defesa do meio ambiente, principalmente por conta de sua origem indígena, e o combate às notícias falsas ou manipuladas são ferramentas em que, segundo ele, não existem lados a serem disputados. “Ativismo não é uma profissão, nós fazemos isso há milhares de anos”, afirma. 

O Brasil não possui legislação sobre regulamentação das redes sociais, mas discute Projetos de Lei (PL) sobre o tema. Está em tramitação no Congresso Nacional o PL 2338/23, que institui um marco legal com mecanismos e orientações para regulamentar a inteligência artificial no Brasil. Em paralelo, também tramita no Congresso o PL 2.159/21, apelidado “PL da Devastação”. Entre as ações está a flexibilização do licenciamento ambiental, o que pode expandir o desmatamento, de acordo com Greenpeace e outras organizações ambientais.

Ferramentas de checagem cada vez mais necessárias

Com o aumento da desinformação, fez-se necessária a criação de ferramentas e até sites inteiros focados apenas em esclarecer se as mensagens que circulam na internet são verdadeiras ou falsas. O Aos Fatos, criado em julho de 2015, é um dos veículos nascidos com essa proposta, e apresentou um de seus resultados durante o Festival 3i: no projeto Check-Up, a equipe do Aos Fatos pesquisou nove portais de notícias, mapeou anúncios em formato de matérias jornalísticas e concluiu que 90% deles espalham desinformação sobre saúde.

Leonardo Cazes, editor-executivo de Aos Fatos. Foto: Julia Lima

Leonardo Cazes, editor-executivo do site, afirmou que o trabalho demorou cerca de 6 meses. Usando ferramentas específicas, a equipe coletou 242 mil dos chamados anúncios nativos relacionados à saúde – as matérias pagas por anunciantes. Segundo ele, o principal tema é a cura “milagrosa” de doenças como diabetes e dores crônicas – que não têm cura cientificamente comprovada, apenas meios de controle. 

O jornalista aponta o uso do argumento de autoridade como o principal fator de convencimento nas desinformações, como falas inventadas do médico Drauzio Varella, e até a atribuição de funções falsas a instituições científicas: “Dizem que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) recomendou X remédios, quando na verdade ela só autoriza o uso das coisas”.

 

Central da COP dá cartão vermelho para a desinformação e defende debate climático no cotidiano

Central da COP dá cartão vermelho para a desinformação e defende debate climático no cotidiano

Parceria entre Agenc e Observatório do Clima realizou mesa-redonda na última segunda (2), durante a Semana de Meio Ambiente da Uerj

Por Julia Lima

Da esquerda para a direita: Isvilaine Silva, Ana Carolina Lourenço, Fernanda da Escóssia, Petroleco e Cláudio Ângelo. Foto: Letícia Santana.

A desinformação climática e o desafio de mobilizar a sociedade civil em defesa do planeta foram os temas abordados na “Central da COP: a mesa-redonda do clima”, evento realizado na última segunda-feira (2) na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). A mesa teve a presença dos debatedores Claudio Angelo, Ana Carolina Lourenço e Fernanda da Escóssia, com apresentação de Isvilaine Silva. Parceria entre a Agência de Notícias Científicas da Uerj e do Observatório do Clima, a Central da COP seguiu o modelo das famosas mesas-redondas de futebol, em que um tema é lançado – neste caso, um assunto relacionado à COP30 – e os comentaristas se revezam para dar suas opiniões.

E, como o jornalismo ouve os dois lados, a mesa teve a presença do Petroleco, lobista da indústria do petróleo, que pôde contribuir – ou nem tanto – para o enriquecimento do debate. A mesa discutiu os principais temas da COP30, a Conferência do Clima da ONU que acontece em novembro em Belém, o PL da Devastação, a agressão sofrida pela ministra Marina Silva e a desinformação sobre a mudança do clima. 

O jornalista Claudio Angelo, do Observatório do Clima, comentou o episódio de agressão à ministra Marina Silva em audiência no Senado Federal. “Armaram uma arapuca contra a ministra do Meio Ambiente. Mal sabiam eles que ela já era senadora quando eles tomavam Toddynho”, afirmou.

Um dos episódios de desinformação discutidos foi a entrevista de Elon Musk à rede de TV Fox News, em que afirmou que não é necessário criar pânico em torno do assunto, e que todos poderão continuar “comendo seu churrasco”. Com relação a essa fala, Ana Carolina comentou: “Ele afirma que a principal função de nós aqui nessa mesa, o movimento climático global, é tirar o churrasco das pessoas”.

Realizado no auditório 91 da Uerj, o evento reuniu cerca de cem pessoas, entre professores e estudantes de diversos cursos, além de técnicos. Ao final da discussão entre os debatedores, a plateia pôde fazer perguntas e tirar dúvidas sobre a COP30 e o atual cenário ambiental no Brasil e no mundo. O público também participou da mesa a partir de um bingo. Quem completava a cartela com palavras relacionadas ao tema ganhava um álbum de figurinhas exclusivo da Central da COP.

                                                      Álbum de figurinhas da Central da COP. Foto: Letícia Santana.

De acordo com Fernanda da Escóssia, professora da Uerj e coordenadora da Agenc, “o clima é um assunto político, mas não é dos políticos”. E é por isso, segundo a jornalista, que é necessário que o tema seja cada vez mais levado para o debate entre membros da sociedade civil. A professora destacou a relevância do jornalismo para combater a desinformação e o negacionismo que costumam acompanhar debates climáticos.

Ana Cláudia Campos, estudante de biomedicina, contou à Agenc, que conhecia pouco sobre a COP, e que foi bom ter uma visão mais detalhada do assunto. “Ter pessoas especializadas falando do assunto e como realmente nos afeta é importante para causar comoção e o sentimento de que devemos lutar pelo nosso planeta”, finaliza.

Central da COP: a mesa-redonda do Clima chega à Uerj

Central da COP: a mesa-redonda do Clima chega à Uerj

Meio ambiente e geopolítica são os temas centrais do evento realizado pelo Observatório do Clima em parceria com a Agenc

Por:  Maria Luísa 

Chamada para o evento Central da Cop (Foto: instagram)

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) recebe na segunda-feira, 2 de junho, a Central da COP, uma mesa-redonda para discutir a Conferência do Clima das Nações Unidas, que acontece este ano em Belém. A Central da COP usa  uma linguagem descontraída, apelando às referências do futebol, para falar de meio ambiente, geopolítica e mudança climática.

   Um dos trunfos da Central da COP é justamente apostar na linguagem do esporte e do  humor para conquistar a atenção do público. Durante o evento, que acontecerá no auditório 91, a plateia vai participar de um bingo e um sorteio de exemplares do Álbum de Figurinhas da Central da COP, com a lista dos principais jogadores do clima estarão presentes na próxima Conferência das Partes. E não vai faltar nem mesmo o VAR para fiscalizar discursos políticos.

A Central da COP foi lançada este ano pelo Observatório do Clima, uma organização brasileira que atua na defesa do meio ambiente e na luta contra as mudanças climáticas. A edição uerjiana é uma tabelinha entre o Observatório e a Agência de Notícias Científicas (AGENC), projeto de estágio e extensão ligado ao LED, o Laboratório de Editoração Eletrônica da Faculdade de Comunicação Social. 

Participam da mesa o coordenador de política internacional do Observatório do Clima, Claudio Angelo; a especialista em filantropia e comunicação Ana Carolina Lourenço, do Instituto Cultura, Comunicação e Ciência (ICCI); a coordenadora da AGENC e professora da FCS Fernanda da Escóssia; a engenheira ambiental, ativista e assessora da OC  Isvilaine Silva; e o mascote Petroleco, um negacionista a favor dos combustíveis fósseis.

O evento é aberto ao público e começa às 16h no auditório 91 do prédio principal da Uerj no campus Maracanã. Haverá registro de horas complementares aos universitários que comparecerem ao encontro.

 

De laranjinhas a laranjonas: sai a lixeira, entra o contêiner

De laranjinhas a laranjonas: sai a lixeira, entra o contêiner

Quantidade de papeleiras cai pela metade na cidade do Rio, enquanto contêineres triplicam

Por Julia Lima

           Papeleiras estão sendo substituídas pelos contêineres. Foto: Julia Lima

Se você mora no Rio, deve ter percebido que as papeleiras — lixeiras presas aos postes — têm sumido. E sua suspeita está certa: o número das laranjinhas diminuiu de 14.311 para 6.840 entre 2023 e 2024, o que representa uma queda de 52,2%. Enquanto isso, a quantidade de contêineres quase triplicou. Eles pularam de 5.515 para 15.530.

As papeleiras têm capacidade para acumular 50 litros de lixo; as novas lixeiras agora têm volume de 1200 litros, o que representa um aumento de 2300% na quantidade armazenada. Segundo a Comlurb, o objetivo é facilitar o descarte de resíduos e evitar que o lixo fique espalhado em vias públicas.

Com base na Lei de Acesso à Informação, a Agenc obteve os dados sobre papeleiras e contêineres existentes na cidade do Rio de 2014 a 2024.

Gráfico de comparação entre papeleiras e lixeiras de 2014 a 2024. Reprodução: Julia Lima

Com exceção de 2017 e 2018, anos em que não há dados para comparação, e 2019, em que predominam os maiores reservatórios, a cidade do Rio contou majoritariamente com as papeleiras até 2024, quando a prefeitura iniciou a transição das lixeiras.

Luiz Fernando Barbosa, que trabalha como gari na Comlurb há 29 anos, afirma que as papeleiras têm um papel bem diferente dos contêineres e que é necessário que elas sigam existindo na cidade. Além disso, ele conta que vê as ruas cada vez mais sujas, o que credita ao baixo número de profissionais, à falta de lixeiras e ao aumento da população.

Em nota, a Comlurb afirmou que não se trata de uma troca de reservatórios e que a falta de papeleiras se deve a atos de vandalismo e furto. Segundo a empresa, os contêineres foram pensados apenas para ordenamento de resíduos à espera de coleta, e não como uma substituição das lixeiras menores. 

 

Diferença entre regiões

Apesar das melhorias prometidas, quem usa as laranjonas afirma não notar diferença. Eliane Xavier, moradora da Penha Circular e dona de uma lanchonete no bairro, afirma que percebeu a mudança nas lixeiras, mas diz que não houve melhora na limpeza das ruas. “Se eu acho que a cidade ficou mais limpa? Não mudou em nada”, afirma.

Segundo balanço divulgado pela Comlurb, até o fim de janeiro, 3 mil contêineres já haviam sido distribuídos pela cidade. Mas algumas áreas foram mais privilegiadas que outras. Barra, Recreio e Jacarepaguá somam 80 desses equipamentos; já o restante da Zona Oeste possui mil contêineres. A Zona Sul conta com 850 depósitos e a Zona Norte é a área mais carente, com apenas 450.

                        Distribuição dos contêineres pela cidade a partir dos dados da Comlurb. Reprodução: Julia Lima.

Além do número desigual de lixeiras pela cidade, a distribuição delas em uma mesma área também impacta na limpeza. Na Avenida Chile, no Centro do Rio, é possível ver cinco lixeiras enfileiradas em uma mesma calçada. Já na Avenida Marechal Rondon, na Zona Norte, a distância entre uma e outra pode chegar a 700 metros.

Lixeiras na Avenida Chile, Centro do Rio. Foto: Julia Lima
Lixeira na Av. Marechal Rondon, altura do número 743. A lixeira mais próxima fica a 700 metros, na altura do número 1351. Foto: Julia Lima

Segundo Ana Ghislaine Van Elk, do Departamento de Engenharia Sanitária e Meio Ambiente da Uerj, é normal que a zona central da cidade tenha mais depósitos de lixo, já que há maior circulação de pessoas. Porém, ela afirma que a desigualdade na estrutura sanitária é flagrante: “Não restam dúvidas de que os bairros com PIB mais baixo têm menor estrutura de saneamento como um todo.” 

Existem ainda os locais da cidade em que nenhuma das soluções chegou. Eliane contou a Agenc que, apesar de testemunhar a mudança na cidade, ela não aconteceu na Rua Eugênio Sales, onde tem sua lanchonete. Para descartar o lixo, a confeiteira o amarra na grade do estabelecimento e espera que os lixeiros o recolham.

 

Dicas para um descarte adequado

Além dos cuidados da companhia de limpeza, é necessário que cada um faça sua parte para a limpeza da cidade. A seguir, algumas dicas para manter sua área limpa:

  • Procure o contêiner – ou papeleira, se tiver sorte – mais próximo para descartar seu lixo. Caso não encontre, guarde o lixo com você até encontrar um local de descarte adequado.
  • Não jogue entulho nos contêineres. A Comlurb conta com um serviço próprio para isso, que pode ser solicitado a partir do número 1746.
  • Retire o lixo das residências quando o caminhão de coleta estiver próximo. Isso evita o acúmulo de resíduos, o mau cheiro e a presença de bichos e insetos.

 

Chanceleres do BRICS reiteram necessidade de mudança da governança global

Chanceleres do BRICS reiteram necessidade de mudança da governança global

Com 11 países-membros e 9 convidados, a primeira reunião expandida dos BRICS discutiu reformas na gestão política e a reforçou apelo em defesa da paz

Por Everton Victor

Segundo dia de reunião de Ministros das Relações Exteriores no Palácio do Itamaraty. Foto: Isabela Castilho I BRICS Brasil

Em seu primeiro encontro, os chanceleres dos países integrantes dos BRICS defenderam a necessidade de que o bloco dos países emergentes não seja ideológico, mas multipolar. Foi a primeira reunião dos chanceleres após a expansão do agrupamento, agora com 11 países-membros e 9 parceiros. Os representantes se reuniram nos dias 28 e 29 de abril, no Palácio do Itamaraty, Centro do Rio. 

Entre os consensos do encontro estavam o endosso à reforma da governança global e a mecanismos financeiros internacionais, além do rechaço a guerras e a defesa do compartilhamento de conhecimento nas áreas de saúde e tecnologia. Apesar de o documento oficial do encontro ainda não ter sido divulgado, as diferenças dos países não foram maiores do que o consenso em temas comuns, segundo Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores do Brasil. A reorganização da governança global foi um desses consensos. 

Na prática, os países do Sul Global pedem uma maior diversidade nas instituições internacionais da geopolítica, inclusive no Conselho de Segurança da ONU, composto desde 1945 por cinco membros permanentes com direito a veto  e dez não permanentes sem direito a veto.

Segundo dia de reunião de Ministros. Foto: Isabela Castilho | BRICS Brasil

O movimento pela reforma do Conselho de Segurança não é recente. Cúpulas anteriores dos BRICS e outros foros de relevância internacional também pressionam pela reorganização da governança global. Durante o G20 no ano passado, por exemplo, o tema também apareceu na declaração final dos líderes. O consenso dos países integrantes do G20 – com China, Rússia, Estados Unidos, França e Reino Unido, os cinco membros permanentes do Conselho – já sugeriu a reforma do Conselho de Segurança e do secretariado da ONU, a fim de incluir mais mulheres e países da Ásia, África, América Latina e Caribe nesses colegiados.

De acordo com Pablo Saturnino, professor do Instituto de Relações Internacionais da Uerj, a ascensão do Sul Global em um contexto de crescimento econômico, aliada à crise dos países desenvolvidos, pode contribuir no avanço da reorganização da governança global. O protagonismo chinês no mundo é um exemplo disso, segundo Saturnino. No ano passado, o Produto Interno Bruto da China foi de 134.9 trilhões de yuans (em torno de 18,5 trilhões de dólares) , um crescimento de 5% em relação ao ano anterior,  segundo o Departamento Nacional de Estatística da China (DNE).

Saturnino afirma que a relevância do Brasil presidir o agrupamento desta vez com mais membros é entender a capacidade prática de diálogo em questões complexas que o país sempre levantou, como transição energética, direitos humanos e a paz mundial. O primeiro encontro dos chanceleres dos BRICS já mostrou alguns desses indícios da capacidade de mediação e liderança do Brasil. 

Neste primeiro encontro, o grupo de chanceleres também endossou o “rechaço” ao protecionismo – em sinalização a um mundo cada vez mais multipolar, com maior participação do Sul Global nas organizações financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio. 

A primeira reunião sinaliza questões de consenso entre os integrantes dos BRICS quando seus líderes se reunirem entre os dias 6 e 7 de julho na cidade do Rio. “Os chanceleres representam um arranjo preparativo para o encontro dos chefes de Estado. É uma forma de produzir convergências e deixar o processo de negociação mais afinado”, explica o professor Saturnino.

Coletiva com o ministro das Relações Exteriores do Brasil Mauro Vieira. Foto:Leticia Santana I Agenc Uerj

O ministro Mauro Vieira afirmou que a primeira reunião construiu pontes. Temas comuns a todos ganharam mais espaço que as diferenças. Além dos fundadores Brasil, África do Sul, China, Índia e Rússia, outras nações passaram a integrar o bloco e participar das discussões. Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã agora também integram o foro. Belarus, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Malásia, Tailândia, Uganda, Uzbequistão, e, mais recentemente, Nigéria,  irão participar de algumas reuniões como convidados.

Organizações da sociedade civil apresentam reivindicações a representantes do BRICS

Organizações da sociedade civil apresentam reivindicações a representantes do BRICS

Documento da iniciativa People To People inclui demandas como menor dependência do dólar e maior presença do banco de desenvolvimento em países do Sul Global

Por Everton Victor

Deputado Federal Fausto Pinato, senador Humberto Costa, presidente do MST João Paulo e o secretário nacional da Juventude Ronaldo Sorriso (da esquerda para a direita). Foto: Leticia Santana

Em meio a tarifaços de Trump e instabilidade global com a escalada da guerra comercial entre Estados Unidos e China, representantes da sociedade civil dos países emergentes elaboraram um documento com suas demandas, entregue na última quinta (24) aos representantes dos BRICS. Entre as reivindicações, estão a  redução da dependência do dólar; atuação maior do NBD (Novo Banco de Desenvolvimento), o banco dos BRICS, nos países do Sul Global; aproximação dos povos dos países integrantes dos BRICS e o fim das guerras. Estes foram alguns dos temas presentes no documento final da iniciativa People to People (P2P) dos BRICS.

Participaram da formulação das demandas aos Líderes dos BRICS, sociedade civil dos países membros. O documento ainda não foi divulgado oficialmente, mas parte de seu conteúdo foi citado em entrevista coletiva realizada no Centro Cultural Light, no Centro do Rio. O People to People, em tradução literal, Pessoas para Pessoas, é um mecanismo dos BRICS para aproximar a sociedade civil e órgãos não governamentais dos países integrantes do bloco. A ideia é aproximar essas populações dos debates que seus líderes estão travando.

De acordo com Fernanda Nanci, professora do Departamento de Relações Internacionais da Uerj, a participação da sociedade civil no Foro People to People indica um encontro dos BRICS mais atento ao que suas populações querem. “Ainda é cedo para afirmar que a sociedade civil exerce protagonismo nas decisões do BRICS, mas há sinais de abertura. É importante destacar que a participação destes atores é filtrada por governos, o que limita a influência da sociedade no BRICS”, explica.

João Pedro Stédile, coordenador do Movimento dos Sem Terra Foto: Maria Eduarda Galdino

João Pedro Stédile, coordenador do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), afirmou que o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) é uma das sugestões do People To People. O grupo reforçou que o banco desenvolvimentista comandado pela ex-presidenta do Brasil Dilma Rousseff deve intensificar investimentos em industrialização do Sul Global e, para isso, seria necessário um maior aporte dos países-membros na instituição.

Frente aos tarifaços de Donald Trump em diversos países, em especial a China, que chegou a ser taxada em 245%, a sociedade civil, também segundo Stédile, propôs medidas para uma menor dependência de suas nações em relação ao dólar. 

O  People To People não está restrito apenas à sociedade civil. Think tanks, empresas privadas e outros entes não governamentais também podem participar. Ao todo 11 países são membros dos BRICS: Brasil, África do Sul, Arábia Saudita,  China, Rússia, Egito, Índia, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã.

A paz do mundo e a inserção de outras sociedades como prioridades para as economias emergentes também ganharam espaço no documento. Os movimentos sociais brasileiros cobraram que o encontro dos BRICS seja cada vez mais internacionalista, com mais países integrando o agrupamento. Para isso se concretizar, além da nação convidada aceitar, os demais países membros precisam concordar.

O desafio de uma maior participação também está representado nos entraves, diálogos e debates de diferentes culturas e povos que compõem os BRICS. O agrupamento é responsável por mais de 40% da população mundial, segundo o Fórum Econômico Mundial. Parte desta população vive sob governos autoritários, como o Irã, investigado pela Organização das Nações Unidas (ONU) por violar os direitos humanos e cometer crimes contra a humanidade em 2022. O Irã estava sob  uma onda de protestos após a jovem Mahsa Amini (22), presa por “não usar o hijab corretamente”, morrer sob custódia da polícia após sofrer uma parada cardíaca e entrar em coma, segundo as autoridades locais. 

Apesar das diferenças, a professora acredita na viabilidade de que esses espaços tragam algum avanço nas questões de direitos humanos nos países-membros, através de trocas e demandas coletivas das sociedades integrantes dos países emergentes.

“A participação da sociedade é muito importante para inclusive questionar os regimes autoritários que integram o grupo BRICS, onde não há espaço para uma ampla participação social em decisões e onde existem denúncias de violações de direitos humanos, espaços sociais do BRICS podem gerar pressões para estes Estados terem mais atenção aos temas de direitos humanos e diálogo com a sociedade”.

Lugar de mulher também é na tecnologia

Lugar de mulher também é na tecnologia

Programa investe mais de R$ 3 milhões em negócios comandados por mulheres; na Web Summit Rio, ministra defende diversidade para ampliar excelência da produção científica brasileira

Por Letícia Santana

Ministra Luciana Santos, na cerimônia de abertura do Web Summit. Foto: Letícia Santana

O Web Summit Rio é um dos maiores eventos de tecnologia do mundo. Na  edição de 2024,  47,5% do público era formado por mulheres, e 45% das startups participantes tinham fundadoras à frente dos negócios. Sede do encontro pelo terceiro ano seguido,  o Rio de Janeiro é destaque global na inclusão de mulheres no ecossistema tech. Ficou à frente até mesmo de Lisboa, onde a média de liderança feminina em startups presentes na edição portuguesa, em 2024, foi de  33%.

A ministra da Ciência, Tecnologia e Informação, Luciana Santos, falou na noite de abertura do evento ao lado do prefeito do Rio, Eduardo Paes, e do CEO do Web Summit, Paddy Cosgrove, sobre a participação feminina na produção científica. A ministra  anunciou a continuidade do Programa Mulheres Inovadoras, que vai investir mais de R$ 3 milhões para incentivar a participação de mulheres em start-ups.

Nesta edição serão selecionadas dez empresas de cada região do país. As 50  startups, que serão divididas em dois grupos de 25, um de empresas iniciantes e outro de avançadas. A primeira colocada de cada região receberá um investimento de 100 mil reais, e as demais, 51 mil reais. Segundo a ministra, o foco do programa é a capacitação e o reconhecimento dessas profissionais no país.

De acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), no Brasil as mulheres correspondem a 20% dos profissionais de tecnologia, e de acordo com o Fórum Econômico Mundial somente 22% dos profissionais que trabalham com inteligência artificial são mulheres. Os dados refletem a constante desigualdade de gênero na área da tecnologia. Por isso a Rio Web Summit retornou com o programa Women in tech, com a proposta que mulheres compartilhem suas histórias, façam networking e colaborem umas com as outras. Por meio dessa iniciativa, ingressos foram disponibilizados com 90% de desconto para mulheres atuantes na área, promovendo um maior acesso ao evento.

A Agenc conversou com algumas mulheres que apresentaram paineis durante o evento. Marina Godoi (32), ex-advogada que mudou de carreira para trabalhar com tech, atualmente está na Inspira, um legaltech de pesquisa de jurisprudência e recursos de inteligência artificial para facilitar a rotina da advogada. Marina contou sobre o dia a dia e participação feminina na área de tecnologia. “Eu achava que teriam até bem menos mulheres, mas lá, pelo menos na Inspira, tem bastante mudança. Comemoramos no ano passado quando o número de mulheres ultrapassou o dos homens na empresa, inclusive no time de tecnologia, não só no comercial e pós-vendas”, afirmou.

Debora Oliveira no painel expositivo da Ximple durante o evento. Foto: Letícia Santana

Já Débora Oliveira (26) é líder técnica na Ximple, startup mexicana focada em conceder acesso ao crédito a pessoas sem acesso a banco, principalmente pessoas que vendem por catálogos. Ela falou sobre a sua visão sobre o impacto da empresa em que ela trabalha na vida das mulheres: “A maioria das pessoas que vendem por catálogo são mulheres. Então, o que a gente está investindo é justamente no empreendedorismo feminino. Porque quando a gente investe numa mulher que é mãe, tem ali todo um ambiente que ela tem que tomar conta, a gente está trazendo o bem. O empreendedorismo dela vai crescer, mas a gente também está impactando várias outras pessoas que estão ao redor delas.”

O evento ainda não divulgou a porcentagem de participações divididas por gênero, porém uma das metas para esse ano é o aumento significativo na participação das mulheres no mundo da tecnologia.

 

Web Summit Rio começa sob o desafio de transformar tecnologia em legado permanente para a cidade

Web Summit Rio começa sob o desafio de transformar tecnologia em legado permanente para a cidade

Abertura do evento neste domingo (27) foi marcada por anúncios do prefeito do Rio com metas para a cidade

Por Everton Victor e Letícia Santana 

Prefeito Eduardo Paes discursa na noite de abertura do evento. Foto: Letícia Santana

O Web Rio Summit 2025 acontece esta semana no Rio de Janeiro com uma vitória e um desafio. A vitória é o anúncio de que o evento ficará no Rio por mais cinco anos, e não apenas três. O desafio é transformar a repetição das exposições em um legado permanente para a cidade, reduzindo a desigualdade no acesso a projetos de tecnologia e inovação. Entre os dias 27 a 30 de abril estes debates ocorrerão no Centro de Convenções Riocentro, Zona Oeste do Rio.

De olho em soluções inovadoras vindas de diversos países e com enfoque para a ampliação do acesso à tecnologia, o Web Summit Rio reunirá milhares de projetos na capital fluminense. Espera-se um público de 30 mil pessoas de 102 países durante os quatro dias de evento, mais de mil startups e 100 palestrantes do mundo todo se reunirão no Riocentro. 

Inteligência Artificial treinada para gerar inclusão de pessoas portadoras de deficiência ou mesmo para descomplicar termos financeiros e dar apoio jurídico são algumas das soluções inteligentes presente no evento. Para o prefeito do Rio, Eduardo Paes,  a ideia não é somente que o Rio veja as apresentações de projetos inovadores, mas que eles permaneçam aqui. 

Apesar da promessa, cariocas que já empreendem e usam inovação  como fonte de renda sofrem com a informalidade. Cerca de 40% dos moradores de favela no Rio tem seu próprio empreendimento, mas deste grupo 51% vivem na informalidade, de acordo com levantamento do Data Favela realizado em 2023. Um empreendimento é considerado informal quando o empreendedor não possui um CNPJ para formalizar seu negócio. O prefeito do Rio reiterou a meta de tornar a cidade do Rio capital da inovação na América Latina, mas não estipulou data. 

Em ano de COP no Brasil, o evento também se voltou para ideias relacionadas à adaptação climática. O empreendimento de alerta via SMS fundado por Filipe Rimes é uma dessas iniciativas. O  ComuREDE une Inteligência Artificial com Redes Comunitárias para notificar moradores por SMS quando está chovendo, falta água ou  luz. O ComuREDE, além de alertar moradores que podem estar se deslocando do trabalho para a casa, também cria um histórico dessa falta de abastecimento de água nas regiões monitoradas.

Noite de abertura do Web Summit. Foto: Letícia Santana

A capital fluminense é espaço de diversos eventos de inovação de relevância mundial como o Rio Innovation Week e o próprio Web Summit. De acordo com Global Startup Ecosystem Report de 2024, o Rio é a terceira melhor cidade para o crescimento de startups no país, ficando atrás apenas de São Paulo e Curitiba. No ranking global, é a 146°, segundo o mesmo estudo. 

Com a abordagem do papel da inovação no presente e no futuro, o palco do Web Summit também foi marcado por mais uma promessa do prefeito Eduardo Paes: o investimento cada vez maior na educação para forjar jovens cientistas cariocas. A sinalização faz parte do projeto da Prefeitura de transformar algumas escolas municipais do Rio em Ginásios Experimentais Tecnológicos, os chamados GETs. Ao todo já são mais de 200 neste modelo espalhados pela cidade.

Este é o terceiro ano consecutivo que a cidade recebe o Rio Web Summit,  evento que já acontece desde 2009 na Europa e hoje também está presente no Qatar, na Ásia.

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Conheça os BRICS – o encontro das economias emergentes do Sul Global

Conheça os BRICS - o encontro das economias emergentes do Sul Global

Encontro de líderes acontecerá no Rio de Janeiro nos dias 6 e 7 de julho

Por Everton Victor e Julia Lima

Brasil divulga identidade visual para cúpula de 2025 do Brics
Símbolo dos BRICS em 2025, inspirado na árvore amazônica Sumaúma Reprodução: BRICS

O Brasil irá presidir neste ano o encontro dos BRICS –  o grupo de países do Sul Global integrantes da chamada economia emergente. Os BRICS surgiram em 2006, inicialmente por Brasil, China, Índia e Rússia, e, na III Cúpula do bloco em 2011, a África do Sul também passou a compor o bloco econômico.

A reunião dos líderes dos BRICS acontecerá na cidade do Rio durante os dias 6 e 7 de julho, mas antes disso, já estão previstas mais de 100 reuniões em diferentes estados brasileiros. 

O surgimento dos Brics está relacionado com o estudo “Building Better Global Economic BRICs”, publicado em 2001 pelo britânico Jim O’Neil, economista-chefe do banco multinacional Goldman Sachs. O estudo reunia dados que mostravam o rápido crescimento dessas economias emergentes no início dos anos 2000, especialmente da China. Ao longo do estudo, o economista aponta como isso representa o surgimento de novas potências e poderia representar a necessidade da reforma da governança global para incluir essas nações.

Além dos fundadores, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã também integram o foro. Belarus, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Malásia, Tailândia, Uganda, Uzbequistão, e, mais recentemente, Nigéria,  irão participar de algumas reuniões como convidados, após consulta aos países membros e decisão por consenso.

Inicialmente, o BRICS surge com a aproximação dessas nações sem um caráter formal de acordos unificados entre os países, decisões em nome do bloco, nem mecanismos que representem o grupo. Ao longo das Cúpulas, realizadas anualmente, as nações integrantes firmaram acordos e diferentes meios cooperativos que se intensificaram ao longo dos anos. Hoje,  o fórum dos Brics é um dos principais encontros de articulação político-diplomática do Sul Global. 

De acordo com a professora Fernanda Nanci, do Departamento de Relações Internacionais da Uerj, a liderança do Brasil no agrupamento este ano será estratégica, colocando-o como porta-voz do Sul Global. “A presidência pode ajudar a reforçar uma agenda de cooperação entre os países do BRICS, em um momento de expansão do agrupamento, como facilitação do comércio e investimentos entre os países, financiamento para enfrentar as mudanças climáticas e projetos de cooperação entre países do Sul Global, com foco em saúde pública”.

Meses antes de sediar a Cúpula, o Brasil trouxe algumas novidades para os BRICS, como é o caso da plataforma BRICS P2P, destinada a sociedade civil e órgãos não governamentais dos países membros. O objetivo é trazer para o público os diferentes temas que serão discutidos este ano e disponibilizar fóruns, conselhos e reuniões. O modelo é parecido com o G20 Social Participativo, plataforma criada pelo Brasil durante sua gestão do G20 em 2024.

Sobre a posição esperada do Brasil na condução do agrupamento, a professora destaca a possibilidade de um ativismo diplomático com foco em retomar um papel de protagonismo do Brasil entre os países em desenvolvimento. Com o lema: Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável, a presidência brasileira pretende pautar uma série de temas de interesses comuns das nações integrantes com acordos sobre financiamento climático, maior integração comercial e cooperação em diferentes setores da saúde. Discussões sobre inteligência artificial e desenvolvimento institucional do grupo também são algumas das prioridades brasileiras a serem discutidas durante as mais de 100 reuniões previstas do grupo em 2025.

Os olhos do mundo este ano não estarão voltados apenas para os BRICS. O Brasil também presidirá a COP30, a conferência mundial do clima, encontro que acontecerá entre 10 e 21 de novembro em Belém, capital paraense. Mas a capacidade do país em pautar ações concretas sobre a temática ambiental será testada antes mesmo da Cúpula da COP. O que for firmado nos BRICS no âmbito ambiental poderá ser termômetro da capacidade do Brasil liderar a temática ambiental. “Certamente se o Brasil falha ao engajar suas contrapartes dos BRICS em uma discussão mais engajada sobre meio ambiente, sua liderança perde força na temática ambiental. Isso prejudica a projeção internacional do país em um ano que é central, com Belém sendo sede da COP30”, explica Nanci.

O BRICS tem ganhado cada vez mais relevância no cenário mundial. Um dos principais mecanismos é o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), criado na IV Cúpula do bloco, em julho de 2014, em Fortaleza, e que entrou em vigor anos depois. Seu foco é a representatividade do desenvolvimento sustentável do Sul Global. O banco é responsável por financiar projetos de infraestrutura em diferentes países. Paralelamente, o Arranjo Contingente de Reservas (CRA), é um dos principais mecanismos de proteção do grupo que, através de uma reserva financeira, ajuda as nações integrantes a protegerem suas economias, como um instrumento de liquidez frente a eventuais pressões financeiras que surjam.

Apesar da responsabilidade, não é a primeira que o Brasil pautará em um bloco internacional a questão ambiental. Durante o último, o país presidiu o G20 e a formulação da Declaração dos Líderes do bloco. Entre os consensos presentes na Carta, o compromisso de limitar o aumento da temperatura média global para menos de 2°C. As nações também sinalizaram um esforço para uma outra meta, ainda mais ousada, de limitar o aumento a 1,5°C – o que, segundo o documento, teria efeitos “significativamente melhores”. 

Além do modelo tradicional de participar dos BRICS (como nação integrante ou convidada), um país pode ser convidado para o encontro por meio do modelo “BRICS Outreach” – para nações próximas regionalmente do país que está presidindo o foro. O BRICS plus destinado ao país que preside convida qualquer país independente da proximidade regional. México, Colômbia e Uruguai foram convidados pelo presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, para participar dos BRICS neste ano.

Oceanos, o pulmão azul do mundo, precisam de ajuda ​

Oceanos, o pulmão azul do mundo, precisam de ajuda

Voz dos Oceanos velejou pelo litoral brasileiro em parceria com o G20 para colher relatos da sociedade civil sobre a necessidade da preservação dos oceanos; grupo organiza Manifesto Popular a ser apresentado na COP 30

Por Everton Victor, Julia Lima e Leticia Santana

Vilfredo Schurmann no veleiro Vitória Régia. Foto: Leticia Santana
Vilfredo Schurmann no veleiro Vitória Régia. Foto: Leticia Santana

A Amazônia é chamada de pulmão do mundo, mas você sabia que ela só produz 12% do oxigênio que respiramos? Os oceanos, muitas vezes esquecidos, são responsáveis por 34% dessa produção e estão cada vez mais poluídos. A Voz dos Oceanos, organização liderada pelo economista e velejador Vilfredo Schurmann, se uniu ao G20 para levar aos governantes as preocupações da população sobre o que pode ser feito para salvar e preservar esses espaços.

O convite surgiu da própria organização do G20. Desde então Thamys Trindade (36), André Calonnis Souza (27), Tatiana Aguiar (27), Jessyca Lopes (32) e o capitão Vilfredo Schurmann (75) estão há mais de dois meses percorrendo parte do litoral brasileiro para colher manifestações da sociedade civil em defesa dos mares. Segundo Vilfredo, o documento tem mais de 50 metros e será digitalizado para que possa ser levado à COP 30, em Belém do Pará, e para a próxima reunião do G20, na África do Sul, ambos no ano que vem. O texto serviria para apoiar e indicar ações dos líderes para a causa.

Manifesto Popular com mais de 50 metros com manifestações da sociedade civil em defesa dos mares. Foto: Leticia Santana

Nessa viagem, a tripulação utiliza o veleiro Vitória Régia, construído há 30 anos em Belém. Ele é equipado com gerador de energia solar, dessalinizador de água e tratamento de esgoto. O Voz dos Oceanos conta ainda com outra embarcação (Kat), que está na Nova Zelândia com Wilhelm Schurmann. Os dois seguirão viajando e se encontrarão em Belém, em novembro de 2025, para participarem da COP 30.

À Agenc, o capitão da expedição adiantou em primeira mão que pretende instalar 5 containers na capital do Pará. Esses espaços serviriam para ajudar na compactação do lixo produzido pela cidade. Já estão ocorrendo conversas com o governo federal e estadual para possibilitar a iniciativa.

Participação popular é grande, mas falta incentivo

Segundo Vilfredo, a consciência ecológica e a vontade de participar na preservação dos oceanos por parte da população é enorme. Tendo passado por 13 cidades, ele e Tatiana afirmam que viram projetos locais excelentes, que poderiam ser ainda mais significativos caso houvesse investimento público e privado. 

Um exemplo de como o financiamento pode ajudar os mares ocorreu em São Paulo. De acordo com o capitão, ele se encontrou com uma moradora da cidade, que trabalha catando lixo há 18 anos – 12 pessoas da família trabalham com ela – e perguntou o que aconteceria caso ela possuísse uma compactadora de lixo. A máquina custa cerca de R$30 mil reais, mas segundo a catadora ela seria de grande ajuda e traria uma economia considerável em diesel e pneus. Vilfredo entrou em contato com a vereadora Cris Monteiro (NOVO-SP), que conseguiu o investimento para o grupo. Com isso, mais lixo é recolhido e compactado, evitando que vá para os mares.

O tema tem estado cada vez mais presente no debate público, mas de acordo com ele ainda não é o suficiente. “A iniciativa pública tem que ajudar nisso, hoje o plástico reciclável paga mais imposto que o plástico in natura, como que você vai concorrer vendendo o plástico reciclável se ele paga mais impostos”. No Brasil, paga-se o mesmo valor de imposto no material reciclado e o in natura, e por isso, em 2023, surgiu o debate a respeito de incluir o plástico de uso único no imposto seletivo, criado na Reforma Tributária, que visa desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde ou meio ambiente. 

Veleiro Vitória Régia. Foto: Leticia Santana.

A participação civil é parte fundamental do projeto, que busca ampliar as vozes da população com o intuito de levar as propostas daqueles que são mais influenciados pelas decisões tomadas em eventos como o G20. “Essa é nossa bandeira, a Voz dos Oceanos é isso, você é a voz, não é só a família Schurmann. Nós somos só o suporte, estamos há 40 anos no mar e estamos presenciando essas mudanças”.

Vilfredo sonha que iniciativas como essa se repitam no próximo G20, que será presidido pela África do Sul. Para ele, o projeto não deve se limitar só a esta edição do evento. Com essa parceria, o Brasil amplifica essas vozes e leva ao mundo uma mensagem sobre a preservação dos oceanos – bandeira a ser replicada no G20 do ano que vem, na África do Sul.