Festival 3i discute desinformação e os interesses por trás dela
Evento de jornalismo promovido pela Ajor aconteceu neste fim de semana no Rio de Janeiro
Por Everton Victor e Julia Lima

Aquela mensagem alarmista repassada pelo WhatsApp, o corte específico de uma fala e até a manipulação de vídeos feita por IA: a desinformação não surge “do nada” e costuma estar atrelada a interesses econômicos e políticos. Este foi um dos debates centrais da 6° edição do Festival 3i, promovido pela Ajor (Associação de Jornalismo Digital) entre os dias 6 e 9 de junho na Glória, Zona Sul do Rio de Janeiro.
As redes sociais muitas vezes funcionam como grandes potencializadores da desinformação, e a falta de uma regulamentação específica fortalece estes discursos. O movimento anticiência, por exemplo, nega estudos e notícias comprovadamente verdadeiras, manipula informações e chega a colocar em risco a vida das pessoas – impulsionado pelos algoritmos das plataformas. Foi o que apontou a mesa “Construindo vínculos entre jornalismo e comunidades como estratégia de combate à desinformação”, do Festival 3i.

Erick Terena, fundador do portal Mídia Indígena, afirma que o jornalismo de território é um mecanismo crucial para combater a desinformação. Para ele, existe uma necessidade de um jornalismo preocupado essencialmente com o espaço onde está localizado, e não restrito ao eixo Rio-São Paulo-Brasília. “A gente não trabalha o jornalismo, a gente vê a comunicação como sobrevivência. Se deixarmos de nos comunicar, pessoas e biomas vão ser impactadas”, afirma.
De acordo com o Instituto Locomotiva, 90% dos brasileiros afirmam ter acreditado em alguma fake news. Uma das ações recentes pelo Judiciário sobre o tema foi durante a eleição presidencial de 2024. O Artigo 9 da Resolução 23.732/24 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) veda a “divulgação ou compartilhamento de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”. Apesar da iniciativa, o Brasil não tem uma tipificação para outros contextos de desinformação.
A promoção da desinformação ganha liberdade e espaço nas redes, e a sensação de impunidade fortalece esses fenômenos fora delas. Entre os limites entre ativismo e jornalismo, Erick Terena reforçou no evento o dever de informar e o papel do jornalismo de se contrapor a desinformação. A defesa do meio ambiente, principalmente por conta de sua origem indígena, e o combate às notícias falsas ou manipuladas são ferramentas em que, segundo ele, não existem lados a serem disputados. “Ativismo não é uma profissão, nós fazemos isso há milhares de anos”, afirma.
O Brasil não possui legislação sobre regulamentação das redes sociais, mas discute Projetos de Lei (PL) sobre o tema. Está em tramitação no Congresso Nacional o PL 2338/23, que institui um marco legal com mecanismos e orientações para regulamentar a inteligência artificial no Brasil. Em paralelo, também tramita no Congresso o PL 2.159/21, apelidado “PL da Devastação”. Entre as ações está a flexibilização do licenciamento ambiental, o que pode expandir o desmatamento, de acordo com Greenpeace e outras organizações ambientais.
Ferramentas de checagem cada vez mais necessárias
Com o aumento da desinformação, fez-se necessária a criação de ferramentas e até sites inteiros focados apenas em esclarecer se as mensagens que circulam na internet são verdadeiras ou falsas. O Aos Fatos, criado em julho de 2015, é um dos veículos nascidos com essa proposta, e apresentou um de seus resultados durante o Festival 3i: no projeto Check-Up, a equipe do Aos Fatos pesquisou nove portais de notícias, mapeou anúncios em formato de matérias jornalísticas e concluiu que 90% deles espalham desinformação sobre saúde.

Leonardo Cazes, editor-executivo do site, afirmou que o trabalho demorou cerca de 6 meses. Usando ferramentas específicas, a equipe coletou 242 mil dos chamados anúncios nativos relacionados à saúde – as matérias pagas por anunciantes. Segundo ele, o principal tema é a cura “milagrosa” de doenças como diabetes e dores crônicas – que não têm cura cientificamente comprovada, apenas meios de controle.
O jornalista aponta o uso do argumento de autoridade como o principal fator de convencimento nas desinformações, como falas inventadas do médico Drauzio Varella, e até a atribuição de funções falsas a instituições científicas: “Dizem que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) recomendou X remédios, quando na verdade ela só autoriza o uso das coisas”.