Festival 3i discute desinformação e os interesses por trás dela

Festival 3i discute desinformação e os interesses por trás dela

Evento de jornalismo promovido pela Ajor aconteceu neste fim de semana no Rio de Janeiro

Por Everton Victor e Julia Lima

Mesa sobre Desinformação no Festival 3i. Da esquerda para a direita: Ellen Guerra Cerqueira, Talita Bedinelli, Max Resnik, Erick Terena. Foto: Julia Lima

Aquela mensagem alarmista repassada pelo WhatsApp, o corte específico de uma fala e até a manipulação de vídeos feita por IA: a desinformação não surge “do nada” e costuma estar atrelada a interesses econômicos e políticos. Este foi um dos debates centrais da 6° edição do Festival 3i, promovido pela Ajor (Associação de Jornalismo Digital) entre os dias 6 e 9 de junho na Glória, Zona Sul do Rio de Janeiro.

As redes sociais muitas vezes funcionam como grandes potencializadores da desinformação, e a falta de uma regulamentação específica fortalece estes discursos. O movimento anticiência, por exemplo, nega estudos e notícias comprovadamente verdadeiras, manipula informações e chega a colocar em risco a vida das pessoas – impulsionado pelos algoritmos das plataformas. Foi o que apontou a mesa “Construindo vínculos entre jornalismo e comunidades como estratégia de combate à desinformação”, do Festival 3i. 

 

Jornalista fundador do portal “Mídia Indígena”, Erick Terena

Erick Terena, fundador do portal Mídia Indígena, afirma que o jornalismo de território é um mecanismo crucial para combater a desinformação. Para ele, existe uma necessidade de um jornalismo preocupado essencialmente com o espaço onde está localizado, e não restrito ao eixo Rio-São Paulo-Brasília. “A gente não trabalha o jornalismo, a gente vê a comunicação como sobrevivência. Se deixarmos de nos comunicar, pessoas e biomas vão ser impactadas”, afirma.

De acordo com o Instituto Locomotiva, 90% dos brasileiros afirmam ter acreditado em alguma fake news. Uma das ações recentes pelo Judiciário sobre o tema foi durante a eleição presidencial de 2024. O Artigo 9 da Resolução 23.732/24 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) veda a “divulgação ou compartilhamento de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”. Apesar da iniciativa, o Brasil não tem uma tipificação para outros contextos de desinformação.

A promoção da desinformação ganha liberdade e espaço nas redes, e a sensação de impunidade fortalece esses fenômenos fora delas. Entre os limites entre ativismo e jornalismo, Erick Terena reforçou no evento o dever de informar e o papel do jornalismo de se contrapor a desinformação. A defesa do meio ambiente, principalmente por conta de sua origem indígena, e o combate às notícias falsas ou manipuladas são ferramentas em que, segundo ele, não existem lados a serem disputados. “Ativismo não é uma profissão, nós fazemos isso há milhares de anos”, afirma. 

O Brasil não possui legislação sobre regulamentação das redes sociais, mas discute Projetos de Lei (PL) sobre o tema. Está em tramitação no Congresso Nacional o PL 2338/23, que institui um marco legal com mecanismos e orientações para regulamentar a inteligência artificial no Brasil. Em paralelo, também tramita no Congresso o PL 2.159/21, apelidado “PL da Devastação”. Entre as ações está a flexibilização do licenciamento ambiental, o que pode expandir o desmatamento, de acordo com Greenpeace e outras organizações ambientais.

Ferramentas de checagem cada vez mais necessárias

Com o aumento da desinformação, fez-se necessária a criação de ferramentas e até sites inteiros focados apenas em esclarecer se as mensagens que circulam na internet são verdadeiras ou falsas. O Aos Fatos, criado em julho de 2015, é um dos veículos nascidos com essa proposta, e apresentou um de seus resultados durante o Festival 3i: no projeto Check-Up, a equipe do Aos Fatos pesquisou nove portais de notícias, mapeou anúncios em formato de matérias jornalísticas e concluiu que 90% deles espalham desinformação sobre saúde.

Leonardo Cazes, editor-executivo de Aos Fatos. Foto: Julia Lima

Leonardo Cazes, editor-executivo do site, afirmou que o trabalho demorou cerca de 6 meses. Usando ferramentas específicas, a equipe coletou 242 mil dos chamados anúncios nativos relacionados à saúde – as matérias pagas por anunciantes. Segundo ele, o principal tema é a cura “milagrosa” de doenças como diabetes e dores crônicas – que não têm cura cientificamente comprovada, apenas meios de controle. 

O jornalista aponta o uso do argumento de autoridade como o principal fator de convencimento nas desinformações, como falas inventadas do médico Drauzio Varella, e até a atribuição de funções falsas a instituições científicas: “Dizem que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) recomendou X remédios, quando na verdade ela só autoriza o uso das coisas”.

 

Projeto Rim oferece educação sobre saúde renal

Projeto Rim oferece educação sobre saúde renal

Conheça o projeto de conscientização e esteja atento sobre o bom funcionamento dos rins

Por: Alice Moraes

Projeto Rim no evento Uerj Sem Muros. Da esquerda para direita: Pedro Henrique Soares, Tatiane Campos e Vivian Mendes. (Foto: Alice Moraes)

Controlar a pressão arterial, dosar a creatinina, não fumar, controlar a diabetes, evitar o alto consumo de sal, fazer uma alimentação balanceada e ingerir água. Esses são alguns fatores que previnem a doença renal crônica, de acordo com a estudante Vivian Mendes, de 23 anos, que está no sexto período do curso de enfermagem na Uerj. 

A jovem faz parte do Projeto Rim, que esteve presente na programação do Uerj Sem Muros, no dia 27 de março. No evento, o projeto foi apresentado com intuito de educar a respeito da saúde renal. “O que motiva o projeto é transmitir a prevenção, pois prevenir é um ato de cuidar. E é isso que a enfermagem faz”, explicou ela. 

Os números de doença renal crônica têm crescido ultimamente. Por isso, Vivian enfatizou que é uma doença silenciosa e pouca gente sabe sobre ela.

O que é a doença renal crônica (DRC)? 

É quando ocorre a falência dos rins. Consequentemente, o paciente precisará de uma terapia de substituição do rim defeituoso. “Existem três opções nesse caso: a hemodiálise, adiálise peritoneal e o transplante renal”, explica Tatiane Campos, professora da faculdade de enfermagem da Uerj e coordenadora do Projeto Rim. 

A hemodiálise é um tratamento no qual uma máquina faz a filtração do sangue. O paciente precisa ir até a clínica para realizar o procedimento semanalmente. Já na diálise peritoneal, que o paciente precisa fazer todos os dias, em casa, ele recebe a orientação necessária para o uso de um cateter. O cateter vai inserir um líquido na cavidade abdominal e esse líquido será responsável por filtrar o sangue. 

 No transplante renal, o paciente recebe um novo rim de um doador, que pode ser um familiar ou amigo. No segundo caso, é preciso que o doador tenha uma autorização judicial. Caso o doador seja um falecido por morte encefálica, a família deste autoriza a doação do órgão, que é encaminhado para alguém que está na fila aguardando pelo transplante.

 

 

Por que aprender sobre o cuidado renal?

O Projeto Rim foca na conscientização, de acordo com a professora Tatiane. O programa já realizou, na Uerj, ações de orientação sobre a importância de dosar a creatinina, explicando qual o objetivo do exame e de cuidar da saúde renal. O projeto tem papel, então, de educar sobre saúde e acolher os pacientes. 

De acordo com o Ministério da Saúde, em Boletim Epidemiológico divulgado no mês de setembro do ano passado, em 2023 houve 140.648 internações por doenças renais crônicas no Brasil. Isso indica 56.311 internações a mais comparado ao ano de 2010, no qual ocorreram 84.337 internações hospitalares devido à DRC.

A pesquisa realizada também mostra que em 2022 ocorreram 8.429 mortes por doença renal crônica no país. Nesse cenário de números crescentes de DRC, o Projeto Rim vem com o objetivo de auxiliar a população a entender sobre a saúde dos rins e incentivar esse cuidado.

Medir a creatinina

A creatinina é medida pelo exame de sangue ou de urina. Esse exame é feito para identificar o bom ou o mau funcionamento dos rins. “A creatinina é um resíduo da creatina, por isso ele precisa ser eliminado. Quando se encontra muita creatinina no sangue, significa que os rins não estão filtrando bem”, esclareceu Vivian. O alto nível de creatinina no sangue pode indicar, então, uma doença nesses órgãos. 

Ao realizar a medição de creatinina, a pessoa pode averiguar o bom funcionamento dos seus rins. Por isso, o Projeto Rim conscientiza sobre o exame.

Futuro do projeto

Em 2016, a ação de conscientização sobre saúde por meio do Projeto Rim teve início. Agora, a equipe do projeto tem ideias para o futuro. Eles pretendem aumentar o alcance da educação sobre saúde, o que consequentemente diminuirá os números de DRC. A equipe quer, também, a troca de ideias e de conversas e o aumento da visibilidade do projeto.

Para acompanhar o programa, obter mais informações e tirar dúvidas, acesse o Instagram @projeto.rim. 

Chanceleres do BRICS reiteram necessidade de mudança da governança global

Chanceleres do BRICS reiteram necessidade de mudança da governança global

Com 11 países-membros e 9 convidados, a primeira reunião expandida dos BRICS discutiu reformas na gestão política e a reforçou apelo em defesa da paz

Por Everton Victor

Segundo dia de reunião de Ministros das Relações Exteriores no Palácio do Itamaraty. Foto: Isabela Castilho I BRICS Brasil

Em seu primeiro encontro, os chanceleres dos países integrantes dos BRICS defenderam a necessidade de que o bloco dos países emergentes não seja ideológico, mas multipolar. Foi a primeira reunião dos chanceleres após a expansão do agrupamento, agora com 11 países-membros e 9 parceiros. Os representantes se reuniram nos dias 28 e 29 de abril, no Palácio do Itamaraty, Centro do Rio. 

Entre os consensos do encontro estavam o endosso à reforma da governança global e a mecanismos financeiros internacionais, além do rechaço a guerras e a defesa do compartilhamento de conhecimento nas áreas de saúde e tecnologia. Apesar de o documento oficial do encontro ainda não ter sido divulgado, as diferenças dos países não foram maiores do que o consenso em temas comuns, segundo Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores do Brasil. A reorganização da governança global foi um desses consensos. 

Na prática, os países do Sul Global pedem uma maior diversidade nas instituições internacionais da geopolítica, inclusive no Conselho de Segurança da ONU, composto desde 1945 por cinco membros permanentes com direito a veto  e dez não permanentes sem direito a veto.

Segundo dia de reunião de Ministros. Foto: Isabela Castilho | BRICS Brasil

O movimento pela reforma do Conselho de Segurança não é recente. Cúpulas anteriores dos BRICS e outros foros de relevância internacional também pressionam pela reorganização da governança global. Durante o G20 no ano passado, por exemplo, o tema também apareceu na declaração final dos líderes. O consenso dos países integrantes do G20 – com China, Rússia, Estados Unidos, França e Reino Unido, os cinco membros permanentes do Conselho – já sugeriu a reforma do Conselho de Segurança e do secretariado da ONU, a fim de incluir mais mulheres e países da Ásia, África, América Latina e Caribe nesses colegiados.

De acordo com Pablo Saturnino, professor do Instituto de Relações Internacionais da Uerj, a ascensão do Sul Global em um contexto de crescimento econômico, aliada à crise dos países desenvolvidos, pode contribuir no avanço da reorganização da governança global. O protagonismo chinês no mundo é um exemplo disso, segundo Saturnino. No ano passado, o Produto Interno Bruto da China foi de 134.9 trilhões de yuans (em torno de 18,5 trilhões de dólares) , um crescimento de 5% em relação ao ano anterior,  segundo o Departamento Nacional de Estatística da China (DNE).

Saturnino afirma que a relevância do Brasil presidir o agrupamento desta vez com mais membros é entender a capacidade prática de diálogo em questões complexas que o país sempre levantou, como transição energética, direitos humanos e a paz mundial. O primeiro encontro dos chanceleres dos BRICS já mostrou alguns desses indícios da capacidade de mediação e liderança do Brasil. 

Neste primeiro encontro, o grupo de chanceleres também endossou o “rechaço” ao protecionismo – em sinalização a um mundo cada vez mais multipolar, com maior participação do Sul Global nas organizações financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio. 

A primeira reunião sinaliza questões de consenso entre os integrantes dos BRICS quando seus líderes se reunirem entre os dias 6 e 7 de julho na cidade do Rio. “Os chanceleres representam um arranjo preparativo para o encontro dos chefes de Estado. É uma forma de produzir convergências e deixar o processo de negociação mais afinado”, explica o professor Saturnino.

Coletiva com o ministro das Relações Exteriores do Brasil Mauro Vieira. Foto:Leticia Santana I Agenc Uerj

O ministro Mauro Vieira afirmou que a primeira reunião construiu pontes. Temas comuns a todos ganharam mais espaço que as diferenças. Além dos fundadores Brasil, África do Sul, China, Índia e Rússia, outras nações passaram a integrar o bloco e participar das discussões. Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã agora também integram o foro. Belarus, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Malásia, Tailândia, Uganda, Uzbequistão, e, mais recentemente, Nigéria,  irão participar de algumas reuniões como convidados.

Organizações da sociedade civil apresentam reivindicações a representantes do BRICS

Organizações da sociedade civil apresentam reivindicações a representantes do BRICS

Documento da iniciativa People To People inclui demandas como menor dependência do dólar e maior presença do banco de desenvolvimento em países do Sul Global

Por Everton Victor

Deputado Federal Fausto Pinato, senador Humberto Costa, presidente do MST João Paulo e o secretário nacional da Juventude Ronaldo Sorriso (da esquerda para a direita). Foto: Leticia Santana

Em meio a tarifaços de Trump e instabilidade global com a escalada da guerra comercial entre Estados Unidos e China, representantes da sociedade civil dos países emergentes elaboraram um documento com suas demandas, entregue na última quinta (24) aos representantes dos BRICS. Entre as reivindicações, estão a  redução da dependência do dólar; atuação maior do NBD (Novo Banco de Desenvolvimento), o banco dos BRICS, nos países do Sul Global; aproximação dos povos dos países integrantes dos BRICS e o fim das guerras. Estes foram alguns dos temas presentes no documento final da iniciativa People to People (P2P) dos BRICS.

Participaram da formulação das demandas aos Líderes dos BRICS, sociedade civil dos países membros. O documento ainda não foi divulgado oficialmente, mas parte de seu conteúdo foi citado em entrevista coletiva realizada no Centro Cultural Light, no Centro do Rio. O People to People, em tradução literal, Pessoas para Pessoas, é um mecanismo dos BRICS para aproximar a sociedade civil e órgãos não governamentais dos países integrantes do bloco. A ideia é aproximar essas populações dos debates que seus líderes estão travando.

De acordo com Fernanda Nanci, professora do Departamento de Relações Internacionais da Uerj, a participação da sociedade civil no Foro People to People indica um encontro dos BRICS mais atento ao que suas populações querem. “Ainda é cedo para afirmar que a sociedade civil exerce protagonismo nas decisões do BRICS, mas há sinais de abertura. É importante destacar que a participação destes atores é filtrada por governos, o que limita a influência da sociedade no BRICS”, explica.

João Pedro Stédile, coordenador do Movimento dos Sem Terra Foto: Maria Eduarda Galdino

João Pedro Stédile, coordenador do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), afirmou que o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) é uma das sugestões do People To People. O grupo reforçou que o banco desenvolvimentista comandado pela ex-presidenta do Brasil Dilma Rousseff deve intensificar investimentos em industrialização do Sul Global e, para isso, seria necessário um maior aporte dos países-membros na instituição.

Frente aos tarifaços de Donald Trump em diversos países, em especial a China, que chegou a ser taxada em 245%, a sociedade civil, também segundo Stédile, propôs medidas para uma menor dependência de suas nações em relação ao dólar. 

O  People To People não está restrito apenas à sociedade civil. Think tanks, empresas privadas e outros entes não governamentais também podem participar. Ao todo 11 países são membros dos BRICS: Brasil, África do Sul, Arábia Saudita,  China, Rússia, Egito, Índia, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã.

A paz do mundo e a inserção de outras sociedades como prioridades para as economias emergentes também ganharam espaço no documento. Os movimentos sociais brasileiros cobraram que o encontro dos BRICS seja cada vez mais internacionalista, com mais países integrando o agrupamento. Para isso se concretizar, além da nação convidada aceitar, os demais países membros precisam concordar.

O desafio de uma maior participação também está representado nos entraves, diálogos e debates de diferentes culturas e povos que compõem os BRICS. O agrupamento é responsável por mais de 40% da população mundial, segundo o Fórum Econômico Mundial. Parte desta população vive sob governos autoritários, como o Irã, investigado pela Organização das Nações Unidas (ONU) por violar os direitos humanos e cometer crimes contra a humanidade em 2022. O Irã estava sob  uma onda de protestos após a jovem Mahsa Amini (22), presa por “não usar o hijab corretamente”, morrer sob custódia da polícia após sofrer uma parada cardíaca e entrar em coma, segundo as autoridades locais. 

Apesar das diferenças, a professora acredita na viabilidade de que esses espaços tragam algum avanço nas questões de direitos humanos nos países-membros, através de trocas e demandas coletivas das sociedades integrantes dos países emergentes.

“A participação da sociedade é muito importante para inclusive questionar os regimes autoritários que integram o grupo BRICS, onde não há espaço para uma ampla participação social em decisões e onde existem denúncias de violações de direitos humanos, espaços sociais do BRICS podem gerar pressões para estes Estados terem mais atenção aos temas de direitos humanos e diálogo com a sociedade”.

Lugar de mulher também é na tecnologia

Lugar de mulher também é na tecnologia

Programa investe mais de R$ 3 milhões em negócios comandados por mulheres; na Web Summit Rio, ministra defende diversidade para ampliar excelência da produção científica brasileira

Por Letícia Santana

Ministra Luciana Santos, na cerimônia de abertura do Web Summit. Foto: Letícia Santana

O Web Summit Rio é um dos maiores eventos de tecnologia do mundo. Na  edição de 2024,  47,5% do público era formado por mulheres, e 45% das startups participantes tinham fundadoras à frente dos negócios. Sede do encontro pelo terceiro ano seguido,  o Rio de Janeiro é destaque global na inclusão de mulheres no ecossistema tech. Ficou à frente até mesmo de Lisboa, onde a média de liderança feminina em startups presentes na edição portuguesa, em 2024, foi de  33%.

A ministra da Ciência, Tecnologia e Informação, Luciana Santos, falou na noite de abertura do evento ao lado do prefeito do Rio, Eduardo Paes, e do CEO do Web Summit, Paddy Cosgrove, sobre a participação feminina na produção científica. A ministra  anunciou a continuidade do Programa Mulheres Inovadoras, que vai investir mais de R$ 3 milhões para incentivar a participação de mulheres em start-ups.

Nesta edição serão selecionadas dez empresas de cada região do país. As 50  startups, que serão divididas em dois grupos de 25, um de empresas iniciantes e outro de avançadas. A primeira colocada de cada região receberá um investimento de 100 mil reais, e as demais, 51 mil reais. Segundo a ministra, o foco do programa é a capacitação e o reconhecimento dessas profissionais no país.

De acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), no Brasil as mulheres correspondem a 20% dos profissionais de tecnologia, e de acordo com o Fórum Econômico Mundial somente 22% dos profissionais que trabalham com inteligência artificial são mulheres. Os dados refletem a constante desigualdade de gênero na área da tecnologia. Por isso a Rio Web Summit retornou com o programa Women in tech, com a proposta que mulheres compartilhem suas histórias, façam networking e colaborem umas com as outras. Por meio dessa iniciativa, ingressos foram disponibilizados com 90% de desconto para mulheres atuantes na área, promovendo um maior acesso ao evento.

A Agenc conversou com algumas mulheres que apresentaram paineis durante o evento. Marina Godoi (32), ex-advogada que mudou de carreira para trabalhar com tech, atualmente está na Inspira, um legaltech de pesquisa de jurisprudência e recursos de inteligência artificial para facilitar a rotina da advogada. Marina contou sobre o dia a dia e participação feminina na área de tecnologia. “Eu achava que teriam até bem menos mulheres, mas lá, pelo menos na Inspira, tem bastante mudança. Comemoramos no ano passado quando o número de mulheres ultrapassou o dos homens na empresa, inclusive no time de tecnologia, não só no comercial e pós-vendas”, afirmou.

Debora Oliveira no painel expositivo da Ximple durante o evento. Foto: Letícia Santana

Já Débora Oliveira (26) é líder técnica na Ximple, startup mexicana focada em conceder acesso ao crédito a pessoas sem acesso a banco, principalmente pessoas que vendem por catálogos. Ela falou sobre a sua visão sobre o impacto da empresa em que ela trabalha na vida das mulheres: “A maioria das pessoas que vendem por catálogo são mulheres. Então, o que a gente está investindo é justamente no empreendedorismo feminino. Porque quando a gente investe numa mulher que é mãe, tem ali todo um ambiente que ela tem que tomar conta, a gente está trazendo o bem. O empreendedorismo dela vai crescer, mas a gente também está impactando várias outras pessoas que estão ao redor delas.”

O evento ainda não divulgou a porcentagem de participações divididas por gênero, porém uma das metas para esse ano é o aumento significativo na participação das mulheres no mundo da tecnologia.

 

Web Summit Rio começa sob o desafio de transformar tecnologia em legado permanente para a cidade

Web Summit Rio começa sob o desafio de transformar tecnologia em legado permanente para a cidade

Abertura do evento neste domingo (27) foi marcada por anúncios do prefeito do Rio com metas para a cidade

Por Everton Victor e Letícia Santana 

Prefeito Eduardo Paes discursa na noite de abertura do evento. Foto: Letícia Santana

O Web Rio Summit 2025 acontece esta semana no Rio de Janeiro com uma vitória e um desafio. A vitória é o anúncio de que o evento ficará no Rio por mais cinco anos, e não apenas três. O desafio é transformar a repetição das exposições em um legado permanente para a cidade, reduzindo a desigualdade no acesso a projetos de tecnologia e inovação. Entre os dias 27 a 30 de abril estes debates ocorrerão no Centro de Convenções Riocentro, Zona Oeste do Rio.

De olho em soluções inovadoras vindas de diversos países e com enfoque para a ampliação do acesso à tecnologia, o Web Summit Rio reunirá milhares de projetos na capital fluminense. Espera-se um público de 30 mil pessoas de 102 países durante os quatro dias de evento, mais de mil startups e 100 palestrantes do mundo todo se reunirão no Riocentro. 

Inteligência Artificial treinada para gerar inclusão de pessoas portadoras de deficiência ou mesmo para descomplicar termos financeiros e dar apoio jurídico são algumas das soluções inteligentes presente no evento. Para o prefeito do Rio, Eduardo Paes,  a ideia não é somente que o Rio veja as apresentações de projetos inovadores, mas que eles permaneçam aqui. 

Apesar da promessa, cariocas que já empreendem e usam inovação  como fonte de renda sofrem com a informalidade. Cerca de 40% dos moradores de favela no Rio tem seu próprio empreendimento, mas deste grupo 51% vivem na informalidade, de acordo com levantamento do Data Favela realizado em 2023. Um empreendimento é considerado informal quando o empreendedor não possui um CNPJ para formalizar seu negócio. O prefeito do Rio reiterou a meta de tornar a cidade do Rio capital da inovação na América Latina, mas não estipulou data. 

Em ano de COP no Brasil, o evento também se voltou para ideias relacionadas à adaptação climática. O empreendimento de alerta via SMS fundado por Filipe Rimes é uma dessas iniciativas. O  ComuREDE une Inteligência Artificial com Redes Comunitárias para notificar moradores por SMS quando está chovendo, falta água ou  luz. O ComuREDE, além de alertar moradores que podem estar se deslocando do trabalho para a casa, também cria um histórico dessa falta de abastecimento de água nas regiões monitoradas.

Noite de abertura do Web Summit. Foto: Letícia Santana

A capital fluminense é espaço de diversos eventos de inovação de relevância mundial como o Rio Innovation Week e o próprio Web Summit. De acordo com Global Startup Ecosystem Report de 2024, o Rio é a terceira melhor cidade para o crescimento de startups no país, ficando atrás apenas de São Paulo e Curitiba. No ranking global, é a 146°, segundo o mesmo estudo. 

Com a abordagem do papel da inovação no presente e no futuro, o palco do Web Summit também foi marcado por mais uma promessa do prefeito Eduardo Paes: o investimento cada vez maior na educação para forjar jovens cientistas cariocas. A sinalização faz parte do projeto da Prefeitura de transformar algumas escolas municipais do Rio em Ginásios Experimentais Tecnológicos, os chamados GETs. Ao todo já são mais de 200 neste modelo espalhados pela cidade.

Este é o terceiro ano consecutivo que a cidade recebe o Rio Web Summit,  evento que já acontece desde 2009 na Europa e hoje também está presente no Qatar, na Ásia.

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Conheça os BRICS – o encontro das economias emergentes do Sul Global

Conheça os BRICS - o encontro das economias emergentes do Sul Global

Encontro de líderes acontecerá no Rio de Janeiro nos dias 6 e 7 de julho

Por Everton Victor e Julia Lima

Brasil divulga identidade visual para cúpula de 2025 do Brics
Símbolo dos BRICS em 2025, inspirado na árvore amazônica Sumaúma Reprodução: BRICS

O Brasil irá presidir neste ano o encontro dos BRICS –  o grupo de países do Sul Global integrantes da chamada economia emergente. Os BRICS surgiram em 2006, inicialmente por Brasil, China, Índia e Rússia, e, na III Cúpula do bloco em 2011, a África do Sul também passou a compor o bloco econômico.

A reunião dos líderes dos BRICS acontecerá na cidade do Rio durante os dias 6 e 7 de julho, mas antes disso, já estão previstas mais de 100 reuniões em diferentes estados brasileiros. 

O surgimento dos Brics está relacionado com o estudo “Building Better Global Economic BRICs”, publicado em 2001 pelo britânico Jim O’Neil, economista-chefe do banco multinacional Goldman Sachs. O estudo reunia dados que mostravam o rápido crescimento dessas economias emergentes no início dos anos 2000, especialmente da China. Ao longo do estudo, o economista aponta como isso representa o surgimento de novas potências e poderia representar a necessidade da reforma da governança global para incluir essas nações.

Além dos fundadores, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã também integram o foro. Belarus, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Malásia, Tailândia, Uganda, Uzbequistão, e, mais recentemente, Nigéria,  irão participar de algumas reuniões como convidados, após consulta aos países membros e decisão por consenso.

Inicialmente, o BRICS surge com a aproximação dessas nações sem um caráter formal de acordos unificados entre os países, decisões em nome do bloco, nem mecanismos que representem o grupo. Ao longo das Cúpulas, realizadas anualmente, as nações integrantes firmaram acordos e diferentes meios cooperativos que se intensificaram ao longo dos anos. Hoje,  o fórum dos Brics é um dos principais encontros de articulação político-diplomática do Sul Global. 

De acordo com a professora Fernanda Nanci, do Departamento de Relações Internacionais da Uerj, a liderança do Brasil no agrupamento este ano será estratégica, colocando-o como porta-voz do Sul Global. “A presidência pode ajudar a reforçar uma agenda de cooperação entre os países do BRICS, em um momento de expansão do agrupamento, como facilitação do comércio e investimentos entre os países, financiamento para enfrentar as mudanças climáticas e projetos de cooperação entre países do Sul Global, com foco em saúde pública”.

Meses antes de sediar a Cúpula, o Brasil trouxe algumas novidades para os BRICS, como é o caso da plataforma BRICS P2P, destinada a sociedade civil e órgãos não governamentais dos países membros. O objetivo é trazer para o público os diferentes temas que serão discutidos este ano e disponibilizar fóruns, conselhos e reuniões. O modelo é parecido com o G20 Social Participativo, plataforma criada pelo Brasil durante sua gestão do G20 em 2024.

Sobre a posição esperada do Brasil na condução do agrupamento, a professora destaca a possibilidade de um ativismo diplomático com foco em retomar um papel de protagonismo do Brasil entre os países em desenvolvimento. Com o lema: Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável, a presidência brasileira pretende pautar uma série de temas de interesses comuns das nações integrantes com acordos sobre financiamento climático, maior integração comercial e cooperação em diferentes setores da saúde. Discussões sobre inteligência artificial e desenvolvimento institucional do grupo também são algumas das prioridades brasileiras a serem discutidas durante as mais de 100 reuniões previstas do grupo em 2025.

Os olhos do mundo este ano não estarão voltados apenas para os BRICS. O Brasil também presidirá a COP30, a conferência mundial do clima, encontro que acontecerá entre 10 e 21 de novembro em Belém, capital paraense. Mas a capacidade do país em pautar ações concretas sobre a temática ambiental será testada antes mesmo da Cúpula da COP. O que for firmado nos BRICS no âmbito ambiental poderá ser termômetro da capacidade do Brasil liderar a temática ambiental. “Certamente se o Brasil falha ao engajar suas contrapartes dos BRICS em uma discussão mais engajada sobre meio ambiente, sua liderança perde força na temática ambiental. Isso prejudica a projeção internacional do país em um ano que é central, com Belém sendo sede da COP30”, explica Nanci.

O BRICS tem ganhado cada vez mais relevância no cenário mundial. Um dos principais mecanismos é o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), criado na IV Cúpula do bloco, em julho de 2014, em Fortaleza, e que entrou em vigor anos depois. Seu foco é a representatividade do desenvolvimento sustentável do Sul Global. O banco é responsável por financiar projetos de infraestrutura em diferentes países. Paralelamente, o Arranjo Contingente de Reservas (CRA), é um dos principais mecanismos de proteção do grupo que, através de uma reserva financeira, ajuda as nações integrantes a protegerem suas economias, como um instrumento de liquidez frente a eventuais pressões financeiras que surjam.

Apesar da responsabilidade, não é a primeira que o Brasil pautará em um bloco internacional a questão ambiental. Durante o último, o país presidiu o G20 e a formulação da Declaração dos Líderes do bloco. Entre os consensos presentes na Carta, o compromisso de limitar o aumento da temperatura média global para menos de 2°C. As nações também sinalizaram um esforço para uma outra meta, ainda mais ousada, de limitar o aumento a 1,5°C – o que, segundo o documento, teria efeitos “significativamente melhores”. 

Além do modelo tradicional de participar dos BRICS (como nação integrante ou convidada), um país pode ser convidado para o encontro por meio do modelo “BRICS Outreach” – para nações próximas regionalmente do país que está presidindo o foro. O BRICS plus destinado ao país que preside convida qualquer país independente da proximidade regional. México, Colômbia e Uruguai foram convidados pelo presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, para participar dos BRICS neste ano.

Com ajuda da IA, pesquisadores criam plataforma que reúne programas de governo dos candidatos a prefeito de todo o país

Com ajuda da IA, pesquisadores criam plataforma que reúne programas de governo dos candidatos a prefeito de todo o país

Vota Aí! permite que eleitores consultem gratuitamente mais de 60.000 planos de governo desde 2012

Por Everton Victor e Julia Lima

 

Reprodução: Site Vota Aí!

De olho nas eleições municipais no dia 6 de outubro, pesquisadores da Uerj e da Unicamp lançaram a plataforma Vota Aí!, com os planos de governo dos candidatos a prefeito em todo o país. A plataforma, criada com ajuda da IA, também permite comparar os planos dos candidatos. O projeto é uma criação do Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública (Doxa) Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Iesp-Uerj) e do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp (Cesop-Unicamp) 

O Vota Aí, que tem acesso livre e gratuito,  foi criado pela cientista política Nara Salles durante as eleições de 2020. Salles inicialmente era pesquisadora da Uerj, mas agora está no Cesop, o que possibilitou a parceria. A plataforma usa o banco de dados do TSE para obter os programas de governo. Com ajuda de IA, faz a raspagem dos dados e possibilita as comparações entre candidatos e períodos eleitorais. 

Segundo Flávia Bozza, uma das pesquisadoras do Vota Aí! no Rio de Janeiro, o objetivo é que a plataforma seja utilizada fora do ambiente acadêmico, por eleitores comuns, que não teriam tempo de buscar nem ler os programas no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A pesquisadora diz que, embora haja algumas limitações na ferramenta, o grande auxílio da IA foi ler os documentos dos mais de 5000 municípios brasileiros. 

Além de agregar os documentos com as propostas, o site conta com algumas ferramentas para ajudar o eleitor:

  • Temas presentes: com ajuda da Inteligência Artificial, a plataforma mostra os temas presentes em cada plano de governo.
  • Nuvem de palavras: mostra as palavras que mais aparecem no programa. Quanto maior a palavra, maior a recorrência dela.
  • Palavras frequentes: ao invés de medir a frequência pelo tamanho da palavra, é feito um gráfico em barras.
  • Análise de contexto: ao buscar uma palavra, é mostrado o que vem antes e depois dela para que o contexto possa ser compreendido.
  • Rede de palavras: mostra quais são as palavras mais relacionadas com a que foi buscada. Exemplo: Busca-se “educação”. Junto dela aparecem mais “pública”, “privada”, etc.

O Vota Aí! não faz nenhum tipo de análise de dados para servir ao eleitor, nem mesmo sobre a possível presença de fake news nos projetos. 

Reprodução: Site Vota Aí!

Flávia ressaltou o papel da plataforma de aliar tecnologia com o trabalho dos pesquisadores. O Quiz “De quem é essa proposta?” traz diferentes projetos e logo em seguida sugere nomes de candidatos que apresentam aquela declaração em seu programa de governo. As temáticas são variadas e os nomes dos candidatos também.  Ao fim das perguntas, o eleitor sabe de quem realmente é cada proposta. 

Esta ferramenta específica do Quiz por enquanto está disponível para 21 capitais, incluindo a cidade do Rio, e em breve será estendida para as demais. Para a pesquisadora, todos esses mecanismos têm, sobretudo, o foco de levar  a informação ao eleitor por meio da pesquisa científica realizada na universidade. “Uma ferramenta de informação para o eleitorado, para que ele possa fazer ao final uma escolha mais informada”.

Vota Ai! como detentor de dados históricos e meio de fiscalização

Reprodução: Vota Aí!

No site estão disponíveis mais de 60 mil documentos de planos de governo desde o ano de 2012. Segundo Flávia, isso permite que o eleitor possa fazer comparações de longo prazo e até comparar mudanças dentro das propostas de um mesmo candidato nesse intervalo.

Já para além do período eleitoral, Bozza afirma que o banco de dados é um bom meio de pesquisa para a mídia e para pesquisadores da área, já que há uma grande compilação de dados. Diz que o site é um bom meio de o eleitor mais interessado fiscalizar o cumprimento das propostas do mandatário eleito durante os 4 anos seguintes – e cobrar caso elas não estejam sendo cumpridas adequadamente.

Clique para conhecer o Vota Aí

Ciência e Tecnologia no centro das eleições 2024

Ciência e Tecnologia no centro das eleições 2024

Tentativas de regulamentar o ambiente digital, vacinas e inteligência artificial serão temas em discussão nas disputas deste ano

Por Everton Victor

Urna Eletrônica. Divulgação: TSE

A três meses do primeiro turno das eleições municipais, os desafios digitais marcam os debates entre os candidatos a prefeito e vereador. Temas como o uso de reconhecimento facial nas ruas, a implementação de câmeras nas fardas policiais, o acesso à internet nas escolas e a digitalização dos serviços públicos estão no centro das discussões. São temas da cultura digital e que impactam de modo decisivo o dia a dia dos brasileiros.

A pesquisa “Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil” de 2023, realizada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), junto com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), mostra que 60% declaram se interessar pelas áreas de ciência e tecnologia. Por outro lado, quando perguntado se conhece alguma instituição de pesquisa científica, menos de 83% citaram alguma, já sobre conhecer algum cientista brasileiro apenas 9,6% citaram um nome.

Pela primeira vez, a eleição brasileira vai contar com a atuação do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE), criado em março deste ano pelo TSE. O órgão vai funcionar como uma estrutura auxiliar do TSE e dos Tribunais Regionais Eleitorais no combate às deepfakes (imagens ou sons humanos feita por IA), além de ser uma ferramenta educacional contra a desinformação. Em resolução publicada em fevereiro deste ano, o TSE endureceu o combate a fake news nas redes, responsabilizando também as big techs que não retirarem do ar posts de teor preconceituoso e/ou com informações falsas.

Outro tema de debate na campanha – as vacinas – também sofre o efeito do negacionismo científico. Recentemente, a Secretária Municipal da Saúde Rio emitiu um alerta sobre a baixa adesão à vacina da gripe na cidade. Ataques às instituições de pesquisas também ganharam força nas redes e no debate público. Em 2021 foi proposto na Assembleia Legislativa do Estado do Rio projeto Lei n°4.671/21, que pedia a extinção da Uerj. Após repercussão, o PL foi derrubado e considerado “inconstitucional”, nas palavras de André Ceciliano, então presidente da Casa. 

Semana da Ciência e Tecnologia. Foto: Agência Brasil

O professor Gerson Pech, diretor do Instituto de Física da Uerj, afirma que existe um longo trabalho para a uma cultura digitalizada plena, mas existe um caminho: aproximar o tema dos cidadãos. A cultura digital é a introdução, em menor ou maior grau, da tecnologia na sociedade e no cotidiano das pessoas. Na prática, ver em um aplicativo a hora que o ônibus passar, fazer uma transferência por Pix, documentos e exames digitalizados, tudo isso está inserido nessa cultura digital.

Na avaliação dele, é preciso explicitar que a cultura digital mexe diretamente com o cotidiano das pessoas. É central para a população reivindicar mais investimentos e ações no campo tecnológico e científico, de acordo com o professor.  Por isso, investir nestas áreas pode facilitar o cotidiano dos brasileiros e trazer uma maior eficiência para os serviços públicos. 

O linguajar difícil, a divulgação das produções de pesquisa restrita às revistas científicas, a pouca comunicação entre a academia e a população, tudo isso contribui para afastar a população da ciência. Para o professor da Uerj, é fundamental mostrar à população os avanços no campo da ciência e da tecnologia e o impacto deles na realidade. Tudo isso ajuda a  combater movimentos antivacina e a anticiência.

Para Pech, esses movimentos se enfraquecem quando são confrontados com o debate público, a sociedade compreende como  funciona a vacina e qual o papel da pesquisa e da universidade nesse contexto. “É preciso mostrar o papel da universidade e da ciência para, por meio da educação, desconstruir a intolerância”, afirma.

PL da regulação de inteligência artificial discute discriminação no ambiente digital 

PL da regulação de inteligência artificial discute discriminação no ambiente digital

Especialistas veem avanços com o projeto de lei, mas identificam um longo caminho para a fiscalização dos sistemas de inteligência artificial 

Por Everton Victor e Manoela Oliveira

 
Racismo algorítmico e os desafios da inteligência artificial / Imagem: Fractal Pictures (Shutterstock)

Racismo algorítmico é uma expressão nova para nomear como uma prática antiga, a discriminação, se reproduz no ambiente digital. É o que acontece, por exemplo, quando o aplicativo do banco não reconhece um rosto negro, buscas de pesquisas relacionam pessoas negras a pessoas feias ou imagens clareiam automaticamente a pele negra. Debates assim, que envolvem os vieses dos dados, a autorregulamentação por grandes empresas e a falta de segurança no ambiente digital, estão em curso hoje no mundo. No Brasil, a discussão passa pelo Projeto de Lei 2338/23, que institui um marco legal com mecanismos e orientações para regulamentar a inteligência artificial no Brasil. A votação do PL 2338/23 foi adiada três vezes e, até o momento, não foi definida uma nova data. 

O PL 2338/23 é de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e tem relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO). O texto preliminar que deu origem ao projeto foi sugerido por uma comissão de especialistas no tema, coordenada por Ricardo Villas Bôas, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). As propostas apresentadas neste projeto agregam sugestões de outros nove PLs sobre regulamentação do ambiente digital.

Reunião da Comissão Temporária Interna do Senado que analisa o PL 2.338/2023 Foto: Lula Marques / Agência Brasil

O pesquisador Pablo Nunes, doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-Uerj), diz que o projeto chega num momento decisivo, porque não existe uma neutralidade nos dados. Eles  partem de um contexto e de um histórico ligados à realidade. “Esses bancos de dados nada mais são do que a história da sociedade humana materializada em números”, afirma. E isso tudo permite falar em racismo algorítmico, o que é, segundo o pesquisador, “a forma atualizada e repaginada do racismo se expressar, permitindo que o racismo estrutural consiga sobreviver neste mundo digital e tecnológico”.

Apesar do termo racismo algorítmico não aparecer na proposta inicial do PL, o projeto discorre sobre discriminação de raça, cor, etnia, gênero e origem geográfica. O documento reforça o combate a preconceitos como um dos fundamentos da implementação de inteligência artificial. Estudar racismo algorítmico permitiria não é só descobrir e analisar os impactos, mas também fornecer sugestões de políticas públicas para os danos serem mitigados, afirma Tarcízio Silva, doutorando em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC (UFABC) e autor do livro Racismo Algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais.

Os efeitos do racismo algorítmico são sentidos, por exemplo, no tratamento de saúde de pessoas negras. Um estudo realizado em Boston, nos Estados Unidos, examinou cerca de 57 mil pacientes com doença crônica renal em centros médicos acadêmicos e clínicas comunitárias. E mostrou que, entre 2.255 pacientes negros, 743 seriam hipoteticamente realocados para o estágio de doença grave se fosse utilizado o mesmo algoritmo de pacientes brancos. 

Ao não serem classificados como pessoas que precisam de atendimento hospitalar emergencial, eles não têm prioridade no encaminhamento para transplantes e no acesso à diálise, procedimento de recuperação da função renal. Na avaliação de Pablo Nunes, esse caso é um exemplo de racismo algorítmico, que explicita os prejuízos sofridos pela população negra em comparação com outros grupos. 

Para o pesquisador, o desafio é equilibrar a utilização desses mecanismos, tendo em vista os bancos de dados já terem todos esses vieses. “As tecnologias, por serem frutos da história humana, não vão romper com o racismo, muito pelo contrário, elas vão procurar reproduzir”. Outro exemplo citado por ele vem da Bahia, onde a Polícia Militar utiliza uma ferramenta de inteligência artificial visando reconhecer pessoas com mandados de prisão decretados. Mas os casos de erro não são raros. Em 2023, um trabalhador foi identificado pela ferramenta e preso erroneamente por 26 dias em 2023. Sobre o caso, a Secretária de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) argumentou que as câmeras constataram 95% de similaridade entre ele e o verdadeiro infrator. “A gente tá falando de vidas humanas que são destroçadas”, reforça Pablo Nunes.

Para Tarcízio Silva, há uma divergência entre o que os legisladores consideram ser o desejo dos brasileiros com a inteligência artificial e a perspectiva real da população. Na análise do professor, a maioria dos brasileiros desconfia desses sistemas, especialmente no campo da segurança pública, área com grande utilização  de IA pelo governo. Uma pesquisa do Instituto IDEA com a colaboração do Brazil Forum UK conta que 73% de 1.073 entrevistados apoiam a criação de regras para o uso de IA no Brasil.

 
Gráfico interativo: Quem ou qual órgão os brasileiros acreditam que deveria regularizar a IA
Fonte: Reprodução de Manoela Oliveira, com dados do Instituto IDEA

O projeto de lei 2338/2023 prevê a supervisão e a fiscalização das inteligências artificiais pelo Poder Executivo, com base em critérios como a gravidade da infração, a condição socioeconômica e a cooperação do infrator. Caso uma empresa ou uma pessoa física não obedeça aos fundamentos de igualdade, não descriminação, proteção ao meio ambiente e privacidade no desenvolvimento de uma IA.

Até hoje (13), a Consulta Pública sobre o PL realizada pelo Senado acumulava mais de 66 mil votos, sendo 47,1% contra o projeto. Os debates de como regular o ambiente do tema não estão restritos apenas ao Brasil. Nos grupos de engajamento do G20, foi recomendado para os líderes das 20 maiores economias do mundo a criação de um grupo de governança global para dados, o Data20 (D20). Países da União Europeia, o Canadá e outras nações que participam do bloco já regulamentaram ou estudam como regulamentar.