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Projeto da Uerj oferece acompanhamento em casos de transição de gênero
Serviço de Identidade fornece atendimento gratuito multiprofissional, clínico e cirúrgico, para pessoas trans
Por: Maria Luísa

O Serviço de Identidade – Transdiversidade é um projeto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) voltado para pessoas que buscam realizar a transição de gênero. O serviço foi o primeiro do estado a atender apenas pessoas transgênero. Ele fornece atendimento interdisciplinar e multidisciplinar, contando com 13 especialidades de atuação. Dentre essas, enfermeiros, psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, clínicos gerais e ginecologistas, entre outros profissionais. Os atendimentos, todos gratuitos, acontecem na Policlínica Piquet Carneiro, que oferece auxílio ambulatorial, e no Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), que acompanha os casos cirúrgicos.
O projeto tem seis vagas de atendimento por semana e em torno de mil pessoas na fila virtual em busca de assistência para o processo de transição. Para a primeira consulta, a espera é estimada em um ano. A coordenadora do ambulatório, Márcia Brasil, orienta que a pessoa interessada em entrar no programa procure inicialmente a Clínica da Família ou a Secretaria de Saúde do município onde mora para ser inserida no sistema de regulação ambulatorial do estado.
A escolha de fazer tratamento hormonal, fonoaudiologia ou cirurgia é do paciente e não afeta a assistência oferecida pelos profissionais. Caso a pessoa queira realizar a cirurgia, permitida no mínimo dois anos após o início do processo, o profissional de saúde precisa solicitar sua inclusão no Sistema Estadual de Regulação. No pós-cirúrgico imediato, o paciente volta à policlínica para receber o cuidado da equipe do Serviço de Transdiversidade.
Segundo Márcia Brasil, o tamanho da fila mostra a relevância do serviço, bem como a necessidade de uma equipe adequada e uma rede qualificada de apoio fora da capital, para que não seja necessário o deslocamento intermunicipal dos usuários. A ideia é que os pacientes passem por diversos especialistas toda vez que retornam ao atendimento, reduzindo, assim, a quantidade de viagens.
O programa Transdiversidade surgiu em 2003 no HUPE, mas somente em 2008 a transição de gênero virou uma política pública do SUS. Antes disso, o paciente que desejasse realizar a “cirurgia de mudança de sexo”, como era chamada, não tinha acompanhamento médico e psicológico adequado, sendo diagnosticado com transtorno de transexualismo.
Pela nova Classificação Internacional de Doenças (CID), a transgeneridade deixou de ser considerada patologia e passou a ser tratada como “condições relacionadas à saúde” por “incongruência de gênero”, mas esse código ainda não entrou em vigor. Márcia Brasil afirma que, por mais que a pessoa entre no programa por meio do diagnóstico de uma patologia, ela não é tratada como doente na clínica.
Apesar do Programa de Atenção à Saúde da População Trans (Paes Pop Trans), apresentado em 2024, propor o acompanhamento da comunidade trans, o projeto está paralisado, e a legislação brasileira não tem previsão de ser alterada. O novo programa prevê a ampliação dos centros especializados para que todos os estados do Brasil tenham espaços de referência ambulatorial e cirúrgica. A última atualização legislativa no assunto ocorreu em 2013, através da Portaria nº 2.803 do Ministério da Saúde que reformulou e expandiu o Processo Transexualizador no SUS.
A pesquisadora Márcia Brasil afirma que a Uerj, por meio do HUPE e da policlínica, é uma prestadora, mas deve haver “uma linha de cuidados desenhada pelo estado para que os prestadores possam fazer assistência dentro dessa linha de cuidados”. Na ausência da atuação do estado, como no Rio de Janeiro, a organização acaba sendo feita pelos próprios profissionais de assistência, numa sobreposição de responsabilidades que sobrecarrega o programa. Para Márcia, cabe à universidade “fazer o papel de universidade, que é o ensino, a pesquisa e a extensão”. O desenho da assistência é, portanto, papel do gestor.
Márcia destaca outra razão que impede o avanço de programas de diversidade: o preconceito. “Eu acredito que ele está atravessado por perspectivas conservadoras que minam decisões que seriam importantes para que as pessoas tivessem mais acesso”, afirma. E diz que o estado não promove uma política pública de cuidado.
Em novembro do ano passado, o programa de Transdiversidade foi oficializado como serviço pela Uerj. Com isso, ganhou, dentro da estrutura da universidade, um lugar institucional. O Serviço de Identidade é um projeto submetido à direção médica da Policlínica. Márcia afirma que o serviço desempenha um papel fundamental de luta contra o conservadorismo, promovendo a esperança para pacientes e desconstruindo pensamentos discriminatórios. A médica Carolina Cunha, do Identidade, alerta sobre a importância de furar a bolha, trazendo a discussão da diversidade para outras esferas sociais. Ela defende o debate aberto sobre orientação sexual e identidade de gênero com a população: “Quando a gente fala, a gente tá prevenindo o suicídio, a gente tá dizendo: ‘a sua existência é possível’”.

Cartilhas para o público LGBTQIAP+
(saúde, denúncias de violência, políticas públicas outros temas)
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