A monografia de Alessandra Araujo, jornalista formada pela FCS, foi premiada com a nota máxima na banca de avaliação, ocorrida no final de 2020, e tornou-se livro editado pelo projeto Protec eBooks FCS. Gaymers: a reivindicação de representatividade de LGBTS+ nos games (disponível para download aqui) é um estudo de caso que investiga as representações de personagens que não se enquadram nas normas sociais e tradicionais de gênero e sexualidade. A partir da pesquisa, Alessandra apresenta as transformações que os personagens sofreram, distanciando-se de modelos que, durante muito tempo, eram predominantemente estereotipados. Essa ocupação LGBT+ não se deu sem reações num ambiente onde o sexismo é uma marca. Na entrevista concedida ao site da FCS, a autora aborda os motivos que a levaram ao tema e seus planos acadêmicos futuros.
FCS – Como e por que você escolheu estudar representatividade LGBT+ em games?
Alessandra Araujo – Desde criança, sempre fui apaixonada por videogames. Era a atividade que reunia toda minha família e amigos. Eu jogava junto com meus pais e meus primos. Então, foi um universo no qual sempre fui imersa e não deixou de ser durante a adolescência, e nem depois de adulta. É realmente uma paixão. Além disso, eu sou uma pessoa LGBT+, que observou o aparecimento dessas representações e, sobretudo, dessa representatividade enquanto eu crescia, o que, para mim, foi muito importante. Então, por que não escrever sobre isso?
FCS – Um traço comum, até algum tempo atrás, em produções culturais, era a estereotipização de personagens LGBTs. Como você avalia a construção dos personagens nos jogos analisados no seu estudo?
AA – No início era bem estereotipado ou sexualizado mesmo, personagens extremamente afeminados, como o Ash, de Streets of Rage, que menciono no meu estudo. Personagens usando roupas extremamente apertadas e pequenas. E sempre colocados ou como coadjuvantes ou como vilões, sem ter muita narrativa própria. Hoje, vemos personagens LGBT+ com lores [histórias secundárias e complementares] extremamente complexos, que inclusive não se resumem apenas ao fato da pessoa ser LGBT. São, até mesmo, protagonistas dos seus próprios jogos. Life is Strange, que é o game usado por mim como objeto, apresenta diversos personagens LGBT+ com muitas camadas e, ainda, como protagonistas.
FCS – O universo LGBT+ é amplo e diverso, com múltiplas identidades. Dá para falar que os jogos analisados refletem essa realidade plural das pessoas que não se enquadram nas normas sociais tradicionais de gênero e sexualidade?
AA – Acho difícil contemplar toda essa pluralidade. Na comunidade LGBT+ temos pessoas assexuais, pessoas não binárias, pessoas trans dentro na binariedade de gênero, travestis, pessoas lésbicas, pessoas gays, pessoas bissexuais, entre muitos outros. Os jogos ainda retratam principalmente a vivência de gays, lésbicas e bissexuais. Mas os games que fazem parte do meu estudo fazem um ótimo trabalho com esses três, mostrando que, sim, a sexualidade é uma questão, o preconceito existe, mas essas pessoas também são pessoas, com bagagens, histórias, gostos e costumes que vão além da sua sexualidade.
FCS – Você destaca que, a partir de uma perspectiva de cidadania cultural, a busca pela representatividade torna-se uma relação política e econômica. Você consegue avaliar a repercussão dos jogos? Isto é, como foi a popularidade e se houve reações contrárias – já que ressalta que comunidade gamer ainda é marcada por machismos e lgbtfobia?
AA – A indústrias gamer se criou como um refúgio dos homens heteros cis, a partir do momento que, para sobreviver economicamente, passou a desenvolver temáticas mais violentas. Posteriormente, quando outras pessoas tentaram ocupar esse espaço e outros tipos de jogos foram desenvolvidos, esses homens se sentiram invadidos. Então, teve, sim, uma reação. Houve linchamentos online, ameaças de morte, diversos insultos machistas, LGBTfóbicos e sexistas. Insultos que eu, que sou mulher LGBT+, posso enfrentar até hoje em chats ao jogar online.
Mas vou te contar, boa parte dos jogos de temáticas LGBT+ são games extremamente populares, que ganharam premiações, como Jogo do Ano, devido a sua alta complexidade narrativa, como The Last of Us (que também virou série e super recomendo). Então, apesar da reação, nada impede o grande sucesso dessas histórias.
FCS – O que foi mais desafiador durante a pesquisa? Tem intenção em desenvolvê-la numa eventual pós-graduação?
AA – Acho que o elemento mais desafiador combina bastante com o fato de estar pensando em talvez desenvolver essa pesquisa em uma pós. Poucos pesquisadores enxergam os videogames como um campo de comunicação a ser estudado, mas eu diria que é um campo extremamente relevante e que precisa ser mais explorado. Hoje todo mundo joga, seja os jogos mais complexos com grandes histórias ou Candy Crush e Pokemon Go no celular, e como isso altera nossa forma de se comunicar? Como isso cria espaços de convivência, uma vez que o virtual se funde cada vez mais com o real? Como isso muda nossa forma de enxergar o mundo? O videogame é uma ferramenta de imersão, nós nos sentimos parte daquele universo que apresentam para a gente. É uma ferramenta enorme de criação de empatia inclusive, já que estamos vivendo a mesma história que aquele personagem. Nós somos aquele personagem. É uma forma de comunicar com infinitas possibilidades, principalmente conforme avanços tecnológicos acontecem. Então, foi difícil demais achar bibliografia, principalmente nichando para o público LGBT+, mas não deveria ser. E, por isso, eu penso em talvez desenvolver a pesquisa numa pós.