Assédio nas universidades e seus impactos
Um retrato da violência silenciada em espaços acadêmicos
Por Samira Santos
O ambiente universitário, frequentemente idealizado como um espaço de aprendizado e transformação, tem sido palco de uma problemática séria: o assédio. Dados da Controladoria-Geral da União (CGU) revelaram 557 denúncias de assédio em instituições públicas federais em 2024, o que equivale a uma média de duas por dia. Esses números expõem a persistência de uma cultura de silenciamento e impunidade em relação a essa prática, que afeta professores, funcionários e, principalmente, estudantes, especialmente mulheres.
O silêncio das denúncias e subnotificações
Apesar da gravidade do problema, pesquisas apontam que a maioria dos casos de assédio não chega ao conhecimento das autoridades. Um levantamento realizado em 2022 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) indicou que apenas 10% das ocorrências são formalmente registradas. A subnotificação é reflexo de uma série de fatores, como medo de represálias, falta de apoio institucional e a burocracia envolvida nos processos de denúncia.
Na Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, em uma década, apenas seis processos administrativos foram abertos relacionados ao tema, e apenas um resultou em punição. Recentemente, um professor da instituição foi suspenso por 15 dias após ser acusado de assédio sexual por duas colegas, gerando críticas sobre a falta de penalidades aplicadas.
Assédio e suas várias formas
O assédio nas universidades pode se manifestar de diferentes formas. O assédio moral envolve condutas abusivas reiteradas, como humilhações e ameaças, que degradam o ambiente acadêmico e afetam a saúde mental das vítimas. Já o assédio sexual inclui desde comentários inapropriados até exigências explícitas de favores sexuais, muitas vezes por pessoas em posições hierárquicas superiores, como professores ou orientadores.
A legislação brasileira tem avançado no enfrentamento a essas práticas. Desde 2001, o Código Penal inclui o assédio sexual como crime, com pena de detenção de um a dois anos. Em 2018, o artigo 215-A ampliou a abrangência para incluir a importunação sexual. Contudo, lacunas permanecem, especialmente na proteção de estudantes em relação a seus orientadores, onde o poder hierárquico é muitas vezes utilizado como instrumento de coerção.
O impacto na saúde mental
O assédio não afeta apenas o desempenho acadêmico, mas também a saúde mental das vítimas. A professora de psicologia Anna Uziel explica que a queda no rendimento, isolamento e desinteresse estão entre os sinais que podem indicar sofrimento psicológico. A professora sugere abordagens que vão além do suporte individual. “Grupos de acolhimento são importantes para fortalecer os estudantes e criar espaços de troca, onde possam compartilhar experiências e encontrar soluções coletivas”.
“Um primeiro ponto que acho muito importante é que, quando falamos de assédio, estamos falando de relações de poder”, afirma Uziel. Ela destaca que a universidade, muitas vezes, apresenta relações hierárquicas e verticalizadas que podem gerar conflitos. “Talvez agora, com o uso desse termo [assédio], estejamos conseguindo falar sobre essas questões e tratar dessas relações de poder que já causam sofrimento”.
O ambiente acadêmico deveria ser um espaço de incentivo e crescimento, mas para muitas mulheres torna-se um local de medo e retraimento. Dados do Instituto Avon, em 2015, apontam que 67% das universitárias já sofreram algum tipo de violência no ambiente universitário, sendo o assédio sexual a forma mais recorrente, com 56% das alunas relatando experiências desse tipo. “A cultura do silêncio é ainda mais grave do que a da impunidade. Quando não podemos falar ou não encontramos escuta, perpetuamos o ciclo de violência”, explica a professora.
A face extrema da violência de gênero
O feminicídio, expressão máxima da violência de gênero, é um alerta de como práticas abusivas podem evoluir para consequências trágicas. Desde a sanção da Lei do Feminicídio, em 2015, pelo governo Dilma Rousseff, mais de 10 mil mulheres foram vítimas desse crime no Brasil. Em 2024, a Lei 14.994 aumentou a pena para 40 anos de reclusão para feminicídios, demonstrando a gravidade desse tipo de violência.
O discurso de Dilma ao sancionar a lei permanece atual: “Se mete a colher sim, principalmente se resultar em assassinato”. Essa fala ressalta a importância da denúncia e do apoio de familiares e amigos para evitar desfechos fatais.
A cultura do silêncio e a impunidade
A universidade, reflexo da sociedade, reproduz as mesmas opressões de gênero, classe e raça que estruturam a vida social. Pesquisas revelam que mulheres negras e indígenas estão ainda mais vulneráveis a violências, como o racismo interseccional. A escritora Grada Kilomba descreve essas experiências como “cicatrizes históricas que se perpetuam nas estruturas sociais e acadêmicas”.
Além disso, a falta de preparo institucional agrava a situação. Em 2022, apenas 25% das universidades possuíam políticas específicas para enfrentar o assédio, segundo pesquisa da professora Neiva Furlin da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc). Os Movimentos como o #MeToo e denúncias públicas têm pressionado por mudanças, mas a resistência à implementação de protocolos efetivos ainda é um desafio.
Caminhos para a transformação
A aprovação da Lei 14.540/2023, que institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual em instituições públicas, é um passo importante. Ela obriga universidades e órgãos públicos a criar mecanismos de prevenção, acolhimento e responsabilização. Contudo, especialistas alertam que políticas só serão eficazes se acompanhadas de mudanças culturais profundas.
Iniciativas como a Comissão Permanente de Combate aos Assédios da Uerj mostram as estratégias integradas para enfrentar o problema. A Uerj implementou um fluxo institucional para acolher denúncias, apurar casos e promover ações educativas. Embora tenha criado uma cartilha sobre o combate do assédio sexual e moral, a universidade ainda encara dificuldades no acolhimento em sua Ouvidoria. Apesar dos avanços, a universidade ainda enfrenta desafios, como a sobrecarga de trabalho de membros da comissão e a falta de adesão de alguns setores.